Deutschland bleiche Mutter
Desculpem lá o título em arrevesado alemão, quer apenas dizer “Alemanha mãe pálida” e é obviamente de Brecht. Ou melhor não tão obviamente porque um leitor amigo perguntou-me se isto não era de um poema (É, claro que é... e de Brecht) porque, dizia, numa consulta á internet só lhe saía uma senhora que fez um filme com este nome. E que até havia livros com este nome. É provável mas se os há, não conheço, espero que expliquem, muito explicadinho que é uma “citação”.
Aproveito pois a boleia desse leitor suspicaz (adoro esta palavra, sobretudo porque o dicionário do computador a repele por errada. Errado estás tu ó dicionário de meia tigela!) e "pranto" um título à crónica, que isto de arranjar título que se veja não é coisa de somenos (desta vez o computador não estranhou; está a civilizar-se!) Eu suo as estopinhas para arranjar um título se, acaso, ao começar a dedilhar o teclado ainda o não tenho. É que um título é como um muro em volta da crónica, não a deixa arrebitar cachimbo nem fugir à ordem do dia. Quando ainda não há título é uma desbunda: a prosa vai e vem como as ondas do mar de Vigo onde eu já não tenho velidas e muito menos veleidades. Quando lá vou é por livros e por marisco e tapas! Ai a velhice é uma chatice das antigas!
Bem, vamos ao que importa e que é a libertação de Brigitte Mohnhaupt, ao fim de 25 anos de cadeia. Cadeia mais que justa convém dizer que a rapariga não tinha frio nos olhos quando se tratava de assassinar um inimigo de classe. A graça disto tudo, se isto pode ter graça!, é que a Rote Armée Fraktion (fracção do Exército Vermelho, grupo Baader-Meinhof...) foi constituída fundamentalmente por jovens vindos da burguesia alemã, e da burguesia acomodada. Nunca conseguiram penetrar nos meios operários da antiga República Federal e não creio que os de Leste os tivessem por revolucionários. Mesmo se, em algum momento, lhes deram guarida. A RAF produziu uma literatura confusa e nunca foi perceptível um programa político para a Alemanha de que eles não gostavam. Sei que não é bonito dizer coisas destas de gente da minha geração mas faço já aqui a minha “declaração de interesses”, como parece ser moda: a RAF, a Action Directe (em França), os GRAPO (Espanha), a ETA e as Brigadas italianas (e similares que nisto a Itália exagera sempre) nunca foram da minha simpatia. Nunca lhes compreendi a acção, a falta de perspectiva, a arrogância intelectual de quem dá lições ao proletariado, como se já não tivessem bastado o finado e mumificado Vladimir Illitch e réplicas múltiplas que criaram a famosa teoria do “partido revolucionário de quadros profissionalizados”. E digo isto sem amargura. A época era outra e eles não tinham antecedentes nessa entrada numa vida monástica e rarefeita à base de revolução, linha justa, cisão, expulsão e critica destemperada a todo o bicho careta que tivesse um pelo fora do sítio. É claro que deram com os burrinhos na água e agora vai-se por ela, pela Revolução, e sai-nos um regime que criou igualdade por baixo, enxovias (outra de que o computador não gosta!) aos milhares, atraso económico e reacção generalizada. Não é em vão que na Polónia governa quem governa e que nos “Länder” do antigo leste alemão haja tanta receptividade ao nacionalismo mais torpe.
Mas voltemos à libertação da quase sexagenária Birgitte. Parece que causou muita celeuma a sua libertação. Que ela não tinha pedido desculpa; que ela ia voltar à mesma vida gangsterizada; que era uma vergonha libertar a criatura condenada a cinco prisões perpétuas (é obra: cinco perpétuas! O melhor é ser gato que assim ainda pode permitir-se pensar que lhe sobram duas vidas!). Tudo isto me faz sentir nojo, desculpem lá... É que eu venho de um país de brandos costumes, e como tal penso que vinte cinco anos é suficiente. A prisão perpétua não tem mais sentido do que a pena de morte. Sobretudo se a lei depois diz que perpétuo é apenas 25 anos. É que das duas, uma: ou a prisão é apenas um castigo e um castigo que deve ser adequado ao crime ou também tem uma função de recuperação social (os meus colegas penalistas vão dar urros... mas eu nisto sou assim, pouco dado a grandes especulações sobre essa coisa tremenda e temível que é estar encerrado entre quatro paredes 23 horas por dia). Se a segunda hipótese é boa então deixem a Birgitte em paz, a paz que ela não respeitou nem concedeu, mas a paz apesar disso. O resto chama-se vingança. E, em querendo, adoptamos outros valores, olhem os que presidem à charia (agora são os islamistas que me vêm chatear...) ou ao celebre “olho por olho” tão judaico e tão praticado. E se ela pedisse desculpa não viria logo alguém dizer que era para poder sair da cadeia?
