Ele há dias assim: está um cavalheiro muito tranquilo, a apanhar o vago sol de inverno, absorto diante duma “bica” (os leitores do Porto & seu termo farão o favor de ler “cimbalino”) a tentar arranjar argumentos para não ler mais um editorial do Senhor Fernandes do “Público”, medida salutar e profilática que se recomenda vivamente aos que são dados aos humores biliosos e/ou coléricos, e zás, cai-lhe em cima um fantasma do passado. E os fantasmas, leitora Maria José Albarran, nunca vêm (abra-se um parêntesis dos dificultosos: eu pus vêm, mas de repente, uma das enfraquecidas meninges que me resta perguntou, soturna: tens a certeza que o plural do presente do indicativo 3ª pessoa é assim mesmo três letrinhas e chapelinho? Ai meu rico rico são Tomé padroeiro da dúvida metódica! No que me fui meter. É ou não? Felizmente tenho aqui atrás um prontuário que me sossegou. É mesmo como escrevi! Ora tomem lá, treponemas pálidos da nova TLEBS!) sozinhos, que são como as cerejas. Em convocando-se um surdem logo dois ou três. O único fantasma que aparece sozinho é o de Canterville (e rebimba, leitora MJA!) que o da ópera reformou-se.
Bom, estava eu vagamente ensimesmado na explanada do “Sanduíche bar”, diante duma “flausina” que lia a “Hola” (hoje, que ontem era a “Gente” e anteontem devia ser a “Caras”) e aparece-me a Helena Pato.
Convém explicar que a Pato ora convocada, Lena para os amigos de há exactamente quarenta anos, ainda não passou ao estado gasoso. Está viva, julgo, e desejo, e de boa saúde (idem, aspas, aspas). Só que a dita cuja escreveu um livrinho que ontem encontrei num saldo. Eu resisto pouco a quase tudo e nada a saldos de livros. Vai daí comprei o livrinho “Saudação, Flausinas, Moedas e Simones” (Campo das Letras, 2006) porque me parecia que a autora era a Lena Pato do meu longínquo e coimbrão ano de 1964. Tinha de ser por uma série de coisas que batiam certo (natural de Mamarosa, ex-dirigente da Associação de Estudantes da Fac de Ciências de Lisboa nos inícios de 60, um texto dedicado a um Noales (ora nesse tempo se a memória não falha ela seria casada com um exilado político desse nome...) enfim demasiadas coincidências para não ser verdade. E vai daí tirei-me dos meus cuidados e apanhei a minha enteada Ana espetei-lhe diante do olho bonito uma fotografia de grupo nos idos de 64 (Eurico e Otílio Figueiredo e respectivas Berta e Gabriela, João Rezende e Laura Barros Moura – que já não está por cá- o Fernando e a Ruth, casal porreirinho que perdi de vista há séculos e a Maria João e eu, namoradinhos de fresco. E a Lena Pato, sem par (o marido exilado etecetera e tal...). e a contracapa do livro já citado). A Ana nem hesitou: é a mesma pessoa, basta olhar para a linha entre o nariz e a boca(!!!???). Pronto é mesmo a Lena.
Ora bem, falo deste livro porque pairam por este amável blogue alguns leitores curiosos que se queixam da falta de documentos relativos à história recente. Este pequeno livro de quase crónicas, escorreito e generoso, fala de um percurso, aliás de vários, de pequenas memórias, do ar do tempo que se respirava por aquel entonces. E dá-me prazer ver a Lena, com quarenta anos em cima, com coragem para passar a escrito alguma da sua vida. Se alguém a conhecer, digam-lhe que o Marcelo, o malandro “anti-revisa” que lhe deu o desgosto da notícia da queda do Krutchov se lembrou subitamente dela com a ternura de um velho combatente. E que hoje em dia acha que, mal por mal, o senhor K era melhor do que o seu sucessor Brejnev...fraca consolação.
