Noticias da frente de batalha: r.a.s.*
Quando o azar nos bate à porta, não há nada a fazer. Estava este texto (aliás outro com o mesmo nome) quase pronto e eis que o Pacheco Pereira se atravessa á frente e ganha por um largo passo. E ainda por cima tem um título excelente, qualquer coisa a falar de “rivolição”. E o caso não era para menos. A criatura que manda no Porto, não gosta de cultura. A cultura que se faz no Porto gosta pouco da rapaziada e menos do cavalheiro que tem a chave do cofre municipal. Vai daí resolveu dar a triste, pobre, quase desnecessária, machadada no Rivoli. Note-se que isto era como a fama do brandy Constantino: vinha de longe. Via-se a olho nu que o Rivoli estava por pouco, por um fio, sem dinheiro, sem público, sem horizonte visível. São muitas as razões, poucas as explicações, mas que havia deserção de público, dificuldades em criar um cartaz de espectáculos atraente, disso não há dúvidas.
Pacheco entende que a cultura deve ser paga pelos seus usuários, sobretudo se disser respeito a teatro, música e cinema, ou seja ás disciplinas que são mais caras, que exigem investimentos mais volumosos. E não deixa de ter alguma razão sobretudo quando refere os anos anteriores a Abril 74. De facto havia teatro comercial, desconhecia-se aliás o princípio da subvenção pública, excepção feita ao D Maria, a S. Carlos e às orquestras dependentes da Emissora Nacional e a um patusco grupo de bailado folclórico nacional chamado se a memória não me falha, “Verde Gaio”. Também é verdade que havia cineclubes que conseguiam viver das quotizações, revistas culturais que viviam das assinaturas, apesar das dificuldades impostas pela censura, e as sociedades de concertos não deixavam de ter uma impressionante actividade. Tudo isso ruiu fragorosamente, depois de 74. Os grupos de teatro começaram a ser subsidiados, as orquestras são integralmente pagas pelos dinheiros públicos, os cineclubes quase desapareceram, as sociedades de concertos estão numa situação agónica. Contra isso já aqui se escreveu (diário político 17).
Com isto começou a infantilização do público que se habituou a pagar uma soma simbólica pelos espectáculos e, mais grave, a infantilização dos agentes culturais que deixaram de considerar a vertente financeira da sua actividade. Pior mesmo: o maná distribuído com uma impressionante falta de critério aumentou a oferta “cultural” dando origem a dezenas, centenas de pequenos grupos, que funcionam em circuito fechado, mendigando pequenos apoios, montando pequenos espectáculos, criando públicos muito pequenos e voláteis, desprezando critérios de qualidade e finalmente desprezando o público pagante, culto ou não.
O discurso subjacente a isto, macaqueava o discurso de esquerda, o “direito à cultura”, à “liberdade criativa”, os “trabalhadores culturais” mas, de facto, pelo elitismo exacerbado (não estou a falar de qualidade, claro...) e pelo desprezo pela opinião pública recobria um claro discurso de direita, a aristocracia cultural como substituta da outra antiga e rançosa.
A ocupação do Teatro Rivoli decorre um pouco disto tudo e da ideia peregrina de que um problema de gestão das salas daquele complexo, se resolve pela voluntarismo de meia dúzia de criaturas que não conseguem perceber que ocupando o Teatro Rivoli, o que é sempre uma violência, uma ilegalidade, só dão armas ao senhor Rio, que se pode finalmente apresentar como vítima de um pequeno grupo de “okupas” sem apoio de massas, perante o desinteresse da cidade, dos seus habitantes, dos consumidores culturais.
Este pequeno rancho de “inocentes úteis” que não conseguem olhar mais longe do que o seu pequeno e feio umbigo, deu de mão beijada ao presidente da câmara, o teatro e a sua gestão, destruiu qualquer hipótese de protesto mais consistente e menos espectacular, eventualmente mais produtivo.
Este pequeno bando esqueceu-se das regras imortais e clássicas de toda a guerrilha: mover-se no seio das massas como o peixe na água. O mesmo é dizer que uma ocupação deste teor só se deve usar com um forte apoio exterior, com um claro discurso justificador, sem balivérnias como as que se leram nos jornais, com uma perfeita noção do “tempo”, enfim com inteligência.
E quando o dr. Francisco Assis, líder da oposição camarária, disse o óbvio, logo o dirigente bloquista Teixeira Lopes veio acusar o primeiro de institucionalista e de conservador. Tudo isto em simultâneo com apelos à população, aos intelectuais da cidade e ao público. Que ficaram em casa. E a história acaba desta maneira tristonha com meia dúzia de polícias a entrar no teatro e a prender os poucos ocupantes.
