A liberdade passou por aqui...e deixou rasto.
Este diário político, descosido, como já uma vez aqui se escreveu, não se alimenta só de textos mais antigos que os afonsinos, que aliás só se trazem á superfície se, e quando, entre a reflexão de há quinze, vinte ou mais anos e a actua realidade há pontos de semelhança. Por isso hoje, venho falar de um aniversário, melhor, de um cinquentenário que dirá qualquer coisa à tribo dos amantes do teatro. E dos que penaram na “Coimbra de lavados ares”, os anos entediantes da universidade do Estado Novo. Portanto isto dirige-se, prima facie, á comunidade coimbrã dos anos 1956 a 2006, ás sucessivas fornadas de jovens que graças ao CITAC que é dele que se fala, viram teatro, fizeram teatro, discutiram teatro. E como a juventude é, além de impecuniosa, anárquica, pode dizer-se que ao ver, fazer ou discutir teatro eles viram, fizeram e discutiram a sua entrada na sociedade adulta, a sua ritual passagem de classe de idade, e mesmo sem o saber, querer ou imaginar são muito o fruto desses anos de vinho e rosas, de desconcerto e angústia, de alegrias súbitas e amarguras várias.
Ao falar deste cinquentenário de um grupo estudantil sediado na “academia coimbrã” é mister falar dos motivos do seu aparecimento num pais soturno, numa cidade vigiada mais pelos costumes, do que pela polícia, mais pela tradição do que pela censura oficial. E este é o primeiro milagre: naquilo, naquele tanque de águas mais paradas que as dos lagos do Jardim da Sereia, subitamente, sem avisar, num pinote ignorado por Darwin e por todos os seus selectos discípulos, um amável peixinho vermelho surdiu das águas, cheirou o ar quente e decidiu-se a sair dali, transformado em pássaro multicor não se sabe se arara, papagaio ou beija-flor, o que de resto é irrelevante, porquanto os peixes mesmo vermelhos não se põem a surdir da água limosa e parada e muito menos levantam voo. A menos que..., a menos que isso se passe numa sala escura e conspirativa, sob a luz de um spot, por cima das tábuas de um palco.
E este é o segundo milagre: as vozes e as máscaras nesse palco tiveram eco, ecos, ressonâncias nessa gruta escura que é a plateia. E o que parecia uma aventura sem futuro dura há cinquenta anos. Cinquenta anos. Cinquenta anos em que este pequeno grupo soube dar-se ao público e ao mesmo tempo trazer a Coimbra o melhor teatro que se fazia no país em ciclos anuais em que se via o impossível, o inacreditável, para quem ainda ousa passar a porta dum teatro: salas cheias esgotadas de gente entusiasta. E nesse teatro que vinha a Coimbra também nunca faltou a hipótese dada a pequenos desconhecidos grupos que aqui ganharam as suas esporas, sentiram os primeiros aplausos e confusamente perceberam que do lado de lá havia um público comovido, grato e pronto a voltar.
Esta aventura, se aventura foi deve-se também e muito a um inquebrantável apoio da fundação Gulbenkian. E não deixa de ser um sinal de alegria ver hoje na presidência dessa instituição, um ex presidente do CITAC que bem poderá dizer que se algum organismo houve que soube fazer render o apoio económico que recebeu da Fundação foi este pequeno grupo teimosamente independente.
Durante este meio século que de aventuras idênticas não desapareceram. Teatros profissionais, Os Bonecreiros, o Teatro Estúdio de Lisboa, o Teatro Moderno de Lisboa e tantos outros, grupos profissionais, com sólida base que não resistiram à erosão do tempo, dos públicos sei lá a que mais coisas. E mesmo na Universidade portuguesa quantos organismos idênticos, resistem, se mantêm, com esta frescura, esta confiança esta esperança? Terceiro milagre pois, nesta via crucis por um momento gozoza, exaltante, surpreendente.
E foi vê-los os jovens da fornada de 2000, a traço grosso a terceira geração completa porquanto o pequeno grupo de fundadores do CITAC já tem ou poderá ter netos em boa idade de serem inoculados pelo bacilo feliz, fecundo, exaltante do mistério teatral. Desse “mistério” que vem do fundo dos tempos, dos anfiteatros gregos, dos mosteiros hindus, da rua chinesa, do Nô, do kabuki, dos griots da savana africana. Desse toque de fantasia e de máscara que é consubstancial, seja em que língua for, àquilo que chamamos civilização, àquilo que chamamos liberdade, poesia, vida.
