O outono está emperrado
Esta série destinava-se a falar de livros mas hoje vem mais com artigos de jornal por duas razões: os livros bons, aquilo que se chama bons de verdade andam escassos pelas lusitanas paragens. Nunca se publicou tanto e tão “mainstream”, ou seja, a malta abre, lê um bocado e, se não está mesmo disposta a um sacrifício tipo quaresmal, larga e manda para o lote. A safra está fraca e, pelas notícias que nos chegam de fora, a crise é geral.Comecemos pois pela jornalada. Pacheco Pereira, bloguista convicto, vem hoje ao encontro de opiniões aqui já explanadas (alguma vez havíamos de ser os primeiros). Repegando no desastrado ataque ao fenómeno blogue, P.P. explica a quem não sabe, não quer saber ou simplesmente finge que não sabe, que isto de blogues dá para tudo desde o péssimo ao bom e aproveita para brindar os leitores com uma enorme lista de produtos de imprensa que nos fazem pensar que o papel anda barato. Quem me lê sabe que não morro de amores por Pereira (ainda que lhe admire o Cunhal que vem publicando) mas de vez em quando ele acerta.
O senhor director do Público comete hoje um artigo que merecia o Nobel da inocência de espírito. O pobre coitado escreve sobre o cataclismo eleitoral americano e, como de costume, mostra-se capaz de tudo. Não foram os democratas que ganharam, diz ele, mas apenas os republicanos que perderam... Nesta linha sempre inventiva consegue não referir o Iraque entre as causas da derrota republicana (já que ninguém ganhou...) e engendra uma retorcida teoria sobre o poder e os vícios daí decorrentes digna de um membro da Cruzada neo-episcopal. A última descoberta de Fernandes é esta: as bases dos dois partidos eram radicais. Ora, se é verdade que os republicanos se apoiaram nalguns inacreditáveis dinossáurios da política e sobretudo da religião (protestante) os democratas há muito que se recentraram e quanto a radicalismo já nem o radical chic nova iorquino lhes resta. Leiam, recortem e guardem para daqui a seis meses ou dois anos poderem comparar.
E já que se falou da America convém propor aos interessados uma vista de olhos por jornais estrangeiros já que a imprensa nacional se tem mostrado incapaz de noticiar bem o fenómeno ocorrido. É que a ler as pobres notícias a que parece termos direito quase nem se entendem coisas desta envergadura: para ganhar o Senado os democratas precisavam de roubar seis lugares ao republicanos e não perder nenhum. Isto releva quase do milagre mesmo que se saiba que as eleições a meio de um mandato presidencial raramente favorecem o poder estabelecido. Raramente, digo, não sempre. Enfim, minúcias...
Noticiou-se aqui a saída do nº1 de PREC (pensa, rosna, estica, corta), publicação de duvidosa periodicidade, redigida por um repolhudo grupo de pessoas que têm pelo menos o mérito de questionar a boa consciência dominante. E que dizer? Pois que se lê (aliás leram-se de rajada os números 0 e 1) mesmo quando alguns dos temas estejam de há muito mais que tratados. Um certo humor, outro tanto de critica, dão o tom numa publicação que tem dois inapeláveis defeitos. Um formato horroroso e uma mancha difícil e muito compacta. Claro que aquela rapaziada não deve abundar de massa mas que diabo: metem o Rossio na Betesga. Convenhamos que para cinco euros (uma milonga das antigas!) convinha outro formato e mais espaço. Eu, como o nunca assaz chorado compadre Assis, compro tudo que me cheire a escândalo mas esta é uma atitude militante que nem todos têm. Assinalem-se alguns textos de Vítor Silva Tavares ou de Jorge Silva Melo entre outros de igual qualidade. Em relação a este último lamenta-se que num texto onde refere o brutal ataque feito a Mário Dionísio pelos escribas de serviço do PC (Óscar Lopes e António José Saraiva, esse mesmo...) nos anos quarenta cinquenta, JSM esqueça que Dionísio (e Lopes Graça, já agora) tiveram a seu lado a maioria da direcção da Vértice (Joaquim e Egídio Namorado, Luís de Albuquerque e Rui Feijó. Só cito isto porque é aí, nesse tempo e muito nesse espaço, que as águas claramente se separaram.
Para terminar esta nota de leitura, o problema de PREC, ou dos seus leitores, é apenas este: um número por ano acaba por saber a pouco e ser pouco. Mas isso é outro conversar.
E agora uma boa notícia: já está a aquecer motores uma nova editora Sudoeste de seu nome de que brevemente se dará aqui notícia mais larga. O programa de que já tive uns zunzuns é simples como o bom cação de coentrada: poucos livros, literatura a sério, sem lugar a devaneios menopáusicos de estrelas do nosso jet, da têvê ou similares. Por outras palavras: uma pequena editora que aposta na qualidade. Não é, felizmente, caso único no nosso panorama editorial mas mais uma a puxar para o mesmo sítio não faz mal a ninguém, bem antes pelo contrario.
E para terminar, terminantemente: estão a ser reeditados todos os volumes da sumptuosa colecção “L’Univers des Formes” em seu tempo dirigida, se a memória me não falha, por Malraux. Já andam por aí os volumes “pré-histoire”, “sumer” e “le temps des pyramides”. Continuam a ser editados pela Gallimard e custam €25. Já os apalpei, sopesei e abri. Fiquei convencido e vou encomendá-los. O resto é convosco.
A mesma Gallimard, mas já noutro campeonato (Plêiade), anuncia o volume 2º dos “romans” de Raymond Queneau. Aqui há que desembolsar mais uns quantos maravedis: sugere-se pois que o guardem para uma prenda de Natal a vocês mesmos. Se a gente não se tratar bem quem é que nos tratará?
(nota: este leitor mais que impenitente foi imprevidente. Ficou esquecido no tinteiro ou melhor no ibook G4. Sai igual mas já na factura macbook pro. Apesar de tudo as ferroadas que aqui se dão ainda têm sentido e objectivo. E assim o leitor Manuel de Sousa Pereira deixa de me seringar com mails aflitos pela minha falta de notícias. Tá, Manekas? )
2 comentários:
E o Jonathan Littel? Já lá conta com o reconhecimento de l`Académie Française et aussi le Goncourt!
C´est quelque chose, monsieur!
900 pages! Primo Levi en série américaine...( c´est pas moi qui le dit, mais Marianne).
Não sei por quê mas cheira-me a best seller fabricado. Posso estar enganado, claro mas o que li do livro, não me entudsiasmou ainda o suficiente para o comprar. E, que diabo!, as confissões de um SS pouco me dizem como romance. E informo que li vários documentos desse género publicados nos anos sessenta. Entre eles um magistral com as "confissões" de Walter Schellenberg, o mais jovem general das SS. (se não estou em erro, o livro chamava-se "confissão da meia noite ou algo semelhante). Portanto não é o tema que me repele mas as 900 páginas e o que já fui lendo.
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