12 setembro 2006

expediente 1

Sobre um certo MSP, professor duma cana!


De vez em quando recebo e-mails de leitores deste blogue. Outras vezes é um amigo que me fala do que escrevi, ou amigos que me trazem notícias gratas de leitores que não conheço mas a quem estou desde já muito penhorado. Uma que outra vez a prima Maria Manuel dá um arzinho da sua graça e manda um comentário sempre encimado por “primíssimo” (aqui para nós ela anda entusiasmada com um tema argentino para o próximo romance e deve ter ouvido falar de um facínora local a quem chamavam o “cunhadíssimo” por ser cunhado do Menem..., portanto este primíssimo pode ter alguma conotação menos carinhosa).
Já me estava a perder. O facto é que esses leitores gentilíssimos afagam-me o ego mais do que deviam e eu mereço. Todavia podem continuar! Que eu faço daqui a parte do modesto.
Ora ocorre que, entre ontem e hoje, a querida Isabel Pinto e o não menos querido Manuel Sousa Pereira, deram um ar de sua graça e generosidade para com o escriba que estas vai dificultosamente escrevendo. À Isabel já respondi de viva voz, como soe fazer-se a uma cidadã nada e criada na Nazaré, capaz de distribuir bofetão à sua volta como quem dança o vira. Dela já aqui falamos eu e o d’Oliveira pelo que não vale a pena dizer mais nada. Do segundo preopinante, Manuel Sousa Pereira de seu nome é que é a primeira vez. E é curioso vir ele agora à baila, porquanto quando escrevi o texto “estes dias... 26” era nele que pensava. Nele e no Dr. Ilídio Sardoeira, nos professores doutores Mota Pinto, Orlando de Carvalho, Teixeira Ribeiro e Férrer Correia e no meu tio Marcos Viana. Tudo gente devotada ao ensino, cidadãos de primeira água, gente que deixou um rasto luminoso em milhares de alunos e amigos (ou amigos e alunos porque depois da primeira aula estas categorias confundiam-se). Deixemos para outra núpcias os demais e vamos ao escultor Manuel Sousa Pereira, bailarino emérito, amador do belo sexo mais do que permite a moral vigente, cinéfilo fanático, animador cultural e professor com letra grande, tudo maiúsculas e a néon, estilo Broadway. Ano pós ano, eu e os restantes amigos duma comandita chefiada pelo tão egrégio como volumoso Manuel Simas Santos, víamos, por altura dos exames do secundário, aparecer o MSP com um ar radioso e uma lista na mão. Eram os seus pupilos de Geometria Descritiva que, monótona e alegremente, tinham uma vez mais obtido altíssimas notas. O Manel não se vinha gabar, antes pelo contrario. Chegava ao pé de nós enternecido porque os seus rapazes e raparigas o tinham brindado com notas de fazer inveja a um batalhão de ministros ou ministras da nossa desesperante Deseducação Nacional. A coisa chegou mesmo a pontos de sermos nós a chateá-lo pela época dos exames: e as notas da tua miudagem? E ele: calma que os exames ainda não começaram, E roía mais duas unhas. É claro que o MSP já está reformado. E por sinal que foi bem bonita a sua reforma. Homenagens por todo o lado, os alunos a oferecerem-lhe uma camisola futebolística com o numero do Figo e o nome MSP e, sobretudo uma carta colectiva de fazer chorar as pedrinhas da calçada (e por sinal muito bem escrita) onde a miudagem lhe dizia o que os anjos não dizem ao menino Jesus.
Não vou agora referir os métodos heterodoxos que MSP usava para meter naquelas cabeças adolescentes o raio da Descritiva. Sei que não se ensaiava nada em abanar a orelha a algum rapazola que se armasse em carapau de corrida. Também sei, que aluno dele que tivesse problemas mais depressa ia falar com ele do que um familiar. Sabemos que ele era exigente nas aulas e camarada fora delas. E respeitado! E querido!
Criatura discente que não se comportasse como decente, ia para a rua mais depressa do que o comboio foguete. A bem ou a mal. Aliás, a bem e envergonhada. Perante o espanto indignado de colegas que, uma vez sem exemplo, estavam do lado do professor. Sempre!... Depois, lá vinha, humilde, pedir desculpas ao MSP que, mais comovido do que um peru bêbado em vésperas (fatais) de Natal, lhe perdoava, abraçava e pagava uma bica. E vê lá se cresces ó marmelo atoleimado.
Ora nesta entrada de aulas que se anuncia carregada, este exemplo de um professor que o sabia ser, de um amigo dos alunos e por isso exigente, de um animador cultural na escola, capaz de perder um dia livre para explicar à malta o que era o impressionismo, o teatro de Gil Vicente, ou um velho e bom western, capaz de orientar, de se impor sem levantar a voz, de ser respeitado sem lamber as botas ao ministro, ao Secretario de Estado ou ao Directo Geral, faz falta, muita falta. Para animar a malta se é que percebem o que estou para aqui a dizer.
Este texto está mais descosido do que uma múmia roubada pelos gatunos de túmulos. Mas fica assim mesmo: porque o quero com o cheiro do pão fresco, ou, como é o caso do Manel, do café acabado de moer. Salta uma bica!

