15 outubro 2006

tacones lejanos (*)


Foto: Kamikaze


Os táxis não têm taxímetro e acordar o preço da corrida não é empresa fácil, não só pela barreira da língua e endémica antipatia dos residentes para com os estrangeiros (há quem lhe chame xenofobia), mas também pelo sistema organizado de "caça aos patos"; no Metro anda-se quase tanto por corredores de ligação e escadas rolantes, sem fim à vista, como entre estações; mas a cidade é plana e tudo em redor parece merecer o olhar, disposto ao agrado, do passeante em férias. Percorre-la a pé parece a melhor solução.


Foto: Kamikaze Turistas modernos, munidos de sapatos cómodos (ainda que não necessariamente ténis), cruzam-se com os autóctones. Eles, charlando animadamente, em bandos machos ou acompanhando molemente raparigas elegantes como poucas, mantém fidelidade ao modelo calças escuras com pinças/camisa clara de colarinho entreaberto; de cabelos à Iuri dos filmes do tempo do MacCarthy, exibem sapatos de biqueira longa, fina e levantada, ao velho estilo "matar baratas", que as deve haver e muitas, naquelas casas que já foram imensos e ricos palácios e que, transformadas em habitação colectiva, se degradaram até ao limite e agora, fachadas deslumbrantes restauradas ao pormenor para glória da pátria russa, se adivinham ainda decrépitas no interior;

Foto: kamikaze

elas, queixos empinados em pescoços de garça, semi-nuas (**), olham em frente indiferentes aos olhares que não despertam (a não ser dos tais "patos" e mesmo "patas") e, empoleiradas nas suas andas, pisam o chão com firmeza. Com ruído e por vezes mesmo com estilo, lá vão taconando, taconando. Na caríssima São Petersburgo não há escassez que impeça as jovens mulheres de exibirem os últimos trapos da moda, numa curiosa interpretação do "estilo MTV", nem pézinhos que não saibam calcorrear quilómetros, com segurança, ainda que envoltos em finas tiras douradas cobertas de falsos brilhantes, encarrapitados nuns saltos agulha de fazer inveja a qualquer habitué da calçada portuguesa.Foto: Kamikaze
Por vezes um pré-adolescente passa rasando no seu skate mas, mesmo sendo já avançada a noite - as gentes desta cidade são animadamente noctívagas - nem o ruído das rodas chispando na inesperada utrapassagem as faz desviar o olhar do seu rumo, um ponto fixo algures no além inatingível dos intermináveis prospeckts, exibindo os seus dourados refulgentes de novos, que parecem querer levar o ofuscado visitante ao clímax, no brilho do sem fim das cúpulas em cebolinha que encimam outras tantas basílicas resgatadas da longa noite estalinista.

(**) por inveja (claro!) só coloco aqui fotos das semi-vestidas.


(*) postal dedicado à Silvia Chueire, brasileira descendente de libaneses, loira inteligente, elegante e classuda, que até nas calçadas mais antigas de Lisboa mantém a compustura e o estilo do alto dos seus... tacones lejanos :)
E à Gigi Mizrahi, mexicana também descendente de libaneses, ruiva, igualmente inteligente elegante e classuda, há muito consagrada desenhadora de jóias e que, vão la os homens entender (as mulheres percebem...) voltou no ano passado aos bancos da escola, agora em Itália, ombreando galhardamente com jovencitas de Milan aprendizes de... desenhadoras de sapatos. Passou com maestria, claro! Saudades, Gigi! :)
*
Fotos Kamikaze - S. Petersburgo, Agosto 06

4 comentários:

M.C.R. disse...

Belo texto!

o sibilo da serpente disse...

... e belos... tacões. ´
Quanto ao mais é verdade: até nas ruas do Porto se viu que a Silvia é classuda.

O meu olhar disse...

Kami, com este seu excelente texto fez-nos vivenciar, de uma forma muito viva, o ambiente que a rodeou e que fez o favor de registar, para nosso deleite.
Obrigada.

Silvia Chueire disse...

Sim," o meu olhar" tem razão, o texto nos dá bem a noção de como eram as pessoas nas ruas.

Quanto aos meus saltos altos ( às vezes sim, às vezes não)são uma tentativa de manter-me à altura de cidades elegantes. : )
Obrigada por dedicar-me o texto. Você é amiga, tem olhos generosos.

Um abraço,
Silvia