A ver se nos entendemos
(Grass, política á portuguesa, um epitáfio )
(Grass, política á portuguesa, um epitáfio )
Em 1932, o “Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSSAP) chegou ao poder depois de ter obtido uma confortável maioria parlamentar. Nesse mesmo ano, um menino chamado Günter Grass celebrava o seu quinto aniversário.
Por outras palavras; até 1944, o jovem Grass não conheceu outro regime político que não fosse o regime nazi. Foi nele educado, nele cresceu até, naturalmente, e com 15 anos, se oferecer para fazer a guerra nos submarinos. Por razões que não interessam não foi aceite tendo aos 17 anos sido arregimentado numa divisão das Waffen SS, onde permaneceu escassíssimos meses senão só semanas até ser feito prisioneiro pelos americanos. Permaneceu preso até 1946. A partir de meados dos anos cinquenta começa a sua excepcional carreira literária.
Em 2006, a propósito do lançamento da sua autobiografia, Grass torna pública a sua participação nas Waffen SS. Convém todavia nunca esquecer que nunca tal participação fora negada e que era inclusivamente conhecida em restritos meios que nunca lhe deram qualquer importância pelo simples facto de efectivamente não poder entender-se que aos dezassete anos alguém possa ser considerado responsável pelas suas opções políticas. À uma porque é cedo demais para as ter, depois porque seria praticamente inconcebível que um jovem alemão nascido em Dantzig (a do corredor) e actual Gdansk polaca pudesse ser outra coisa do que um ardente patriota alemão de calções. Tanto mais que, como toda a gente sabe, ou deveria saber, a juventude alemã foi cuidadosamente enquadrada pelo regime, não constando que este último desse lugar e espaço à dúvida.
Tudo isto vem a propósito da reacção excessiva, imbecil, descabida e com claros desígnios políticos e literários, de atacar Grass pelo que pensaria e teria feito com uns miseráveis dezassete anos ainda a cheirar a cueiros, numa Alemanha em perdição, destruída, submetida ao inacreditável e paroxístico sistema de propaganda nazi.
Anda por aí muito embusteiro a arguir desculpas para a Leni Riefenstahl, para o Heidegger ou para o Furtwangler (que eram já claramente adultos quando Hitler chegou ao poder) pela sua descarada e declarada simpatia pelo Führer. Anda por aí muito patarata que ignora o filo-nazismo do ex rei de Inglaterra, Eduardo de Windsor ou do papá dos Kennedy, em tempos embaixador na Alemanha. Ou de um cavalheiro que, não sendo filo-nazi, não teve a coragem de abertamente o desafiar. Refiro-me ao Papa Pio XII, claro, já por mim aqui referido aquando de um estúpido ataque de um senhor judeu de que já não recordo o nome. A inteligentsia bem pensante e politicamente correcta, esquece o pacto germano-soviético, a posição dos partidos comunistas até à invasão da União Soviética, o cretinismo pacifista de franceses e ingleses em Munique.
Mas agora, que Grass fala dos seus tontos dezassete aninhos, ai meus Deus que vêm aí os maus! Fosse Grass um escritor de terceira, não tivesse ele andado a mijar fora do penico com o terrível e admirável “A passo de Caranguejo” e nada desta detestável polémica se levantaria. Agora até o centro Simon Wiesenthal, resolve dar um toque policial à sua actividade e vem pedir explicações e informações. Os chefes de brigada nunca morrem apenas se transformam.
2 Reina a indignação no petit monde político-jornalístico português: o senhor Presidente da Câmara de Setúbal, militante de longa data do PCP (conhecedor pois não só da história do seu partido mas também dos seus processos, da sua organização interna e das suas normas disciplinares que, ao que se saiba nunca terá contestado) foi alvo de uma decisão do seu partido. E a decisão traduz-se na perda de confiança política para continuar na presidência da câmara. O senhor sai, triste mas resignado. E mantém-se no partido em que milita. Triste mas resignado, novamente. De súbito uma onda de simpatia envolve o enérgico bolchevista que já levava 26 anos de dedicação á política autárquica e à política geral, à linha geral, do PCP. Fala-se já em estalinismo. Bem se vê que não sabem bem o que era o estalinismo. Chamar estalinismo a isto é chamar pneumonia a um ataque de tosse.
