21 agosto 2006

Estes dias que passam 32

Antes que me esqueça

Parece que o dr. Marcelo Caetano nasceu há cem anos. É uma efeméride que talvez me não suscitasse grande vontade de escrever não fora dar-se o caso de a RTP ter resolvido fazer uma longa reportagem sobre o último e malogrado Presidente do Conselho do Estado Novo. Não vale a pena estar aqui a indicar as asneiras factuais (eu aqui no blog já me enganei um bom par de vezes quando conto alguma história com foros de verdade nua e crua. Porém um blog é um blog e não a principal televisão pública do país…). Realço apenas uma espantosa e que me toca: o ano de 69! O annus horribilis de Caetano. Ora a querida RTP fala, en passant, dum crise académica de 69 em Lisboa sem sequer, ao menos, lhe juntar Coimbra onde de facto houve uma crise.
A crise de 69 (em Coimbra) foi a única em que uma greve aos exames resultou, que acabou com um ministro (Hermano Saraiva) obrigado a demitir-se, foi a única que fez o poder recuar libertando estudantes presos e reenviando para Coimbra todos (suponho) os estudantes incorporados á força no exército como castigo pela sua actividade politica e associativa. Foi também a única greve que levou à demissão de um reitor e à sua substituição por um professor prestigiado, que obteve o beneplácito dos estudantes (caso único ao que sei em greves estudantis portuguesas).
Marcelo Caetano foi, e ninguém o nega, um excelente especialista de direito Administrativo e um reitor da Universidade de Lisboa que teve a ousadia de se demitir por discordar da politica repressiva levada a cabo pelo governo da altura.
Como politico foi sempre medíocre, quer seja como Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa, onde não ousou sequer organizá-la convenientemente, quer como Ministro da Presidência de Salazar onde foi insignificante. Quando finalmente foi chamado a desempenhar o cargo de Primeiro Ministro foi pobremente cinzento. Despertou alguma curiosidade, pouquíssimas esperanças (logo desvanecidas) e mesmo o famoso programa económico do seu consulado ficou aquém do que poderia e deveria ter feito. Nesse ponto não teve o arrojo da Opus Dei espanhola chegada ao poder no pais vizinho em 62 (seis anos antes de Caetano!!!). Hoje em dia parece que os comentadores benévolos de Caetano esqueceram o ambiente económico da Europa nessa época. Talvez assim percebessem melhor as razões da politica desenvolvimentista (!!??) de Caetano.
O último ponto que cumpre assinalar no panegírico de Caetano é o da sua propensão a usar a televisão (as chatíssimas “conversas em família”). Caetano seguiu o exemplo, entre outros, de De Gaule que sabia (e de que maneira!) usar a televisão. Não inovou, portanto, e foi sempre baço nessa tarefa. Via-se à légua que estava a ler um texto sem chama nem entusiasmo. Nem vontade de convencer os espectadores…
Tem pouco a pouco vindo a afirmar-se, neste país, a ideia peregrina de valorizar o desastre de quarenta e muitos anos de chumbo, quer mantendo a ideia de que o regime republicano arruinara o país (como se os dois últimos decénios da monarquia não tivessem sido o que foram…), quer tentando usar o argumento da falta de autoridade, de civismo, de segurança que ora se cola aos tempos que correm. Como se o civismo tivesse sido moeda corrente no regime anterior! Quanto á autoridade e segurança têm toda a razão: havia muita e muito forte. Um outro ponto que já vi também brandido pelos saudosos órfãos de Salazar é o da corrupção. Segundo estas alminhas inocentes isso era chão que não dava uvas nos quarenta, cinquenta e sessenta. Dava, estejam descansados, havia corrupção á fartazana. Com uma diferença: não vinha nos jornais. Como também não vinha mais nada, nem sequer as (poucas) viagens do Dr. Oliveira Salazar pelo pais. Não só não eram publicitadas como também só depois de efectuadas é que o pagode sabia que Sª. Ex.ª tinha estado em Alguidares de Baixo. Era até por isso que chamavam ao homem o “Esteves” (de esteve, estão a ver?). Os ditadores, na versão lusitana e cavernícola, temiam os atentados e não poupavam nas cautelas.

P.S. que não tem nada a ver: o ditador Stroessner, trinta e cinco anos de impunidade criminosa, morreu tranquilamente na sua cama em Brasília, com noventa e tal anos. O Paraguai, em tempos próspero, continua na miséria.

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