2 O fantasma seguinte, amabilíssimo também, chama-se Marcela Torres. Não por ser Marcela, coitada, ela, como eu, não há-de ter tido qualquer culpa no nome que lhe puseram. Nada disso. A Marcela (e o Zé Bento) era da minha geração e foi uma amiga, uma enorme amiga. Foi também editora (Afrontamento), militante do MES, ex-MES, e tudo o resto. Era também filha do Flausino Torres, um intelectual comunista de primeira água que levou a sério o seu compromisso, tão a sério que teve que se exilar com a idade com que muitos vão para a reforma. E no exílio não se calou, não abdicou da sua liberdade critica ao ponto de enfrentar Álvaro Cunhal à conta da Primavera de Praga. Dessa vida, pelo mundo repartida, deixou farta documentação. E foi o neto, o Paulo Torres Bento, filho da Marcela e do Zé, que eu vi quase nascer, quem se encarregou de organizar um belo livro que agora a Afrontamento, editora de que ainda se falará, publicou. “Flausino Torres documentos e fragmentos biográficos de um intelectual anti-fascista”, prefácio e organização de Paulo Torres Bento.
3 Ele tem um bigode farfalhudo, bigode que faria o falecido “tovarich” Yossip Vissarionovitch Djugatchivilli, conhecido no século por Stalin, morrer de inveja. Um bigode destes daria direito a gulag. E boa parte dos poemas, idem. Falo do Fernando Echevarria, um poeta mais ou menos secreto. Ou melhor, um poeta cuja qualidade é inversamente proporcional ao conhecimento público. Um belíssimo poeta, raios partam o homem. E um livro, um senhor livro, 900 páginas ou quase! Só uma editora maluca da cabeça é que punha cá fora um tijolo destes. Ou então trata-se de uma senhora editora a quem tiro o meu chapéu. O livro vem belamente encadernado, traz uma caixa a envolvê-lo e resuma cuidado e amor por parte da editora. Assim, sim!
4 Fechemos este ramalhete com mais um amigo: Rui Graça Feijó, dr.phil. (ho la la!) por Oxford, 50 anos feitos. “Timor, paisagem tropical com gente dentro” prefácio de outro amigo, Jorge Sampaio. Editorial Campo da Comunicação. São cinco ensaios de análise política da autoria de quem foi assessor de Xanana Gusmão. Rui G. Feijó tem algumas qualidades e entre elas a menor não será a de escrever bem, concisamente, elegantemente. Um pouco à inglesa mas isso vem-lhe de ser “fellow” de Oxford. Poder-se-á não concordar inteiramente com as suas análises (eu não frequento nem frequentei a missa timorense e menos a timorfilia lusitana) mas há inteligência e generosidade no que RGF escreve.
Isto não é um favor! Eu não faço favores nem ao meu pai, em matéria literária. Era o que faltava. Nesta botica exclui-se o amiguismo. Mas também não aceito que o facto de ser amigo me torne mudo ou maneta.
Já mesmo em fim de texto sai-me à liça um curioso “Eça de Queiroz e os seus clones”. Até que enfim que alguém sai ao passo do professor Saraiva! E da sua tese, tirée par les cheveux, sobre a mãe de Eça. Eu, assisto aos programas do idoso cavalheiro num misto de espanto pela audácia e de fatalismo de pecador que procura redimir-se com o pequeno e semanal sacrifício de o aturar. Já o ouvi, com estas que a terra há-de comer, dizer que a Serra da Boa Viagem (Buarcos) teria esse nome porque quando os barcos zarpavam do Mondego a cerca de cinco quilómetros, a rapaziada na serra agitava os braços e berrava boa viagem! Deviam ter cá um destes vozeirões!... António Eça de Queiroz, bisneto de Eça, escreve com cuidado, bem mesmo, e acerta umas tantas ou quantas... Ainda só espreitei mas o que vi promete. Aqui para nós, o Eça anda a ser bastante maltratado por uma gente que não deve ler o que o homem escreve. Às tantas andam a ler o conselheiro Acácio e confundiram a criatura com o criador.
Quem quiser saber o que é um treponema pálido (brrr!) vá a um dicionário especializado. Para a gntinha da TLEBS não há frete, favor, obséquio, fineza, mercê o que quer que seja. Arrenegados!
Bom, estava eu vagamente ensimesmado na explanada do “Sanduíche bar”, diante duma “flausina” que lia a “Hola” (hoje, que ontem era a “Gente” e anteontem devia ser a “Caras”) e aparece-me a Helena Pato.
