Ao principio era o verbo....
E são uma resposta apressada ainda por outra e mais próxima razão: agora, para fortalecer o canastro e deitar fora adiposidades adquiridas, recomecei a fazer longas caminhadas a pé. Um peão é alguém que corre o risco de encontrar gente conhecida e foi isso mesmo o que, à minutos, me sucedeu: alguém de pequena estatura e pouco cabelo atirou-me "oiça lá V é advogado?” Ai Jesus é o meu passado a perseguir-me, pensei. Todavia respondi afirmativamente tentando perceber se aquele homem com ar de cinquenta, sessenta anos tinha sido meu cliente no civil ou se seria de algum dos sindicatos onde me estreei como profissional do direito.
Na passada resolvi perguntar-lhe de onde nos conhecíamos e ele, tranquilamente, respondeu-me que do MES (Movimento deEsquerda Socialista, grupo já falecido há décadas com conveniente e apropriada declaração ao Tribunal Constitucional, caso único no panorama português onde ainda espreitam vinte cadáveres de partidos que apesar de mais mortos do que um tiranossaurio rex volta e meia aparecem a fingir que são o fantasma que percorre a Europa (cfr. Marx, Manifesto...). Contas feitas, aquela voz, que me vinha de um passado de 31 anos, pertencia a um mecânico que também fora militante, que depois se passara para o PRP e daí para as FP 25, onde desempenhara de pistoleiro. À conta da “traição” de uns cavalheiros, das notas manuscritas impudentes e imprudentes de outros tantos, tivera de passar à clandestinidade (onde uma vez o terei encontrado, lá para Moledo) e para o estrangeiro depois. Regressara depois do processo ter dado com os burrinhos na água, voltara a ser mecânico e, finalmente, reformara-se.
Conversámos um pouco e lá nos separámos. Já pouco nos une, mas esse pouco é muito: é o fim da nossa juventude, alguns sonhos e a realidade a cair-nos em cima nos idos de setenta. Em nome dele, falo, ou escrevo, não para defender as opções que tomou mas a sinceridade com que o fez, os riscos que enfrentou, as misérias que passou. E isto, assim dito, encerra já um dado: uma vez esquerdista, sempre esquerdista. Não renego, não me arrependo, não perdoo nem me esqueço. Estou de certeza muito mais moderado, mas continuo a votar, a opinar e a valer-me de um par de teorias do comportamento ancoradas à esquerda. Não sei se a história me dará razão, mas é minha convicção que, se nascemos desiguais em quase tudo, é possível tornarmo-nos iguais em deveres e direitos. E para isso há que agir com as armas que cada um tem: e essas são a pública expressão das opiniões, a defesa intransigente dessa liberdade em todos os azimutes, mesmo que daí ressalte a defesa dos que pensam exactamente o contrário do que nós pensamos, a convicção que esta luta se trava com a força da razão e não com a razão da força, em suma na democracia, no uso do direito de propaganda e no segredo das urnas de voto.
Isto vai já em três páginas no ibook G4 e parece-me que chega como introdução. Continuarei se me deixarem....
14 comentários:
Continue...ainda por cima vom uma introdução destas! Isto é único, caro MCR!
Aproveite para ler o artigo de António Vilarigues no Público de hoje. De nada se arrepende e de nada se esqueceu.
Mas vale a pena ler o que ele escreve. Se vale! Tivera eu tempo para remontar às discussões dos setenta, contra o comunismo.Sempre.
Sabe que aprecio mais este tipo de escritos sem arrependimento do que as cabriolas de vitais e companhia...
"Contra o comunismo. Sempre." Era a minha posição de princípio ideológico.
Só isso.
Alguns dos meus melhores amigos, são comunistas. Um deles, teve o pai preso no Tarrafal. Aprecio sobremaneira conversar com o dr. Plácido que ajudou Álvaro Cunhal a fugir de Peniche, conduzindo o Dodge ( acho que foi esse o carro). É uma pessoa extremamente culta e simpática que me encanta sempre com a sua conversa actual.
Assim, penso que estou à vontade para dizer que sempre fui adversário do comunismo clássico, aquele que António VIlarigues defende na crónica do Público de hoje, mas não sou inimigo dos comunistas. Antes pelo contrário...
O que espero de MCR é a crónica de uma conversão a uma ideologia, para se entender uma época, um contexto histórico. A época é a dos soixante-huitards. O contexto histórico é o salazarismo/Caetanismo , ou seja aquilo a que os comunistas chamam de "fascismo".