Longa vida, pois, longa vida a esse infindável círculo que se chama CITAC, e nisto vai um voto para o círculo amplo das sucessivas gerações que o fizeram. E para o outro, maior ainda, dos espectadores. Porque sem eles não há teatro, não há a quente respiração da noite, não há réplica, não há dialogo. E o teatro é uma longa, longa conversa. Como esta aqui, deste que se expõe, saúda e espera poder continuar vir a este palco virtual para dizer outra vez que a liberdade está a passar por aqui. E daqui para aí ...
Ao falar deste cinquentenário de um grupo estudantil sediado na “academia coimbrã” é mister falar dos motivos do seu aparecimento num pais soturno, numa cidade vigiada mais pelos costumes, do que pela polícia, mais pela tradição do que pela censura oficial. E este é o primeiro milagre: naquilo, naquele tanque de águas mais paradas que as dos lagos do Jardim da Sereia, subitamente, sem avisar, num pinote ignorado por Darwin e por todos os seus selectos discípulos, um amável peixinho vermelho surdiu das águas, cheirou o ar quente e decidiu-se a sair dali, transformado em pássaro multicor não se sabe se arara, papagaio ou beija-flor, o que de resto é irrelevante, porquanto os peixes mesmo vermelhos não se põem a surdir da água limosa e parada e muito menos levantam voo. A menos que..., a menos que isso se passe numa sala escura e conspirativa, sob a luz de um spot, por cima das tábuas de um palco.
E este é o segundo milagre: as vozes e as máscaras nesse palco tiveram eco, ecos, ressonâncias nessa gruta escura que é a plateia. E o que parecia uma aventura sem futuro dura há cinquenta anos. Cinquenta anos. Cinquenta anos em que este pequeno grupo soube dar-se ao público e ao mesmo tempo trazer a Coimbra o melhor teatro que se fazia no país em ciclos anuais em que se via o impossível, o inacreditável, para quem ainda ousa passar a porta dum teatro: salas cheias esgotadas de gente entusiasta. E nesse teatro que vinha a Coimbra também nunca faltou a hipótese dada a pequenos desconhecidos grupos que aqui ganharam as suas esporas, sentiram os primeiros aplausos e confusamente perceberam que do lado de lá havia um público comovido, grato e pronto a voltar.
Esta aventura, se aventura foi deve-se também e muito a um inquebrantável apoio da fundação Gulbenkian. E não deixa de ser um sinal de alegria ver hoje na presidência dessa instituição, um ex presidente do CITAC que bem poderá dizer que se algum organismo houve que soube fazer render o apoio económico que recebeu da Fundação foi este pequeno grupo teimosamente independente.
Durante este meio século que de aventuras idênticas não desapareceram. Teatros profissionais, Os Bonecreiros, o Teatro Estúdio de Lisboa, o Teatro Moderno de Lisboa e tantos outros, grupos profissionais, com sólida base que não resistiram à erosão do tempo, dos públicos sei lá a que mais coisas. E mesmo na Universidade portuguesa quantos organismos idênticos, resistem, se mantêm, com esta frescura, esta confiança esta esperança? Terceiro milagre pois, nesta via crucis por um momento gozoza, exaltante, surpreendente.
E foi vê-los os jovens da fornada de 2000, a traço grosso a terceira geração completa porquanto o pequeno grupo de fundadores do CITAC já tem ou poderá ter netos em boa idade de serem inoculados pelo bacilo feliz, fecundo, exaltante do mistério teatral. Desse “mistério” que vem do fundo dos tempos, dos anfiteatros gregos, dos mosteiros hindus, da rua chinesa, do Nô, do kabuki, dos griots da savana africana. Desse toque de fantasia e de máscara que é consubstancial, seja em que língua for, àquilo que chamamos civilização, àquilo que chamamos liberdade, poesia, vida.
Longa vida, pois, longa vida a esse infindável círculo que se chama CITAC, e nisto vai um voto para o círculo amplo das sucessivas gerações que o fizeram. E para o outro, maior ainda, dos espectadores. Porque sem eles não há teatro, não há a quente respiração da noite, não há réplica, não há dialogo. E o teatro é uma longa, longa conversa. Como esta aqui, deste que se expõe, saúda e espera poder continuar vir a este palco virtual para dizer outra vez que a liberdade está a passar por aqui. E daqui para aí ...
Saúde-se nesta evocação, homenagem, carta perdida, em primeiro lugar o Professor Doutor António Arruda Ferrer Correia, Professor, Magnífico Reitor e Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian e Amigo do CITAC . E depois na des(ordem) que quiserem Luis de Lima, António Pedro e Jacinto Ramos (encenadores), Francisco Relógio e Andre Acquart (cenógrafos)
Sem comentários:
Enviar um comentário