Convém dizer que, a meus olhos, a polícia até lhes fez um favor. Também é verdade que a polícia do Porto ou outra cidade não é obrigada a ser inteligente, se calhar até nem convém. Mais um dia e o movimento ocupante sem água nem luz morria. Por cansaço, pela indiferença generalizada e sobretudo porque os ocupantes não tinham uma ideia quer quando entraram na sala para a ocupar, quer quando resolveram continuar quer nos pobres manifestos que atiraram para a rua. Em suma fizeram o maior dos favores possíveis ao presidente da câmara e terão por isso escrito a página negra que faltava a este luto cultural que persiste em usar o pseudónimo de “cultura portuense”.
*r.a.s.: rien a signaler. título de um belo filme de Yves Boisset (1973) sobre a guerra da Argélia.
Pacheco entende que a cultura deve ser paga pelos seus usuários, sobretudo se disser respeito a teatro, música e cinema, ou seja ás disciplinas que são mais caras, que exigem investimentos mais volumosos. E não deixa de ter alguma razão sobretudo quando refere os anos anteriores a Abril 74. De facto havia teatro comercial, desconhecia-se aliás o princípio da subvenção pública, excepção feita ao D Maria, a S. Carlos e às orquestras dependentes da Emissora Nacional e a um patusco grupo de bailado folclórico nacional chamado se a memória não me falha, “Verde Gaio”. Também é verdade que havia cineclubes que conseguiam viver das quotizações, revistas culturais que viviam das assinaturas, apesar das dificuldades impostas pela censura, e as sociedades de concertos não deixavam de ter uma impressionante actividade. Tudo isso ruiu fragorosamente, depois de 74. Os grupos de teatro começaram a ser subsidiados, as orquestras são integralmente pagas pelos dinheiros públicos, os cineclubes quase desapareceram, as sociedades de concertos estão numa situação agónica. Contra isso já aqui se escreveu (diário político 17).
Com isto começou a infantilização do público que se habituou a pagar uma soma simbólica pelos espectáculos e, mais grave, a infantilização dos agentes culturais que deixaram de considerar a vertente financeira da sua actividade. Pior mesmo: o maná distribuído com uma impressionante falta de critério aumentou a oferta “cultural” dando origem a dezenas, centenas de pequenos grupos, que funcionam em circuito fechado, mendigando pequenos apoios, montando pequenos espectáculos, criando públicos muito pequenos e voláteis, desprezando critérios de qualidade e finalmente desprezando o público pagante, culto ou não.
O discurso subjacente a isto, macaqueava o discurso de esquerda, o “direito à cultura”, à “liberdade criativa”, os “trabalhadores culturais” mas, de facto, pelo elitismo exacerbado (não estou a falar de qualidade, claro...) e pelo desprezo pela opinião pública recobria um claro discurso de direita, a aristocracia cultural como substituta da outra antiga e rançosa.
A ocupação do Teatro Rivoli decorre um pouco disto tudo e da ideia peregrina de que um problema de gestão das salas daquele complexo, se resolve pela voluntarismo de meia dúzia de criaturas que não conseguem perceber que ocupando o Teatro Rivoli, o que é sempre uma violência, uma ilegalidade, só dão armas ao senhor Rio, que se pode finalmente apresentar como vítima de um pequeno grupo de “okupas” sem apoio de massas, perante o desinteresse da cidade, dos seus habitantes, dos consumidores culturais.
Este pequeno rancho de “inocentes úteis” que não conseguem olhar mais longe do que o seu pequeno e feio umbigo, deu de mão beijada ao presidente da câmara, o teatro e a sua gestão, destruiu qualquer hipótese de protesto mais consistente e menos espectacular, eventualmente mais produtivo.
Este pequeno bando esqueceu-se das regras imortais e clássicas de toda a guerrilha: mover-se no seio das massas como o peixe na água. O mesmo é dizer que uma ocupação deste teor só se deve usar com um forte apoio exterior, com um claro discurso justificador, sem balivérnias como as que se leram nos jornais, com uma perfeita noção do “tempo”, enfim com inteligência.
E quando o dr. Francisco Assis, líder da oposição camarária, disse o óbvio, logo o dirigente bloquista Teixeira Lopes veio acusar o primeiro de institucionalista e de conservador. Tudo isto em simultâneo com apelos à população, aos intelectuais da cidade e ao público. Que ficaram em casa. E a história acaba desta maneira tristonha com meia dúzia de polícias a entrar no teatro e a prender os poucos ocupantes.