E MCR está á altura do desafio, porque já deu provas disso mesmo.Sabe misturar episódios pessoais e enquadrá-los literariamente, com interesse e com estilo. Não é a revelação de uma vida, o que espero. É a revelação de uma vivência, o que é diferente.
vou gostar desta discussão :-)
Prestei-me a esta peregrinatio ad loca infecta na convicção de que os pontos de vista (nem sequer opiniões na medida em que faço um pouco da história minha e eventualmente de mais uns quantos da minha geração) seriam analisados e não despachados com tópicos que não só nada significam como eventualmente podem parecer produzidos pela vontade de desqualificar e não de discutir. Portanto, o 1º comentário parece-me (se não for uma ironia de dificil compreensão pouco digno de Herodoto) que conviria ler atentamente. Fingidores são os poetas que fingem a dor que sentem verdadeiramente. Falsa é a moeda má e apresentar-se alguém com nome errado ou inapropriado ao que pretende transmitir.
Estamos entendidos?
"Aquilo a que os comunistas chamaram fascismo", é mais ou menos isto que transcrevo do blog portadaloja,onde o escrevi em 25.4.2004. O texto é de Alfredo Margarido, um "antifascista" e pretende dar a nuance exacta daquilo que foi o nosso "fascismo".
Se o quer comparar ao de Hitler e Mussolini, é lá consigo ( e com muitos aliás). Eu é que não consigo e aposto que um teórico como Norberto Bobbio ( de esquerda) também não.
Aqui fica, para remate.
“Deixem-me contar uma história em dois blocos: em 1962, estava com residência fixa em Valença do Minho, mas em Agosto decidi que os meus filhos precisavam de iodo e aluguei uma casa na Meadela, para dispor de pinheiros, areia e mar. Mo segundo dia dessa instalação, desembarcaram em minha casa dois agentes da Pide que nos prenderam , a mim e a minha mulher.Primeiro destino: o Governo Civil, tendo-me sido poupadas as celas onde já em outros momentos tinha sido invadido pelos piolhos aí generosamente espalhados pelos mendigos.
Segunda etapa: à rua do Heroísmo, no Porto, de onde me levaram a Valença para poder revisitar a casa e os meus papéis. Fiz notar que a casa era da minha cunhada e que não tendo sido ela presa enm acusada no que parecia ser um processo complexo, teriam de lhe pedir autorização ou prendê-la para oder espiolhar a sua residência. O que me permitiu levá-los a um quarto que não era meu, pois cometera a imprudência de conservar correspondência que podia comprometer terceiros.
De novo o Porto; depois comboio para Lisboa, para que uma carrinha nos levasse à António Maria Cardoso onde me instalaram numa cadeira, à espera. A situação era irritante, pelo que reclamei, tendo obtido uma resposta singular: “ o senhor não é nosso preso; estamos à espera de instruções da Presidência do Conselho, pois foi o senhor Presidente que ordenou a sua detenção”.
Deixo de lado outros pormenores, pois quero mostrar que não só o dr. Oliveira Salazar sabia tudo, mas participava na caça aos membros da Oposição.
Tive disso confirmação em 1964 quando a situação política me impôs sair de Portugal. O meu amigo Mário de Oliveira, arquitecto e pintoe, sugeriu que fosse para o estrangeiro com uma bolsa da Gulbenkian. Parecia-me não só difícil mas impossível conseguir uma solução dessa natureza, mas Mário de Oliveira fez-me notar ser um dos raríssimos especialistas da sociologia da arte entre nós.
E , com efeito, obtive a bolsa, mas fui obrigado a informar o dr. Victor Sá Machado que não estava autorizado a sair de Portugal. A resposta foi seca e elucidativa: “Onde já se viu um bolseiro da Gulbenkian no estrangeiro não poder sair de Portugal? O sr. Presidente ( Azeredo Perdigão) vai ocupar-se dessa questão”. Um telefonema no dia seguinte deu-me a saber que a autorização estava obtida: Ó pá, você tem de ir ver o director da Pide, amanhã às 11”.
“ Mas, ó Sá Machado, Você garante-me que eu entro para sair?”
O dr. Victor Sá Machado protestou contra o que considerava ser uma piada de muito mau gosto e lá fui no dia seguinte, rigorosamente às onze, tendo sido recebido pelo capitão Silva Pais:
“ Não sei como é que você faz, mas da última vez que o prendemos nós sabíamos que você não estava maduro, mas a prisão foi-nos imposta pela Presidência do Conselho. Agora, que você já está maduro, eis que você mobiliza não sei quem para poder sair do país.”
Limitei-me a perguntar “ mas então o senhor director mandou-me vir aqui só para me dizer que não me pode prender?”
“Não é bem isso, mas parece que não se querem dar conta que Você vai conspirar com os seus amigos, contra nós, claro”.
Mas certamente o senhor director não esperaria que eu fosse conspirar com os meus inimigos!”
