22 agosto 2006

Férias para que te quero 5

(memória da praia antiga, dos filmes [com um recado ao MSP], da tendência necrológica da C.G., do “pobre B.B. vindo das negras florestas”
e da chuva abençoada, chuva simples de Verão)


Domingo

A casa que alugamos está, como eventualmente terei dito, a dois metros do mar quando a maré enche. O nosso pequeno pátio dá para uns rochedos que surpreendentemente atraem montes de pessoas. Hoje é um ruidoso grupo de rapazes, já por cima dos vinte anos, que gracejam e bebem cerveja misturada com laranjada. As cervejas repousam ainda fechadas num saco de plástico que está mergulhado. Falam alto, riem muito e lembram irresistivelmente “I Vitteloni” (“Os inúteis” entre nós, se não erro) um filme, dos mais antigos, mas tão bom como os restantes, do Fellini. Bem, lembrar irresistivelmente é, porventura, um exagero. Mas não sei porquê, ao fim de duas horas bem contadas de os ouvir, é o filme de Fellini que me vem à ideia. O já lembrado leitor Manuel Sousa Pereira apreciará esta referência ele que há dias me escrevia um e-mail (sobre um texto aqui publicado) falando em cinema para maiores de 60 anos! E de que quase só ele e eu gostaríamos. Falso, Manecas, falso. O bom cinema é para todos. O caso é que uma política f.d.p. de distribuição cinematográfica deixou há muito de passar cinema europeu. Só isso, companheiro. A questão é conseguir que seja passado. Ao menos na televisão, que diabo!

Segunda feira

As férias galegas estão a acabar. Hoje mesmo, começámos a despedir-nos das pessoas que, à força de as encontrar, ano após ano, na praia e na explanada da “Postiña”, já nos cumprimentamos, conversamos e prometemos encontro no Porto ou em Madrid. Desta vez foi dos Ortegas que nos despedimos. Eles porventura não sabem mas a Crazy Grazy lembrava-se deles por via de um netinho que vimos de colo se é que o não teremos adivinhado na barriga da mãe. Como nota curiosa, logo no primeiro dia, vimos o pequenino, os pais e o avô. Logo a C.G., sempre optimista, como se verá, aventou a morte da pobre Isabel Ortega. Felizmente, e como eu anunciara, a excelente senhora ressuscitou ao terceiro dia. Ressuscitaram igualmente alguns outros habitués da Postiña que também já tinham a o necrológio feito pela C.G. É claro que nisto de mortes ela acabará ganhando pois não consta que entre os nossos conhecidos de veraneio haja imortais... Púnhamos que a CG lhes antecipa o passamento com demasiado exagero e pressa.
Faz hoje, 14 de Agosto, 50 anos que Brecht morreu. Nunca o seu teatro esteve tão vivo, e a sua poesia tão certeira. A Alemanha oriental que ele conheceu e que o desesperava (há poemas terríveis sobre isso) já não existe e ainda bem, que aquilo era intolerável. Em contrapartida tenho ideia de que se Brecht pudesse ver Berlim agora, gostaria dessa cidade renascida, efervescente e ao mesmo tempo tão variada como no seu tempo.
Os incêndios vão sendo vencidos. Para lá de todas as teorias que se levantaram quanto à sua origem, uma há que parece tola e a destempo. Alguém com responsabilidades políticas na Xunta, ou no Governo central, resolveu acusar “elementos dos corpos de bombeiros” que não tendo este ano sido contratados, se deram ao gosto de incendiar. A história não só não parece consistente como até será contraproducente. Efectivamente, o actual poder político regional terá exigido dos candidatos a bombeiro a obrigatoriedade de falar galego. Ora aqui está como o delírio nacionalista pode ser imbecil. Que peçam aos bombeiros competência contra o fogo percebe-se. Que façam dos seus conhecimentos linguísticos (numa terra absolutamente bilingue) o elemento essencial do contrato é que é pasmoso. E caro, como se viu!
E acabam as férias galegas. Para o ano há mais. Anunciam-se chuvas que nunca tão bem-vindas serão.

Voltou a chuva.
Não volta do céu
ou do oeste
Volta da minha infância
A noite abriu-se, um trovão
comoveu-a, o som
varreu as solidões,
e então
chegou a chuva
da minha infância,
Primeiro
numa rajada
colérica,
depois
como a cauda
molhada
de um planeta
......
um espaçoso golpe
de pétalas escuras
na noite
...
um manto tempestuoso
caindo
no silêncio,
a chuva
mar de cima
rosa fresca
nua
voz do céu,
violino negro,
formosura,
amo-te
desde menino,
não porque sejas boa,
mas tão só pela tua beleza.
.....

Pablo Neruda: excerto de Oda a la lluvia, in Odas Elementales, Losada, Buenos Aires,1958 (tradução de mcr)





1 comentário:

o sibilo da serpente disse...

esta de os bombeiros serem obrigados a falar galego é extraordinária...