Convém dizer que, a meus olhos, a polícia até lhes fez um favor. Também é verdade que a polícia do Porto ou outra cidade não é obrigada a ser inteligente, se calhar até nem convém. Mais um dia e o movimento ocupante sem água nem luz morria. Por cansaço, pela indiferença generalizada e sobretudo porque os ocupantes não tinham uma ideia quer quando entraram na sala para a ocupar, quer quando resolveram continuar quer nos pobres manifestos que atiraram para a rua. Em suma fizeram o maior dos favores possíveis ao presidente da câmara e terão por isso escrito a página negra que faltava a este luto cultural que persiste em usar o pseudónimo de “cultura portuense”.
*r.a.s.: rien a signaler. título de um belo filme de Yves Boisset (1973) sobre a guerra da Argélia.
7 comentários:
Muito bem visto, caro MCR.
Um texto serio, sobre um tema serio, sem prescindir do humor fino a que MCR ja nos habituou.
Caro d'Oliveira: pelos vistos já nos confundem as escritas. Não é grave porque ao fim e ao cabo isto tudo é só palavras atiradas para o éter. De todo o modo aqui lhe devolvo o texto, seu e só seu, E um abraço
Pois, que lapso! Renovo o meu comentario, mas agora com referencia a d'Oliveira. O seu a seu dono :)
Peço desulpa a dOliveira e a MCR pelo lapso. Fui induzido em erro por causa dos textos seguidos.
Concordo, caro dOliveira. E até junto o que escrevi em comentário no blog do anónimo Coutinho Ribeiro:
"Não simpatizo com o protesto, feito por intervenientes directos na produção teatral. De todo o modo, já alguém disse que o erro (mais um) de Rui Rio é achar que o problema do Rivoli é de natureza contabilística e não de política cultural.
O vereador da Cultura, que poderia ajudar Rui Rio, é um estimado professor de economia, ex-administrador bancário, ex-secretário de Estado da Segurança Social e ex-administrador do IPO (ufa!), mas, como se vê facilmente pelo curriculum, de cultura percebe népias(...)".
O comentário de "O hóspede" daria pano para mangas. Muitas mangas, mesmo. Ora vejamos: Neste exacto momento, e é uma tendência que começou a ser visivel no final doa anos 80, princípios de 90, tem sido os grandes investidores institucionais a constituir a presença mais significativa no mercado da arte(pintura, escultura fotografia). As razões são diversas mas poderiam quase reconduzir-se a isto: é um mercado apetecível, não é caro (em Portugal) parece rentável e traz prestígio social.
Dentre os decisores económicos que investem neste mercado distinguem-se alguns homens e mulheres que sempre compraram arte, a entenderam, a protegeram (e os casos mais frisantes serão os de Rui Vilar, actual presidente da Gulbenkian ou Artur Santos Silva (ex-presidente do BPI) mesmo que no seu caso o apoio ás artes tenha passado por atitudes mecenáticas do Banco a instituições teatrais ou musicais (Teatro S João, Casa da Música, Museu de Serralves). É favor não confundirem estes dois cavalheiros que, desde os bancos da Universidad,e andaram metidos nestas coisas com outro tipo de investidores que inclusive contratam críticos para lhes constituir as colecções.
Não sei, nem me interessa saber, quem é o edil da cultura no Porto. A obra está á vista e mostra quem deve ser. Sei apenas que a CMP não tem estratégia cultural e que quando fala em cultura aponta as vendedeiras do Bolhão á cabeça dos contrincantes. É com eles. Claro que a "cena cultural" portuense tem dado trunfos gigantescos aos Rios & cia, lda. Mas isso é outro falar...
Devo dizer, enquanto pequeno, modesto e falido, comprador de pintura que a entrada dos ricaços no mercado rebentou com qualquer espectativa de poder continuar a comprar o que gosto, esteja ou não na moda. Claro que também lhes devo uma enormíssima valorização do meu espólio se... o quiser vender e não tiver pressa.
Mais dia menos dia esta gente entra no mercado livreiro (não falo do livro raro e antigo, claro) e vai ser o diabo.
Duvido entretanto que a cultura ganhe com isso. Uma segunda e desastrosa consequência deste investimento no mercado da arte é que hoje em dia qualquer mamarrachada adquire valor desde que caucionada por desses brilhantes críticos que temos (e acaso merecemos!)e isso tem resultados a longo prazo na formação do gosto e na própria hustória cultural do país.
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