Se um dia me decidir á escrita de memórias serei mais minucioso. Aqui pretendo apenas mostrar que a presidência do Conselho e o Presidente do Conselho mantinham uma relação apertada com todas as forças de repressão e que tentar explicar que o dr. Oliveira Salazar não “sabia de nada” constitui um pesado contra-senso."
"...porque razão é que o regime só caiu da forma como caiu"?
Muito boa questão, quanto a mim.
Se formos a ver com olhos de ver, o regime caiu porque estava madura para cair. Mas a verdade é que quem o varejou foram os militares por causa de uma questão de massas e invejas.
Tal e qual.
Os do quadro não queriam que os milicianos tivessem as mesmas regalias ou mesmo maiores.
Não foi assim?
Onde parou o povo tão celebrado na estrofe "o povo é quem mais ordena, dentro de ti, ó cidade"?
Parou na rectaguarda. Como sempre, em Portugal, excepto em 1385...e já lá vão uns séculos!
O partido comunista bem gostaria de apresentar o povo como o herói. E até conseguiu aprovar um preâmbulo da Constituição em que isso ficou a constar. Mas não foi...
acho muito bem que se discuta o que se tem discutido mas gostaria apenas de acrescentar duas coisas:
Lamento ter de informar que não fui militante do PC por razões de vária ordem mas a verdade é que não fui. Não é virtude nem desonra, é mera história.
Não me converti a nada, fui crescendo, como o Hospede ou o José e foram-se afinando dentro de mim a visão do mundo e a minha posição nele.
Finalmente de facto em Portugal (é a minha opinião) não houve fascismo classico porquanto esteassenta num poderoso movimento de massas enquadrado por um partido totalizador que chama a si a chefia do Estado e do movimento erecorre a um determinado ideário assente no mito macional, a alma nacional, a raça e o destino. Ora em Portugal,movimento de massas nunca existiu para trazzer o Estado Novo, o Partido (UN e depois ANP era anémico e foi uma criação a posteriori e o Dr Salazar era tudo menos um fuhrer, um duce mesmo que o tivessem pretendido fazer. ele não deixou. Detestava fardas, e de pouco lhe importava a emblematica fascistoide. Por isso tivemos uma Legião ridicula e uma mocidade portuguesa a que ninguém ligava nenhum. Mas isto é só uma opunião para atirar para o meio do barulho...
Longe de mim querer matar o debate. Apenas fiz notar que, em minha opinião, o estado autoritário português não foi um estado fascista clássico por lhe faltarem as caracteristicas primeiras que apontei: o partido e o movimento de massas.
O segundo ponto (claramente menos importante) do meu discurso era a paupérrima emblemática cá usada. E nisso convenhamos Salazar tinha razão: não queria criar organizações que pusessem em causa o nacional catolicismo português e seu (dele Salazar). A razão parece-me simples Quer Hitler quer Mussolini, mais o primeiro claro. tendiam para um certo paganismo coisa que salazar claramente proscreveu.
É verdade tudo o que Hospede diz no respeitante ás cópias de leis e até de organizações (junte-lhe a FNAT, já agora) mas permita-me que lhe reponte que isso não é essencial.
quanto aos militares: Salazar fartou-se de os elogiar, não restam dúvidas mas de facto rebaixou-os politicamente e nunca foi refém das forças militares. Aliás basta ver como equipou o exército, como esteve sempre desconfiado do corpo de oficiais, como defendeu a outrance o serviço militar obrigatório como meio de dissolver a oficialagem republicana e facciosa.
É evidente que o termo fascismo é um excelente operador mas continuo a pensar que nisso ou fomos muito pouco ousados ou então inventámos uma forma de fascismo diferente. Não me repugna usar o termo e até o usei. É ultimamente que, graças aos estudos que se têm feito sobre o Estado Novo, que tendo a deixar o termo. Mas também é verdade que não lhe encontro substituto razovel para definir o regime salazarista.
continuaria gostosamente esta discussão enquanto não publico o texto seguinte mas vou estar longe da internet uns dias, até sábado ou domingo, julgo. Mas depois terei o prazer de ler tudo de carreirinha. Peço só que não esgotem as intervenções porque tenho mais para dizer. E adoro comentários ao que escrevo...
Estou a gostar. Parece o INC dos bons velhos tempos... :-)
Caro Hóspede:
O problema não é o da parentela do Salazarismo com o fascismo italiano.
Claro que existe essa parentela. Historicamente pode compreender-se a aproximação a certos tipos de organização de massas.
Sempre que alguém me falar na Mocidade Portuguesa, ou da Legião, para fazer o paralelo com as organizações de juventude fascista, posso sempre acescentar que os comunistas também cultivaram o mesmo tipo de organizações de juventude- embora com outra ideologia de cariz aparentemente oposto...
