Estava a lei acabada de fazer a despedir-se do legislador, chegou-se-lhe ao pé o parecer logo armado em conquistador.
«Então esses parágrafos como vão?» Perguntou ele com jeito sedutor.
«Ai vão para aqui numa confusão!» Disse a letra com virginal pudor.”
«Deixe isso comigo». E num instante sacou os Ray-Ban...
Quando sorriu, fê-lo com um olhar tão interpretante que o fecho éclair da letra se lhe abriu.
Com a ratio legis toda à mostra o parecer não podia resistir, e toda a hermenêutica foi suposta no que o espírito podia consentir.
Explorou-lhe o sentido mais extenso que o elemento literal lhe permitia;
ensaiou o «a contario sensu» e chegou a arriscar na analogia.
Aplicou-lhe a maioria de razão dilatando-lhe o implícito contingente, de tal forma que, toda a enunciação, se abriu co-normativa de repente.
Todos os sentidos que a lei assim mostrou recortaram um quadro tão sugestivo que, mal os considerandos antegozou logo se lhe arqueou o remate conclusivo.
O parecer ficou exausto depois disto... mas parecia um relatório tão contente que se diria à secretária dum ministro fundamentando tudo, garboso e fluente.
Da primitiva lei, ficaram só sinais duma singela referência histórica;
mas dos três parágrafos originais temos agora cem páginas de retórica.
É assim que a doutrina consolida as fontes aligeirando-as da virtude presumida mas dando alcance aos curtos horizontes com que o apressado autor as manda à vida.
Recebido por email de Macau
13 outubro 2006
A Lei e o Parecer
Marcadores: direito/justiça/judiciário, Simas Santos
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1 comentário:
Impagável!! (ao contrário dos "doutos pareceres"...).
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