Finalmente aqui se inaugura mais uma série a que pus o nome de “Expediente”. É que recordo com ternura, os velhos comícios da oposicrática em que um cavalheiro do tempo dos afonsinos começava a assembleia com a leitura do expediente: cartas, mensagens e telegramas de outros velhos combatentes da democracia que a idade, a gota, a vida, o coração fraquíssimo já não deixavam estar presentes. O expediente lia-se, dava-se o primeiro viva à república e à liberdade e a sessão começava em festa. À saída, se Deus queria (e queria quase sempre) a polícia de chanfalho em riste arreava forte e feio.

3 comentários:

M.C.R. disse...

Cai-me o pingo, a baba, o ranho e não escondo a lágrima furtiva ao canto do olho ... com Amigos destes NINGUEM MORRE na cadeia ...

Já todos sabemos que o Marcelo, “o TIO” para os íntimos, é excessivo em tudo. Na Amizade, então, nem é bom falar, como aliás se nota pelo texto que “botou” hoje no Incursões de que sou leitor certo e diário.
À conta do Tio tenho até uma resma de papel impresso com todos os seus textos; um dia se verá o que fazer com todo esse manancial ...

Quanto ao texto de hoje, gostaria apenas de dizer que foi tudo muito fácil, já que me bastou gostar “desalmadamente” da profissão. Cheguei ao fim de 26 anos de Ensino com a sensação de não ter ficado a dever nada, nem ao Estado, nem à Comunidade. Deixei para trás, isso sim, uma enorme dívida para com “os meus miúdos”, que me emprestaram generosamente a alegria do seu convívio e da sua juventude. Essa dívida, vou procurando honrá-la sempre que fazem o favor de me aparecer à procura de um livro, de um conselho ou de um mimo ... é por isso que muito me desgosta ver, hoje, a forma como estão sendo tratados os Professores e o estado em que está a Educação.

Como continuo a não saber como se entra no blogue, aqui te mando por mail o que lá teria gostado de dizer em jeito de comentário ao teu texto de hoje.

Um ABRAÇÃO DOS ANTIGOS

Manel

M.C.R. disse...

O comentário acima é como facilmente se v~e um texto do "ignorante" Manuel sousa Pereira que não só não sabe entrar nos comentários como ainda por cima me pede para eu o enfiar aqui.
com tipos destes o melhor é satisfazer-lhes as manias e deixar aos leitores o desconto necessário a fazer aos elogios dele.
E vê se aprendes a comentar pá. até eu sei...

Silvia Chueire disse...

Bela homenagem, MCR. :)