Sempre que alguém me apontar a ausência de democracia, o comunismo é um exemplo tão flagrante que nem é preciso argumentar.
Sempre que alguém me indicar a censura; a repressão dos opositores; as cadeias com presos políticos; a falta de liberdade de expressão,asociação e de liberdades várias, posso sempre mostrar os exemplos flagrantes das sociedades de leste quando se diziam comunistas.
O problema não reside nas semelhanças do Salazarismo com o fascismo, como disse.
O problema maior, reside no domínio da linguagem e da apropriaçáo do discurso dominante pelo comunismo em particular e a esquerda em geral, incluindo o partido socialista prè-gaveta.
Já escrevi sobre isso, mostrando que na semana que se seguiu ao 25 de Abril, o discurso mudou em Portugal como por encanto.
basta ler as entrevistas de Miller Guerra, de Palma Carlos; de Spínola; de...Zeca Afonso! Sim, de Zeca Afonso. Transcrevi uma do grande cantor, logo a seguir ao 25 de Abril e é impressionante o que ele diz do Salazarismo/Caetanismo. Como é impressionante o discurso que passou a ter uns meses depois.
A mudança deu-se quando Mário Soares chegou a Santa Apolónia, no dia 28 de Abril ,salvo o erro.
Cunhal chegou uns dias depois, de avião e foi recebido por Mário Soares e alguns adeptos comunistas entre os quais o "consultor" Vítor Dias.
Desde essa altura, a linguagem passou a ser a dos "48 anos de fascismo"; da "longa noite fascista"; dos "antifascistas", dos "reaccionários", dos "burgueses" dos "latifundiários", dos "agrários", dos "monopólios", dos exploradores capitalistas etc etc.
Esta linguagem, particularmente a do "fascismo" passou logo para os media que eram inteiramente controlados por pessoas afectas à esquerda clássica e à extrema esquerda.
O Novidades e o Século e os jornais que tinham linguagem que náo se confundia com a de esquerda, desapareceram completamente. Os noticiários nas rádios ( com excepçáo da Rádio Renascença, do Patriarcado ) eram marcados pelo mesmo discurso. A televisão, idem.
FOi assim durante anos e anos.
Na verdade, ainda sofremos um pouco essa influência e é por isso que espanta e choca que eu possa dizer que o Salazarismo não se pode confundir com o fascismo.
A lavagem ao cérebro foi mais eficaz do que alguma vez julguei possível.
Mas a verdade acaba sempre por vir ao de cima e as pessoas acabam por entender a realidade se lha mostrarem.
É esse o problema: o condicionamento intelectual continua.
Que jornais e revistas temos hoje que se posssa dizer que não seráo tributários da esquerda?
Talvez o Diabo e o SOl...mas ainda assim...
Ah! E não quero anatematizar ninguém, colando o rótulo de "comunista". Nada disso.
Adopto a designação "comunista" , generalizando, também por facilidade.
Sei bem que a esquerda na época não se confundia com o PCP.
Havia a extrema esquerda, os que padeciam da tal "doença infantil" e havia a esquerda que o PS queria mostrar, tributária de uma ideologia que foi colocada na gaveta pouco tempo depois,tal como o Miterrand colocou em 1981.
No entanto, o PS sempre gostou de se designar de "esquerda". É uma espécie de marca de água, de compromisso de honra que muitas vezes ( como agora) não passa de uma palavra e um conceito vãos.
Mas que afeiçoam, lá isso afeiçoam,...
E havia o MES...Ah! O MES! Ainda guardo uma certa revista de "esquerda socialista", com fotos muito interessantes de alguns adeptos do conceito de socialismo que não era bem socialismo mas que não era capitalismo nem nada que se parecesse.
Era assim um modo de ser que se fazia passar por um ser a modos que...
O MES era o PCP-ML do PS...
Parto para lisboa daqui a vinte minutos pelo que esta é telegráfica:
o MES ser o pcpm-l do PS é uma frase gira, com piada mas corresponde pouco à verdade;
vejo que um "fantasma percorre a europa" como diziam Marx e Engels;
se assim é, e esta discussão agradabilissima parece comprová-lo, e é identica a várias que vou lendo por esse mundo fora, resta-me concluir antes de partir que o comunismo, o socialismo e a esquerda continuam a ser ideias fortes e novas por cá.
O que dá um certo e secreto gozo.
espero durante estes dias poderarranjar tempo para continuar o bombordo (o bordo bom, se é que me entendem...
abraços a todos
Sobre fascismo e ditadura, vide debate que se desenvolveu aqui, no blog "Informática do Direito".
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