Eu, desculpem lá, esta agora das desculpas parece-me uma burrada em três actos. Há uns tempos, o dr Mário Soares, pessoa que muito estimo e respeito, entendeu pedir desculpa em nome de Portugal, pelas maldades feitas aos judeus! O dr Soares pensou muito generosamente que isso era bonito e importante. Só que sem qualquer espécie de eficácia retroactiva! Ninguém saiu da fogueira, do auto de fé e de mais um par de canalhadas das inquisição. Ninguém! Os séculos XVI, XVII e XVIII não se apagam nem se modificam. O importante é o que hoje pensamos e fazemos. A história nunca se pode reescrever mesmo que com bons sentimentos. E mais: os judeus de há quatrocentos ou trezentos anos não eram como os de agora, melhores ou piores isso pouco importa. Nem os portugueses eram como somos...
Acabemos esta anarqueirada cronicante com uma referência a esse enorme poeta chamado Wolf Biermann. A cidade de Berlin entendeu conceder a este homem vindo do leste nos anos sessenta, a cidadania honorária. Nada mal para uma cidade onde os poetas nela nados e criados não são multidão. Pois logo se elevaram vozes discordantes: Biermann foi contra a guerra do Iraque, escreveu e escreve coisas pouco correctas politicamente, é uma espécie de comunista contra os comunistas do leste, alguém finalmente pouco fiável e recomendável. Depois espantam-se que apareçam as Birgitte, as Gudrun, as Ulrike...
Ai, Alemanha pálida mãe...
a gravura(eu acho-a um achado!) é de um cartaz alemão contemporâneo ou quase do poema de Brecht já citado. Cartaz nazi, claro, mas era isso mesmo que B.B. criticava...
Aproveito pois a boleia desse leitor suspicaz (adoro esta palavra, sobretudo porque o dicionário do computador a repele por errada. Errado estás tu ó dicionário de meia tigela!) e "pranto" um título à crónica, que isto de arranjar título que se veja não é coisa de somenos (desta vez o computador não estranhou; está a civilizar-se!) Eu suo as estopinhas para arranjar um título se, acaso, ao começar a dedilhar o teclado ainda o não tenho. É que um título é como um muro em volta da crónica, não a deixa arrebitar cachimbo nem fugir à ordem do dia. Quando ainda não há título é uma desbunda: a prosa vai e vem como as ondas do mar de Vigo onde eu já não tenho velidas e muito menos veleidades. Quando lá vou é por livros e por marisco e tapas! Ai a velhice é uma chatice das antigas!
