Um sentimentalão abençoado ouve blues
Já me chamaram muita coisas, algumas bem desagradáveis e nisso o prémio vai para uma inspector da pide que me apodou de “mentiroso incorrigível”, “alma danada da subversão académica” -!!!- e, pasme-se, “individuo com grossa actividade leninista-marxista” (sic!). Matutei no silencio da minha cela com vista para o mar da Palha, sobre o que seria, no vocabulário policial “leninista-marxista”, expressão de que nenhum grupúsculo da extrema sinistra se lembrou só para se diferenciar dos outros trinta que se alimentavam de revolução, exaltação e anti-revisionismo. Perguntará alguma leitorinha amável sobre a “grossa actividade” mas juro que não a poderei informar condignamente. Eu e os meus amigos fazíamos o que podíamos mas podíamos pouco. Éramos mais para o artesanal, policopiar umas proclamações, organizar umas passagens pela fronteira, editar livros via Centelha (“uma centelha pode incendiar toda a pradaria”, estão a ver?, Centelha essa, claro, que era a tradução directa, ao que sei, da palavrinha russa “iskra”, nome de um dos jornais do finado camarada Vladimir Illitch). –quem quiser saber mais, bata à porta do temível Rui Namorado, tenebroso fundador da editora e maligno e operoso esquerdista coimbrão. Ele tem uma memória de elefante, eu que o diga, que cada vez que escrevo algo sobre os anos sessenta, olho metaforicamente por cima do ombro para ver se o Rui não está de sobrolho franzido a murmurar que, se calhar, não era de todo em todo errada a acusação de mentiroso incorrigível...-
Mas basta de empatar e vamos ao que interessa: agora, uma amiga chama-me “sentimentalão abençoado”. Se calhar tem razão, eu sou, ou gostava de ser, um tipo que se indigna diariamente, que se revolta idem, que chora (ai isso sou uma fonte: comovo-me por tudo e por nada e, zás!, bica aberta!) e que é caninamente fiel aos amigos. Será isto ser um sentimentalão? E abençoado? Eu, um incréu dos de antigamente, sem deus nem mestre? Às tantas, tem razão. E mais, adorei este “abençoado”. Eu sou demasiado europeu para expulsar do meu léxico pessoal certas palavras e frases que são do nosso comum domínio comum (assim mesmo!) E nisso estão “que Deus tenha” “ao lado direito de Deus” e “abençoado seja” para não dizer mais.
E agora passemos ao blues. “Azuis!” dizia, e diz, o Chico Guedes, esse mesmo, organizador das “Correntes de Escrita” da Póvoa e do novel festival literário de Matosinhos (literatura em viagem). Azul é uma palavra boa, como laranja, mar, verão, ternura... E a tudo isso poderíamos juntar blues (am I blues? Everiday I have the blues!, etc...). Pois a verdade é que me apareceu na Bertrand, um sumptuoso álbum de fotografias de cantores de blues, feitas por Giuseppe Pino, com o título de Black & Blues (ear books ed). Ai, minhas irmãs sob essas avelaneiras frolidas: Aquilo é lindo de morrer! E traz quatro discos, quatro! Do melhor blues que se pode ouvir, gravado ao vivo no festival de Montreux se não me engano. Ou seja por 30 euros há um belo álbum e quatro discos!
E quem diz blues porque não há de dizer jazz? Não é a mesma coisa, já sei, ò protestantes! Mas vem do mesmo ventre fecundo, abençoado ventre, Deus o mantenha, vivo e a respirar!
Pois na mesma Bertrand estava posta em sossego “The Virgin Encyclopedia of Jazz”, um tijolão enorme de capa azul (estão a ver?....) coisa para 40 euros mais cêntimo, menos cêntimo. Ala, que se faz tarde! Ora raspe aí o magro cartão de crédito menina!
E agora esta quase novidade: as livrarias Bertrand concedem 10% de desconto aos sócios do Automóvel Club de Portugal. Comecei já a amortizar as quotas. Mas há mais. A mesma Bertrand tem agora um cartão de leitor que, ao fim de uma determinada quantidade de pontos por cada euro, oferece um voucher de 20 euros. Não é muito mas antes isso que nada que a vida está difícil para quem não é dono da sonae ou do bcp ou de outras coisas do mesmo género. O cartãozinho da Bertrand é acumulável com o desconto para os associados do ACP de modo que nem tudo é para perder.
Finalizemos esta viagem sentimental, azul, com duas boas novas: O Eduardo já é detentor de um fígado novo, ou quase, digamos que em segunda mão, melhor do que o desastre que tinha, já saiu dos cuidados intensivos, uiva de fome, coisa altamente positiva para qualquer ocidental (isto não é a Etiópia ou o Darfur, que diabo!) e tudo indica que se vai safar. Deus me ouça e a Senhora da Encarnação também, que é santa muito milagreira e muito da nossa casa buarquense. Nossa, da Maria Manuel, do Nélito Pinguel, do Octávio, minha.
A segunda, igualmente alviçareira é sobre o nosso JAB, José António Barreiros, esse mesmo, o dos livros sobre espiões, o do “O 13º Passageiro”, banda desenhada sumptuosa, editada pelo “Mundo em Gavetas”. Pois bem, o JAB andou também afligido por males vários, doente mesmo, uma chatice! Pois também ele arriba, diz-me a minha querida Kami, refinada faltosa neste blog, vamos lá a ver Madame K. se mete coisa mais substancial aqui na barca incursionista.
E o JAB não só arriba mas vai em breve apresentar o “13º Passageiro” na Cinemateca, com luxuosa apresentação pelo João Bénard, velho compincha do MES e de outros carnavais. E a sessão será completada com um filme do Leslie Howard, outro luxo para cinéfilos do gabarito do M.S.P. leitor de Proust e de mcr, um abraço.
Os pormenores da sessão serão atempadamente postados aqui no blog por Kamikaze que eu já estou farto de dar ao dedo.
3 comentários:
"Morta" de inveja por não poder estar aí e ter o prazer de comprar e ouvir/ver o álbum . ; )
Abraços,
Silvia
Olá, Marcelo.
Uma vez que gosta de blues, convido-o a dar uma saltada a Variações em MI - um estudo de blues a 3 violas (o ficheiro tem mais de 4 Megas, demora um bocadito a carregar).
Meu caro FBC
Benditos olhos o leiam, seu arredio dos diabos! Pois claro que vou ao tal MI. Resta saber se depois o consigo ouvir, que eu sou um nabo nestas coisas...
Um abraço
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