22 agosto 2006

A guerra que tu já ganhaste, rapaz.


Claro, rapaz, que tu já ganhaste a guerra que tens comigo. Começaste a ganhá-la precisamente no 11 de Setembro, quando as Torres Gémeas foram arrasadas pelos aviões que os teus irmãos sinistramente conduziam, num imenso desprezo pela vida, pela vida deles e pela minha e pela de todos aqueles que gostamos de viver.

Recordo-me que o meu filho estava comigo nesse dia, que acordou mais cedo do que eu, que me foi acordar na sua perplexidade pelo terror, siderado à frente da televisão. Pequeno ainda, ele não sabia bem se aquilo era uma cena real, ou se era o Rambo a desoras, e eu, crescido mas ainda pouco afeito ao terror que via, também fiquei uns minutos mal acordado a tentar perceber se aquilo era notícia ou uma reprise actualizada de Orson Welles. Era verdade, rapaz, e, aí, percebi que estavamos em guerra e que tu conseguiste ganhá-la.

Não sei se algum dia iremos encontrar-nos. Espero que não. Mas eu sei que tu andas por aí. Talvez eu te veja por aí e não saiba quem és. Mas tu conheces-me. E conheces muitos outros. Para ti, somos todos iguais, inimigos na igualdade, inimigos apenas porque não te percebemos, nem louvamos a tua vocação de mártir, nem partilhamos contigo as mesmas crenças, nem queremos que tu as estabeleças entre nós. Crês num Deus? Eu também. E muitos outros também. Eu não tenho a pretensão de que o meu Deus seja melhor do que o teu. Mas concede-me o direito de não ser obrigado, à lei da bomba, a ter de aceitar que o teu Deus é melhor do que o meu. Fiquemos assim: tu ficas com o teu Deus. Eu fico com o meu. Eu respeito o teu. Tu respeitas o meu. E deixemos as bombas fora disto, porque eu não acredito que o teu Deus ou o meu gostem de bombas.

Olha, rapaz. Eu juro que nunca assinei um qualquer documento a protestar contra as atrocidades que vocês, em nome do vosso Deus, praticam contra as mulheres muçulmanas, contra os pequenos ladrões muçulmanos, contra os direitos básicos do teu povo. Sou contra, claro, mas acho que não devo meter-me nas vossas crenças. Quem costuma assinar essas coisas, é a esquerda, a mesma esquerda que é tão tolerante com aquilo que tu fazes em nome de um Deus em que ela acredita ainda menos do que eu. E posso até garantir-te que, se um dia, por um qualquer motivo, tivesse de ir viver para o teu país ou para um qualquer outro do género, eu seria um seguidor das regras que, não sendo minhas, teria de aceitar como minhas. Posso dizer-te mais: eu não vivo satisfeito com este caminho de "infiéis", onde tantas vezes me sinto pouco à vontade. Não gosto deste mundo de famílias desfeitas, de crianças largadas ao mundo, de leviandades sem nome, deste mundo corrupto que não sei onde nos leva. Mas é o meu mundo. E é um mundo onde tu podes viver, se quiseres, se te adaptares, se aceitares as regras. Não tens é o direito de querer mudá-lo, contra a vontade dos que cá estão. Ou melhor: até podes ajudar a mudá-lo, desde que não seja à força das bombas e desde que não seja para regressar ao tempo da barbárie.

Por tua causa, rapaz, por causa das bombas que alegremente trazes coladas ao corpo, prontas para rebentarem a qualquer momento no teu desejo de martírio e de agradares ao teu Deus que provavelmente chora com o que fazes, a minha vida já não é o que era. Tu fazes-me medo a toda a hora, sobretudo quando estou num sítio onde há muitas pessoas. Por tua causa, evito andar de avião. Por tua causa, tenho pesadelos por causa dos meus filhos, e dos meus pais, e dos meus amigos, e dos que não conheço mas que não têm culpa de nada. Por tudo isto, rapaz, é que eu acho que já ganhaste a guerra. Só não sei é como tudo isto vai acabar.

(olha, se isto te faz contente, a casa onde vivo foi comprada a um iraniano que gostava de mármores e em quem confiei)

6 comentários:

pateias disse...

Não se deve dar o "flanco", mesmo reconhecendo o medo.
Afinal, é o que os sujeitos desejam!
Dignamente, sem bombas, enfrentemo-los...

Joao Ribeiro disse...

ola pai,acabei de criar 1 blog...peço-te por favor para adicionares o meu link se faz favor:http://juventudena-net.blogspot.com/abraço

o sibilo da serpente disse...

Estou petrificado, João! Acordo fora de horas, venho aqui, e vejo-te com um blog! E pedes-me para adicionar o teu link? Mas isso eu não sei, puto. Terei de perguntar a alguém como se faz. Mas estou contente. Contente por ti e por mim. Mas, espera: isto que agora fazes não pode ser um acto que acontece hoje e amanhã não existe. É preciso persistir. Ter paciência até que as coisas corram bem, que haja visitas e comentários para que sintas que vale a pena.
Um beijo e um abraço tremendo, do pai.

***
Obrigado senhor antónio, asna e pateias. Sobre pateias: não vale a pena não dar o flanco. Quem me conhece, sabe que sou um homem de coragem. As minhas guerras estão aí para o desmonstrar. Eu só tenho medo daquilo que não consigo perceber, que não faz parte do ritual das guerras. Ah. E temho medo dos que ficam silenciosos...

M.C.R. disse...

1. sobre Ribeiro (mais um?...!!!): filho de peixe sabe nadar.
Parabens ao pai e ao filho.
2. sobre o texto. além de o ter lido com atenção, e concordando genericamente (como não podia deixar de ser...) acho que vou inspirar-me nele para também dizer de minha justiça e, sobretudo, dar mais uma bordoada nesse perverso, estúpido e imbecil multiculturalismo que endoidece o ocidente cheio de sentimentos de culpa. Obigado confrade e amigo Carteiro por me dar essa futura boleia.
E outra vez: sacaninha de filho, hem?

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Já deixei um abraço ao Ribeiro júnior no seu blog. Aqui fica um abraço para o pai babado.

Judite disse...

O João já tem um blogue? Eu estou velha... Que grande passo, miúdo: vou já lá ler tudo. Fico feliz por ti e pelo pai babado, também...
Beijos aos dois