10 setembro 2006

Diário Político 26

Um verão violento?


Eu sei que este título evoca um belíssimo filme de Zurlini, um desses filmes que marca um espectador jovem, era o meu caso, e muitos outros, basta recordar as criticas, os prémios, o êxito da banda sonora, mas a verdade é que por mais que tente não descortino o dvd que logicamente deveria já ter aparecido. Todavia, não é a isso que venho, mas apenas aproveito a boleia, o Zurlini que me desculpe, lá onde já está não deve ficar chateado por eu o chamar à colação neste Verão em que ele faria oitenta anos.
E comece-se pelo óbvio: antes de partir para férias terei falado nessa estúpida guerra que o rapto de dois soldados desencadeou. Israel voltou a mostrar a sua força mas desta vez apesar da destruição causada no Líbano, do desastre ecológico provocado pela maré negra no Mediterrâneo oriental, e da prova da evidente superioridade militar exibida, a verdade é que os cidadãos israelitas acham que o passeio das suas tropas foi um erro, uma derrota e com um custo muito superior a quaisquer hipotéticos benefícios de que aliás só se descortina o de treino militar e mesmo assim....
Os raptados não foram libertados, as baixas israelitas foram importantes, a resistência do Hezbollah surpreendeu toda a gente, as estruturas deste estão intactas enquanto o seu prestígio poderá ter subido um par de pontos. E subirá ainda mais se conseguir, como prometeu e se vê nos noticiários das televisões sérias (eu disse sérias o que exclui várias, senão todas as portuguesas) reconstruir as zonas devastadas.
Mas deixemos de lado esse triste episódio, que nos deveria fazer reflectir. A quem interessar, hoje, o El País, traz um artigo de opinião de John Le Carré (esses mesmo!) sobre a tolice supina que consiste em pensar que é às cegas e à bruta que se luta contra o fanatismo.
Passemos a outra tristeza estival: um cavalheiro chamado José Lopez Obrador ia ganhando as eleições mexicanas. Ia, mas não ganhou. Por uma unha negra, é verdade. Mas em democracia a unha negra vale. Tem de valer! Vai daí, numa patética e delirante fuga à realidade, ocupou as ruas da capital, increpou as instituições caducas (a cuja presidência se tinha candidatado!...) e ameaçou mergulhar o país de Zapata e Villa, num pandemónio. Mau, Maria! vários dos seus aliados já o abandonaram, a inteligentsia está contra (veja-se por todos Jorge Volpi, novamente no El Pais de novo) e a direita ganha argumentos contra estes desvios golpistas e esquerdistóides.
Em Portugal, no caso Mateus (onde pelos vistos a Justiça regular e as suas instituições estão proibidas de meter o nariz, porventura para não caírem definitivamente mortas pela fetidez absoluta que reina no futebol nacional...) há um pequeno clube ou dois (Leixões) que paga um pato (sem laranja) que arranja os interesses de alguns grandes clubes. E uma instituição igualmente extraordinária ( a FIFA) ameaça os clubes de muitas e graves penas se outro clube não se sujeitar à lei do silêncio. Em locais igualmente extraordinários, onde pontificam empresas igualmente lucrativas (refiro-me à Sicília e à honorata societá) também essa lei é cumprida à ponta de lupara (que é uma espingardinha de canos serrados). Nada identifica estas instituições umas com as outras, claro, mas que há processos á primeira vista semelhantes, ai há, há...
Entretanto, enquanto o Verão esmorece e na messe que enlouresse estremece a quermesse (Eugenio de Castro: Oaristos) sai à duvidosa luz do dia um “pacto de regime” sobre a Justiça é anunciado. Confesso que a minha opinião (no caso perfeitamente inócua) se formará apenas e só quando vir, preto no branco, os textos completos, ou até quando vir como é que na prática as coisas vão funcionar. Não julgo essencial que a opinião pública a tenha de discutir (o mesmo todavia não se aplica ao Parlamento, que está aí mesmo para esse efeito e a quem o povo, nós, delegou essa função por quatro anos) ou que devam ser consultados os “operadores judiciários”. A democracia directa não faz parte do nosso ordenamento jurídico. Por outro lado tenho visto soçobrar muitas tentativas de legislar justamente porque se perdem nas malhas de uma opinião pública (não demasiadamente pública, as mais das vezes) e no embate com poderosos interesses corporativos que têm conseguido travar reforma pós reforma matando-as no ovo. Nos países democráticos a regra é essa, os acordos parlamentares têm existência e não são proscritos pela lei, pela doutrina ou pelos costumes. E não devemos agitar sempre o fantasma do autoritarismo de Cavaco ou Sócrates, criaturas eminentemente antipáticas é certo, mas que no caso vertente não me parece que tenham ultrapassado quaisquer limites. E no caso do último, bom será estarmos alerta para ver como é que o homem se vai comportar dentro do seu partido. Há sempre uma eleição que espreita por perto e um voto contra pronto a meter na urna. Lamento, mas é assim que as coisas se fazem em países democráticos. E os desvios á democracia combatem-se democraticamente. Como os desvios à paz nacional e internacional se combatem tendo em linha de conta as regras difíceis e dolorosas que, ao fim de muito sangue fomos, nós ocidentais, adquirindo e interiorizando (e com isto voltamos por um escasso segundo ao tema de abertura).
Prosseguindo neste saldo estival de diário político, aí temos que o senhor Bush vem dizer o que antes mil vezes desdissera: que há prisões secretas; que há prisioneiros sem nome: que a esses prisioneiros poderá ter sido aplicado um regime indefinido e fora de qualquer controle, etc., etc... E as suas mais especializadas agencias vem dizer o que todos sabíamos: que Saddam não podia com o fanatismo da Al Qaeda & similares, que se lhes tivesse posto a (pesada) mão em cima os teria tratado pior que Mafoma ao presunto; que no Iraque não havia raspas de armas de destruição maciça e que portanto os senhores Aznar, Blair e Barroso mentiram às respectivas populações ao dizer terem visto provas concretas das mesmas armas. E que o já citado senhor Bush mentiu ao dizer aos seus aliados que havia as famigeradas armas. E que portanto, tendo sido esse o argumento para a 2ª guerra do Iraque, esta tornou-se uma guerra injusta e fora da lei (???) internacional. E que, por consequência, haveria que pedir responsabilidades, condenar actuações e tentar voltar à linha de partida: Ai o mundo é mesmo divertido!...
Finalize-se com a grata notícia (espera-se que seja uma grata notícia...) da saída de um livrinho sobre a crise de 1969 em Coimbra. Pela parte que me toca, diverti-me como um cabinda, senti-me livre como nunca antes me sentira, comovi-me e comovo-me ainda hoje, fiz amigos para a vida inteira e, se os leitores me aturarem um destes dias contarei a louca aventura da fuga clandestina e estival deste vosso criado, do encontro com outros fugitivos igualmente divertidos e de nome Orlando Leonardo e João Bilhau numa noite lisboeta de copos e Vává, de um grupo de meninos que num reboliço inimaginável viveram uma aventura (dos seis, que tantos eram eles) de proteger um fugitivo escondido no chão de um carro imenso, graças ao facto dessas seis guinchantes e entusiasmadas criaturas irem num confuso monte em cima dele!!!) Abençoados sejam! Em 1969 éramos assim e nem a cadeia posterior ou o tempo retiram um milímetro que seja de alegria e de fraternidade a essa época ou à recordação dela.

1 comentário:

o sibilo da serpente disse...

Na parte que toca à questão nacional, completamente de acordo. No resto, vou pensar...