22 novembro 2006

O tempo esse grande simplificador 4

De vez em quando a honra de um gesto sai-nos ao caminho
Reprodução de três cartas trocadas entre MBC e mcr

3. Marcelo,
Muito obrigado pelas tuas palavras e pela tua amizade. O texto é público e poderás fazer dele o que bem entenderes.
Um abraço do
MBC

2. Mário
Li com a atenção devida a carta que quiseste mostrar-me. Devo dizer que não me surpreendeu. Quem te conhece há mais de quarenta anos e tem testemunhado as tuas tomadas de posição desde essa altura lê esta tua carta com a confortante certeza que nem tudo está mal neste triste reino da Dinamarca.
E não fora dar-se o caso de serem cada vez mais raras as atitudes nobres nem sequer escreveria mais do que um sóbrio "recebi, um abraço de solidariedade."
Mas os tempos não estão assim tão fáceis pelo que o melhor é mesmo dizer alto e claro, muito claro, que ao ler o teu breve texto me assaltou uma sensação de regozijo (por ser teu amigo há tantos anos) e de renovada admiração e de orgulho.
Ia acrescentar "esperança" mas não me parece que o forno esteja assim para tantos bolos.
Caso me permitas gostaria de a publicar no blog ou pelo menos de ar eenviar a um par de amigos. Tu mandas.
Recebe, um forte abraço do
Marcelo

1 Exmo. Sr. Eng. POÇAS MARTINS
Comissão de Estruturação
CMPEA – Empresa de Águas do Município do Porto, EM
P.M.P.

M/referência: 3382/0058
V/referência: Provedor do Cliente e Conselho Geral da CMPEA
Ex.mo Senhor:
Na impossibilidade do desejado contacto pessoal em razão de diligências judiciais inadiáveis e não querendo deixar de cumprir o prazo acordado para a minha resposta, venho, por este meio, informar V.Exa. do seguinte:
a) agradeço, mais uma vez, o convite da Câmara Municipal do Porto para integrar o futuro Conselho Geral da CMPEA como seu Presidente;
b) ponderada a situação em todos os seus aspectos cheguei, porém, à conclusão de que não poderei, em coerência, aceitar tal convite pelas seguintes razões:
1. Ocupei durante 4 anos a função de Provedor do Cliente dos SMAS dentro de um espírito de serviço público que correspondia à minha filosofia pessoal de actuação profissional e cívica numa sociedade democrática e numa administração pública em fase de necessária desburocratização e reforma. Fui, para tal, convidado pelo Exmo. Conselho de Administração presidido pelo Eng. Rui Sá. Ao longo deste período - e apesar de algumas dúvidas que, por vezes, me assaltaram – acabei por concluir que a existência de uma Provedoria do Cliente dos SMAS/Porto constituiu uma solução inovadora, corajosa e com comprovados resultados positivos tanto para os mais de 152.000 clientes como para a própria empresa. Tal solução, aliás, inscreve-se num crescente movimento nacional e internacional de defesa do consumidor (especialmente em sede de contratos de massa) e de modernização constante da administração pública. Com efeito, cada vez mais surgem novas Provedorias quer dentro do nosso sector público central ou local quer junto das empresas privadas com gestão mais avançada e socialmente competitiva.
2. A decisão camarária que teve a amabilidade de me comunicar no sentido de a Provedoria deixar de existir na actual CMPEA não acolhe, assim, a minha concordância e não se revela consonante com a experiência concreta já obtida.
3. Por outro lado, analisados os estatutos da CMPEA e, em particular, os arts.11 e 12 referentes ao seu Conselho Geral, verifiquei que a solução agora adoptada – criação de um Conselho Geral - não corresponde à minha maneira de pensar e agir nem se adequa às razões que me levaram a limitar a minha normal actividade de advogado abraçando com entusiasmo uma função de Provedor do Cliente dos SMAS.
4. Nesta conformidade, não vejo que, pela minha parte, seja coerente poder aceitar participar de um tipo de órgão que a prática generalizada noutras instituições sempre demonstrou ser meramente formal, não independente e desprovida de qualquer utilidade prática. Igualmente me parece impossível participar (como se houvesse um qualquer tipo de concordância ou sentido de continuidade) na extinção da Provedoria do Cliente dos SMAS - na sua dupla vertente de defesa dos interesses dos clientes e apoio na modernização dos procedimentos – e sua aparente substituição por um Conselho Geral que prevejo inócuo.
b) peço, pois, a V.Exa. a amabilidade de informar quem de direito desta minha posição face ao convite efectuado.
c) termina deste modo a minha longa colaboração com os SMAS (iniciada em 1982) restando-me, apenas, preparar o encerramento da actividade do Gabinete e apresentar ao Exmo. Conselho de Administração o relatório final estatutariamente exigido.
d) o meu mandato termina em 30 do corrente mês e, atenta a anunciada extinção da função, não se mostra aplicável o disposto no art.6-2 dos Estatutos do Provedor do Cliente, pelo que nessa mesma data cessarão os meus compromissos com os SMAS/CMPEA.


Os meus cumprimentos.
Ao seu dispor,
Mário Brochado Coelho

Ainda que sejam inúteis quaisquer comentários convém esclarecer que Mário Brochado Coelho é advogado no Porto. Frequentou a Universidade de Coimbra quase até ao final do 5º ano, altura em que foi expulso da universidade devido ao seu forte envolvimento na crise académica de 1962. Licenciado por Lisboa advogou sempre no Porto e até 1974 interveio em numerosos processos políticos e sindicais.

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