Convém explicar que a Pato ora convocada, Lena para os amigos de há exactamente quarenta anos, ainda não passou ao estado gasoso. Está viva, julgo, e desejo, e de boa saúde (idem, aspas, aspas). Só que a dita cuja escreveu um livrinho que ontem encontrei num saldo. Eu resisto pouco a quase tudo e nada a saldos de livros. Vai daí comprei o livrinho “Saudação, Flausinas, Moedas e Simones” (Campo das Letras, 2006) porque me parecia que a autora era a Lena Pato do meu longínquo e coimbrão ano de 1964. Tinha de ser por uma série de coisas que batiam certo (natural de Mamarosa, ex-dirigente da Associação de Estudantes da Fac de Ciências de Lisboa nos inícios de 60, um texto dedicado a um Noales (ora nesse tempo se a memória não falha ela seria casada com um exilado político desse nome...) enfim demasiadas coincidências para não ser verdade. E vai daí tirei-me dos meus cuidados e apanhei a minha enteada Ana espetei-lhe diante do olho bonito uma fotografia de grupo nos idos de 64 (Eurico e Otílio Figueiredo e respectivas Berta e Gabriela, João Rezende e Laura Barros Moura – que já não está por cá- o Fernando e a Ruth, casal porreirinho que perdi de vista há séculos e a Maria João e eu, namoradinhos de fresco. E a Lena Pato, sem par (o marido exilado etecetera e tal...). e a contracapa do livro já citado). A Ana nem hesitou: é a mesma pessoa, basta olhar para a linha entre o nariz e a boca(!!!???). Pronto é mesmo a Lena.
Ora bem, falo deste livro porque pairam por este amável blogue alguns leitores curiosos que se queixam da falta de documentos relativos à história recente. Este pequeno livro de quase crónicas, escorreito e generoso, fala de um percurso, aliás de vários, de pequenas memórias, do ar do tempo que se respirava por aquel entonces. E dá-me prazer ver a Lena, com quarenta anos em cima, com coragem para passar a escrito alguma da sua vida. Se alguém a conhecer, digam-lhe que o Marcelo, o malandro “anti-revisa” que lhe deu o desgosto da notícia da queda do Krutchov se lembrou subitamente dela com a ternura de um velho combatente. E que hoje em dia acha que, mal por mal, o senhor K era melhor do que o seu sucessor Brejnev...fraca consolação.
2 O fantasma seguinte, amabilíssimo também, chama-se Marcela Torres. Não por ser Marcela, coitada, ela, como eu, não há-de ter tido qualquer culpa no nome que lhe puseram. Nada disso. A Marcela (e o Zé Bento) era da minha geração e foi uma amiga, uma enorme amiga. Foi também editora (Afrontamento), militante do MES, ex-MES, e tudo o resto. Era também filha do Flausino Torres, um intelectual comunista de primeira água que levou a sério o seu compromisso, tão a sério que teve que se exilar com a idade com que muitos vão para a reforma. E no exílio não se calou, não abdicou da sua liberdade critica ao ponto de enfrentar Álvaro Cunhal à conta da Primavera de Praga. Dessa vida, pelo mundo repartida, deixou farta documentação. E foi o neto, o Paulo Torres Bento, filho da Marcela e do Zé, que eu vi quase nascer, quem se encarregou de organizar um belo livro que agora a Afrontamento, editora de que ainda se falará, publicou. “Flausino Torres documentos e fragmentos biográficos de um intelectual anti-fascista”, prefácio e organização de Paulo Torres Bento.
3 Ele tem um bigode farfalhudo, bigode que faria o falecido “tovarich” Yossip Vissarionovitch Djugatchivilli, conhecido no século por Stalin, morrer de inveja. Um bigode destes daria direito a gulag. E boa parte dos poemas, idem. Falo do Fernando Echevarria, um poeta mais ou menos secreto. Ou melhor, um poeta cuja qualidade é inversamente proporcional ao conhecimento público. Um belíssimo poeta, raios partam o homem. E um livro, um senhor livro, 900 páginas ou quase! Só uma editora maluca da cabeça é que punha cá fora um tijolo destes. Ou então trata-se de uma senhora editora a quem tiro o meu chapéu. O livro vem belamente encadernado, traz uma caixa a envolvê-lo e resuma cuidado e amor por parte da editora. Assim, sim!
