04 setembro 2006

PORTUGAL PARALELO

A notícia, amplamente divulgada, da enorme percentagem de desempregados inscritos no IEFP que este ano recusou empregos, não foi surpresa para mim. Apenas mais uma confirmação. Há já alguns anos, pretendendo fazer um recrutamento para uma função mais ou menos indiferenciada, recorri aquele Instituto. A lista de contactos era grande. Poucos foram os que apareceram e menos os que permaneceram no processo de selecção, apesar de a empresa empregadora ser boa, assim como as condições oferecidas. As pessoas, de uma maneira geral, estavam mais preocupadas em explicar porque é que o lugar não lhes interessava, do que em fazer valer as suas competências para conseguir o emprego. Um desatino. Uma perda de tempo (e de paciência).

Explicações para facto tão “estranho”? Há certamente muitas. A que eu encontro como mais evidente é este Portugal Paralelo em que vivemos.

Nunca sentiram, quando se impacientam na espera por mesa num restaurante, quando se sentem abafados pelo magote de gente em Centros Comerciais e Hipermercados, quando aguardam que a fila interminável do cinema se apresse, que este País não está em crise?

Qual é a crise que germina a duplicação da venda de carros de alta gama no primeiro semestre de 2006 relativamente a igual período de 2005?

Que crise é esta que vende os duplex e moradias de luxo e deixa anúncios intermináveis de T2 de baixa gama persistirem na sua luta pela mudança de proprietário?

Não, definitivamente não existe uma verdadeira crise económica em Portugal. O que existe é uma crise de valores, de responsabilização cívica e de estatísticas.

A questão que muitos dos desempregados inscritos se coloca é : “ Porque raio vou aceitar um emprego, perder outro e pagar impostos, se posso ter um subsídio, um emprego e não pagar impostos?

A questão que o comum dos portugueses se coloca é: “ Porque raio havemos de pagar impostos, se…
Se é para alimentar políticos incompetentes e corruptos?
Se “eles” são os que mais fogem aos impostos?
Se não temos saúde e educação de jeito, nem justiça atempada?
Se …?

Portanto a regra é: o subsídio de desemprego é mais uma ajuda remuneratória a juntar ao que se consegue com os biscates, com o trabalho, parcial ou por inteiro, que se obtém no mercado paralelo.

Alguém critica verdadeiramente? Não, enquanto não existir uma cultura de responsabilização de utilização dos dinheiros públicos.

Não, enquanto existir um sistema de justiça fiscal que permite a fuga de altos rendimentos e concede grandes benefícios fiscais a entidades e actividades fortemente lucrativas.

Não, enquanto não existir uma cultura neste País de responsabilização que venha de cima, exija em baixo, e que se faça cumprir a todos os níveis.

Não, enquanto este Portugal Paralelo se sobrepuser a tudo.

5 comentários:

Silvia Chueire disse...

Este Portugal assemelha-se a certo Brasil...

M.C.R. disse...

Partilhando as suas preocupações bem expressas neste texto a todos os títulos excelente, gostaria de deitar o meu grãozinho de sal:
! A crise existe ... para os pobres, para a imensa maioria que anda por aí a tentar ganhar a vida honestamente.

2 O fosso entre ricos e pobres alargou significativamente p que motiva os carros de luxo e as casas de grande standing.
3quem compra casa hipotecando-se, perde-a com alguma facilidade e daí haver tanto T2 à espera de comprador. Basta ler as notícias dos leilões de casas promovidos pelos bancos.
4 o subsídio de desemprego tem limites temporais claros. Não é panaceia para muitos (a maioria dos desempregados. Portugal é um país de fraca mobilidade o que significa que o emprego X na cidade Y fica vago se nessa cidade não houver quem o queira. Quem vive longe não tem hipotese: casas caras e más, transportes deficientes e tudo o resto. Não é facil a vida do desempregado na grande cidade ou na província.
Posto isto, tenho de reconhecer que estas explicações apenas levantam a hipoteca de 10, 20 ou 30% dos casos, claro. O resto é efectivamente irresponsabilização de todos e principalmente de um establishment que perdeu o pudor há muito. E de uma classe dirigente que não sabe adequar meios e políticas. E todos quantos aceitam diariamente calar-se por comodismo, por medo, por interesse.

o sibilo da serpente disse...

A crise existe para todos, MCR, mas certamente menos para todos esses que estão no fundo de desemprego e que podem trabalhar e recusam empregos e ainda riem de quem lhos oferece. Porque se esses se sentissem em crise, não ficariam assim. Poderá dizer-se: para quê trabalhar se pouco mais ganho do que com o subsídio? Pergunta letítima, certamente. Mas não terão um pingo de vergonha? Não vêem que dessa forma delapidam o país em vez de o ajudar a crescer?
Poderão dizer: não me sujeito a um trabalho destes, porque tenho habilitações para mais. Por isso, opto pelo subsídio. Pois bem. Também é legítimo pensar assim. Mas por que não pensar que seria bem mais sério trabalhar, mostrar valor, enquanto não chega o tal trabalho compatível.
O olhar para o lado não justifica nada. Tias comportamento não são justificáveis com os argumento que a "meu olhar" aponta como eventualmente justiticativos. Porque se o fossem, nesse caso todos nós agiríamos assim. E ninguém mexia uma palha.

Kamikaze (L.P.) disse...

Para alem dos biscates que dao dinheiro que nem paga impostos, ha mais: ha os que recebem o subs. de desemprego e, quando pelos "biscates" lhes pedem factura, pedem a amigos que as emitam e passem os recibos verdes relativos aos trabalhos que efectuam...
Estes sao os espertos, mas tambem ha os parolos que ainda se deixam apanhar nas malhas de um sistema de atribuiçao de subsidio de desemprego que, conjugadas com a ineficacia total do sistema de fiscalizaçao do IDICT (ou sera IGT?)potenciam a fraude...
Veja-se este exemplo(veridico): A fica desempregada e a receber subsidio de desemprego; durante esse periodo arranja trabalho subordinado, mas na condiçao de nao haver contrato de trabalho e de a remuneraçao ser paga a recibo verde; A aceita e comunica ao Fundo de Desemprego que ja arranjou trabalho; tempos depois (no periodo em que ainda teria direito ao subsidio se nao tivesse comunicado que arranjara trabalho) A perde de novo o "emprego" e solicita ao Fundo a sua inscriçao; e-lhe negada, por nao poder apresentar um contrato de trabalho relativo a este ultimo emprego...
Conclusao tirada por A: mais valia nao ter aceite o 2º emprego (mal pago)e ter ficado a viver do subsidio!

O meu olhar disse...

Caro MCR, a questão que levantou é um dos sintomas mais gritantes do que se está a passar neste país a nível da distribuição de rendimentos: o fosso entre os mais ricos e os mais pobres. Esta tendência em Portugal tem crescido fortemente sendo um dos países europeus inde essa diferenciação é maior.

Caro Carteiro, não me expliquei bem. Eu não defendo de forma alguma o comportamento de quem se furta a aceitar trabalho e vive de artimanhas para segurar pontas incompatíveis: emprego e subsídio de desemprego. A questão que eu levanto é que não os podemos condenar verdadeiramente se repararmos no todo que os envolve e que explica que esta situação seja possível. Não tenho dúvidas que esta situação só existe porque serve a muita gente. A falta de rigor na fiscalização ao cumprimento destas e doutras situações potencia o panorama nacional de, por exemplo, a fuga alargada aos impostos de um batalhão de profissionais. É só ver os números e perguntar: como é possível?