12 dezembro 2006

Estes dias que passam (nº especial)

E quando chegará a vez de Portugal?

Ora vamos lá a ver se escrevemos isto depressa e bem, sem deixar rabos de palha nem expor o pobre canastro à vingança de poderosos. E começo com esta prevenção porque o caso não é para menos. Também por cá já se manda espancar vereadores, abater magistrados, arrear umas xulipas a tempo aos prevaricadores pelo que todas as cautelas são poucas. Cautelas e caldos de galinha dizia uma velha empregada lá de casa, agora diz-se empregada em vez de criada, deve ser por via dos bons costumes e do politicamente correcto, raios parta esta mania que faz das velhas criadas que nos criaram, nos ralharam, nos deram uns tabefes, nos beijaram quando doentes, nos amaram, e que morreram em nossas casas como veros membros da família que eram... Bom, lá estou eu a falar de criadas quando queria falar de carteis. Feia palavra esta, cartel, autentica palabrota, como dizem os aqui do lado para quem um “joder!” é só uma exclamação de pasmo. E cartel é de facto um palavrão, uma coisa abominável que evoca imediatamente uma sanguessuga gigantesca com mais braços que um polvo, de dentuça afiada no pescoço dos cidadãos, de muitos cidadãos indefesos.
E já agora de que cartel malandreco estou eu para aqui a falar? Pois dum que bem poderia ser nativo, patrício nosso, da nossa criação, mas que para já, é francês. A notícia caiu-me da TV5 há doze minutos, exactamente. A justiça francesa acaba de meter uma lança em África, ou melhor, acaba de meter uma farpa no lombo de gorda besta. A saber: os três grandes operadores de telefone móvel gauleses acabam de apanhar com uma multa de 534 milhões de euros. Isto traduzido em miúdos dá cem milhões de contos bem redondos mais uns trocos. E a guerra ainda agora começa. Que isto, os cento e pico milhões de contos, é a multa. Multa porque os três grupos se entenderam quanto a preços, divisão do mercado e mais um par de judiarias, próprias desta gente. Próprias de um cartel, justamente.
Agora vai seguir-se a parte da malta. À cautela entraram em tribunal uns milhares de reclamações de utentes enganados. Parece que a papelada, só a papelada, pesa meia tolenada, ou seja, para os mais novos, educados pelo eduquês e pelos ameaços de TLEBS e por mais um par de barbaridades actuais, quinhentos quilos. É obra! Quinhentos quilos para eventualmente se poder vir a obter um bilião de euros que é em quanto para já se estima o assalto aos bolsos dos particulares. Parece que a coisa está bem encaminhada. A ver vamos.
E, voltando ao princípio desta croniqueta, e nós por cá? Tudo bem? Os nossos virtuosos operadores telefónicos ignorarão estes truques? Os preços serão diferentes? O mercado não foi dividido? Não houve acordos entre as empresas? Viveremos nós, numa bolha de virtude que ignora as basses oeuvres do capitalismo internacional?
Eu, que segundo o caro e fraterno Manuelzinho, sou de uma ingenuidade criminosa e inconsciente, quero bem acreditar que neste jardim à beira mar plantado, nunca houve cartelização de qualquer espécie. Como também nunca houve corrupção desportiva, nem autárquica... Vivemos, como dizia, o doutor Pangloss no melhor dos mundos possíveis. Dizer o contrário seria fazer o jogo da reacção e dos inimigos da pátria. E a época não é a melhor para tal. Digamos, como os manos do lado, no está el horno para bollos...
Ou como diria o meu velho e desaparecido amigo José Luís Nunes: mesmo que isso aconteça em Portugal nunca haverá reacção dos poderes públicos. Nunca? Ora vamos lá a ver se desmentimos desta vez o Zé Luís...
E no mesmo passo, desmintamos, também, essas velhas, amorosas, queridas criadas que nos aconselhavam na já longínqua juventude a estar quietos, calados, e surdos porque os pobres nunca tinham razão. “Isto”, menino, é como os rios, corre sempre para o mar. Nem sempre Maria, nem sempre, repontávamos, nem sempre. E desta vez?

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