4 Fechemos este ramalhete com mais um amigo: Rui Graça Feijó, dr.phil. (ho la la!) por Oxford, 50 anos feitos. “Timor, paisagem tropical com gente dentro” prefácio de outro amigo, Jorge Sampaio. Editorial Campo da Comunicação. São cinco ensaios de análise política da autoria de quem foi assessor de Xanana Gusmão. Rui G. Feijó tem algumas qualidades e entre elas a menor não será a de escrever bem, concisamente, elegantemente. Um pouco à inglesa mas isso vem-lhe de ser “fellow” de Oxford. Poder-se-á não concordar inteiramente com as suas análises (eu não frequento nem frequentei a missa timorense e menos a timorfilia lusitana) mas há inteligência e generosidade no que RGF escreve.
Isto não é um favor! Eu não faço favores nem ao meu pai, em matéria literária. Era o que faltava. Nesta botica exclui-se o amiguismo. Mas também não aceito que o facto de ser amigo me torne mudo ou maneta.
Já mesmo em fim de texto sai-me à liça um curioso “Eça de Queiroz e os seus clones”. Até que enfim que alguém sai ao passo do professor Saraiva! E da sua tese, tirée par les cheveux, sobre a mãe de Eça. Eu, assisto aos programas do idoso cavalheiro num misto de espanto pela audácia e de fatalismo de pecador que procura redimir-se com o pequeno e semanal sacrifício de o aturar. Já o ouvi, com estas que a terra há-de comer, dizer que a Serra da Boa Viagem (Buarcos) teria esse nome porque quando os barcos zarpavam do Mondego a cerca de cinco quilómetros, a rapaziada na serra agitava os braços e berrava boa viagem! Deviam ter cá um destes vozeirões!... António Eça de Queiroz, bisneto de Eça, escreve com cuidado, bem mesmo, e acerta umas tantas ou quantas... Ainda só espreitei mas o que vi promete. Aqui para nós, o Eça anda a ser bastante maltratado por uma gente que não deve ler o que o homem escreve. Às tantas andam a ler o conselheiro Acácio e confundiram a criatura com o criador.
Quem quiser saber o que é um treponema pálido (brrr!) vá a um dicionário especializado. Para a gntinha da TLEBS não há frete, favor, obséquio, fineza, mercê o que quer que seja. Arrenegados!
5 comentários:
Olhe, M.C.R., eu subscrevi uma petição para que O Monstro, como superiormente lembrou o Manuel António Pina, fosse discutido na A.R., para nada...como acabei de saber.
Lembrei-me, não sei bem porquê, do Capitão Hadock, do Hergé, talvez por consultar Lello Universal, de 1978...« genero de protozoário..., ao qual pertence o agente da sífilis..», por este andar viramos todos um fio..Há!Há!
Em tempo,
Molt d'anys..!
Caro MCR:
Olhe que o arqueólogo toponímico da Serra da Boa Viagem, chegou, in illo tempore a ser publicamente elogiado, por...Mário Castrim. Muito tempo antes de 25 de Abril de 74, pouco tempo depois do famigerado episódio que alcandorou Alberto Martins para os poleiros onde se encontra e também na altura e a propósito de um programa de tv chamado O Tempo e a Alma.
Depois disso, quem é que entretanto se dedicou publicamente, à divulgação de História de Portugal, sob um ponto de vista minimamente interessante?
O dito cujo, Saraiva dos quatro costados e pessoa que admiro pelo seu arreigado conservadorismo, teve ainda um irmão que ainda admiro mais. E nem era tanto conservador.
Durante meses, em 74-75, dedicou a sua crónica semanal da Vida Mundial, a esclarecer o que se deve entender por fascismo, nazismo, colectivismo, socialismo etc etc.
Mario Castrim deveria ter uma vista excelente e um ouvido finissimo. Olhe que da Serra até á foz são no mínimo cinco quilómetros em linha recta...
Também eu gostava do irmão Saraiva cuja obra de resto tenho completa aqui em casa. Todavia o historiador aqui citado é por um lado propenso (e muito!) a dizer bacoquices e por outro um entusiasta da divulgação histórica que muito ganharia com um pouco mais de seriedade. não tem só defeitos, claro mas de vez em quando descarrila e de que maneira...
António José Saraiva escreveu com Óscar Lopes a obra de referência da história da literatura portuguesa. Quanto ao irmão José Hermano, o mais que se pode dizer é que é um bom conversador. Um historiador não é "aquilo".
Enviar um comentário