Todavia, pratiquemos um pouco mais sobre este caso. Ou melhor sobre as regras que num pais com um sistema de partidos, que só a estes concede a possibilidade de apresentar candidatos para a maioria dos cargos electivos (mas não para as Câmaras, há que dizê-lo, não vá alguém sair-me ao caminho). Eu tenho por mim, e em desacordo teórico com o meu caro confrade Carteiro, cuja opinião, respeitável, não partilho, que se alguém é eleito numa lista alargada em nome de um partido, não pode em consciência manter-se no cargo se entra em conflito claro com o mesmo partido. Lamento muito mas é assim que penso. E que vou agindo. Nas vezes em que entrei em conflito com alguém de quem dependia por razões de confiança política, saí pela esquerda baixa. O mesmo de resto fiz, enquanto alto funcionário público, sempre que entrei em colisão com a tutela. Continuo a pensar que a razão me pertencia, que a confiança política em mim depositada vinha –como de resto os meus superiores afirmavam – da minha competência técnica. Mesmo assim, ala que se faz tarde. E saí com notório prejuízo da minha vida profissional, do meu orgulho, do que eu pensava ser o meu bom nome junto de conhecidos e desconhecidos (que isto de uma pessoa se demitir traz sempre a ideia de que não há fumo sem fogo). Demiti-me e expliquei onde pude e com todos os pobres meios ao meu alcance, as minhas razões.
Aliás veja-se o caso, p.e., de uma lista de deputados. Por exemplo a de Lisboa. Será que o votante num determinado partido os conhece a todos? Será que, sobretudo, conhece os que irão de facto ser eleitos e permanecer no parlamento tendo em linha de conta outros eventuais mandatos, tarefas partidárias e políticas? Alguém que tenha votado o senhor engenheiro Sócrates, credo! (eu votei mas peço desculpa), esperava que ele fosse continuar quatro anos na Assembleia? Ou o dr Marques Mendes (credo!)? Ou os senhores Sousa e o patusco do CDS, de que me não lembra o nome, ou os inenarráveis bloquistas?
As listas por partido têm essa incómoda característica. Vem tudo no mesmo saco. É por essas e por outras que prefiro, enquanto votante, os círculos unipessoais, mesmo com o risco do caciquismo. Mas enquanto vivermos sob este regime há que dar-lhe todo o seu espaço e não estar continuamente a abrir excepções que o desfiguram e abastardam. Os jornais hoje trazem alguns exemplos colhidos, como não podia deixar de ser no PCP (já é mania!...) E sobretudo a diferença de sensibilidade mostrada pelo meu amigo Zé Barros Moura e por um doutor José Magalhães. O primeiro, saiu do partido e do rentável parlamento europeu. O segundo optou por ser independente, ainda que por pouco tempo pois logo a seguir apareceu sob as cores do PS.
Só para não perder o fio à meada, recordemos, um presidente imbatível de Mirandela que mudou de partido para ser candidato (felizmente) derrotado em Coimbra. Ou um rapaz muito ppd de Esposende que, desapossado do lugar de presidente substituto da Câmara, se passou, sem êxito para o PS local, que não teve vergonha em acolhê-lo e candidatá-lo.
E podia citar-se todo um rosário de casos idênticos, de atitudes, que só desanimam os poucos que ainda acreditam na honra de votar e na ainda maior honra de ser votado. Em Espanha, este fenómeno de transfuguismo político tem tido exemplos espantosos com consequências infamantes. Recordo um deputado de direita galego que provocou uma efémera derrota do seu partido na Galiza e uma tremenda vitória posterior do partido traído e abandonado. O mesmo ocorreu na eleição para a Junta de Castela onde dois trânsfugas socialistas pinguemente pagos deram a vitória à direita. Ou os casos emblemáticos de Marbella onde com pagamentos (altos, altíssimos, diga-se em abono da verdade mas não em defesa dos vendidos) se chegou a uma situação de banditismo capaz de fazer empalidecer os mafiosos sicilianos.