Bem, vamos ao que importa e que é a libertação de Brigitte Mohnhaupt, ao fim de 25 anos de cadeia. Cadeia mais que justa convém dizer que a rapariga não tinha frio nos olhos quando se tratava de assassinar um inimigo de classe. A graça disto tudo, se isto pode ter graça!, é que a Rote Armée Fraktion (fracção do Exército Vermelho, grupo Baader-Meinhof...) foi constituída fundamentalmente por jovens vindos da burguesia alemã, e da burguesia acomodada. Nunca conseguiram penetrar nos meios operários da antiga República Federal e não creio que os de Leste os tivessem por revolucionários. Mesmo se, em algum momento, lhes deram guarida. A RAF produziu uma literatura confusa e nunca foi perceptível um programa político para a Alemanha de que eles não gostavam. Sei que não é bonito dizer coisas destas de gente da minha geração mas faço já aqui a minha “declaração de interesses”, como parece ser moda: a RAF, a Action Directe (em França), os GRAPO (Espanha), a ETA e as Brigadas italianas (e similares que nisto a Itália exagera sempre) nunca foram da minha simpatia. Nunca lhes compreendi a acção, a falta de perspectiva, a arrogância intelectual de quem dá lições ao proletariado, como se já não tivessem bastado o finado e mumificado Vladimir Illitch e réplicas múltiplas que criaram a famosa teoria do “partido revolucionário de quadros profissionalizados”. E digo isto sem amargura. A época era outra e eles não tinham antecedentes nessa entrada numa vida monástica e rarefeita à base de revolução, linha justa, cisão, expulsão e critica destemperada a todo o bicho careta que tivesse um pelo fora do sítio. É claro que deram com os burrinhos na água e agora vai-se por ela, pela Revolução, e sai-nos um regime que criou igualdade por baixo, enxovias (outra de que o computador não gosta!) aos milhares, atraso económico e reacção generalizada. Não é em vão que na Polónia governa quem governa e que nos “Länder” do antigo leste alemão haja tanta receptividade ao nacionalismo mais torpe.
Mas voltemos à libertação da quase sexagenária Birgitte. Parece que causou muita celeuma a sua libertação. Que ela não tinha pedido desculpa; que ela ia voltar à mesma vida gangsterizada; que era uma vergonha libertar a criatura condenada a cinco prisões perpétuas (é obra: cinco perpétuas! O melhor é ser gato que assim ainda pode permitir-se pensar que lhe sobram duas vidas!). Tudo isto me faz sentir nojo, desculpem lá... É que eu venho de um país de brandos costumes, e como tal penso que vinte cinco anos é suficiente. A prisão perpétua não tem mais sentido do que a pena de morte. Sobretudo se a lei depois diz que perpétuo é apenas 25 anos. É que das duas, uma: ou a prisão é apenas um castigo e um castigo que deve ser adequado ao crime ou também tem uma função de recuperação social (os meus colegas penalistas vão dar urros... mas eu nisto sou assim, pouco dado a grandes especulações sobre essa coisa tremenda e temível que é estar encerrado entre quatro paredes 23 horas por dia). Se a segunda hipótese é boa então deixem a Birgitte em paz, a paz que ela não respeitou nem concedeu, mas a paz apesar disso. O resto chama-se vingança. E, em querendo, adoptamos outros valores, olhem os que presidem à charia (agora são os islamistas que me vêm chatear...) ou ao celebre “olho por olho” tão judaico e tão praticado. E se ela pedisse desculpa não viria logo alguém dizer que era para poder sair da cadeia?
Eu, desculpem lá, esta agora das desculpas parece-me uma burrada em três actos. Há uns tempos, o dr Mário Soares, pessoa que muito estimo e respeito, entendeu pedir desculpa em nome de Portugal, pelas maldades feitas aos judeus! O dr Soares pensou muito generosamente que isso era bonito e importante. Só que sem qualquer espécie de eficácia retroactiva! Ninguém saiu da fogueira, do auto de fé e de mais um par de canalhadas das inquisição. Ninguém! Os séculos XVI, XVII e XVIII não se apagam nem se modificam. O importante é o que hoje pensamos e fazemos. A história nunca se pode reescrever mesmo que com bons sentimentos. E mais: os judeus de há quatrocentos ou trezentos anos não eram como os de agora, melhores ou piores isso pouco importa. Nem os portugueses eram como somos...
Acabemos esta anarqueirada cronicante com uma referência a esse enorme poeta chamado Wolf Biermann. A cidade de Berlin entendeu conceder a este homem vindo do leste nos anos sessenta, a cidadania honorária. Nada mal para uma cidade onde os poetas nela nados e criados não são multidão. Pois logo se elevaram vozes discordantes: Biermann foi contra a guerra do Iraque, escreveu e escreve coisas pouco correctas politicamente, é uma espécie de comunista contra os comunistas do leste, alguém finalmente pouco fiável e recomendável. Depois espantam-se que apareçam as Birgitte, as Gudrun, as Ulrike...
Ai, Alemanha pálida mãe...
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