Eu percebo que esta minha opinião possa não ser partilhada, e não o é por pessoas que estimo e cuja trajectória política está acima de toda a suspeita como é o caso do confrade Carteiro que resolveu não alinhar com a atitude contemporizadora do seu partido no Marco de Canavezes. Mas, caro Carteiro, V. foi a excepção e não a regra, como muito bem Brecht observa na peça homónima. Na generalidade as passagens a independente trazem outra água no bico. E não é benta.
3 Morreu Vasco de Carvalho, episódico secretário geral do PCP num dos piores momentos da sua história. Expulso pelas más razões, nunca foi reabilitado como deveria ser. Que se saiba, portou-se honrosamente na prisão, sem trair nem denunciar. Também não renunciou às suas convicções políticas. Viveu do seu trabalho digna e pobremente. Não se queixou do destino ou da má sorte. Poderá haver melhor epitáfio do que este?
Haja um(a) leitor(a) que me acompanhe nesta pequeníssima homenagem a um homem trucidado pela história. Obrigado.
6 comentários:
Eu acompanho-o, admiro as pessoas frontais, rectas, honestas e de convicções, apesar de, neste caso, não serem as minhas.
Aproveito para dizer que habitualmente leio algumas crónicas do incursões.
Obrigado, MCR, por considerar a excepcionalidade da minha posição. É que ali o caso era mesmo triste. Depois de ter sido praticamente obrigado a aceitar ser candidato, o partido deixou-me sozinho. Nem dinheiro (ainda ficaram com algum que receberam e me era devido, porque eu já tinha pago as contas), nem apoio de qualquer espécie, muitos dos seus responsáveis locais fizeram campanha pelo adversário que eu pensava que era para abater, boicotaram-me as candidaturas às Juntas. Cheguei a deixar de ser candidato e fui outra vez obrigado a ser. Aqui, já porque entendi que já tinha sofrido demais para não ir em frente. E por sentir que havia quem esperava muito de mim.
Quando, ao fim de um ano, me retiraram a confiança política, eu entendi não abdicar. Nada na lei me obrigava a isso. Nem aqueles patetas me podiam obrigar. E, repare, estamos a falar de um cargo que não é remunerado, estamso a falar de uma Câmara onde em todas as reuniões havia batalhas enormes com a maioria e sobretudo com o inenarrável presidente. Se eu tivesse saído, estaria a beneficiar os que pretendia combater e, sobretudo, os responsáveis locais do PSD, que mereciam ser irradiados de qualquer actividade pública.
Tudo isto é diferente do caso que utiliza para justificar a permanência no emprego apenas enquanto se tem confiança da tutela. Aí, eu não teria dúvidas em sair logo que a perdesse. Conto-lhe um episódio: trabalhei em dois jornais. Em ambos os casos - para perplexidade de todos - sempre recusei ingressar nos quadros. TRrabalhava a recivo verde. O meu argumento era este: no dia em que quiserem mandar-me embora, avisam-me com um dia de antecedência; quando eu quiser ir embora, faço o mesmo.
Quanto ao caso de Setúbal, creio que nenhum de nós tem ainda toda a informação. Mas que o caso é curioso, lá isso é...
recibo, claro
Quanto ao Gunter Grass é uma palhaçada. Veja lá: o 25 de Abril aconteceu quando eu tinha 13 anos. Nessa altura, influenciado pela minha tia mais nova, eu até achava que era comunista... Sério! Até estive no primeiro comício que a UEC organizou no Porto.
1. Sobre Setúbal, fiz um comentário mais abaixo, no meu próprio post. O carteiro tem razão - e eu vivi o caso do Marco, de onde também me demiti na Assembleia Municipal em ruptura com o aparelho partidário. Os casos que MCR relata são de natureza diferente.
2. Sobre Vasco Carvalho, aconselho a ler a referência que lhe é feita por Pacheco Pereira no Abrupto.
Um abraço a Mar(cia) agradecendo a companhia tanto mais que vem de outra área.
Outro abraço aos confrades Carteiro e JCP que foram, digo-o sem hesitar, verdadeiros exemplos de resistencia num tempo em que essa palavra parece definitivamente postergada do dicionário dos bem pensantes. Saravah!
Estico o abraço ao Compadre Esteves, Primo de Amarante, outro que as passou verdes e maduras.
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