23 abril 2007

Au Bonheur des Dames 62


Matosinhos, once again...

E o sonotone? Onde é que está o sonotone do gajo?, perguntou uma leitora, mais uma, ai que bom!, apontando-me a figura majestosa e cachimbante do escultor MSP que fumegava que nem uma locomotiva da linha do oeste (do oeste pois claro, mas do oeste pátrio, ocidental e lusitano, vocês é que são todos uns ignorantes, a escola é uma miséria, parece que já não se ensinam as linhas de caminho de ferro, com todas as suas estações e apeadeiros, isto agora é tudo auto-estrada, ou então alta velocidade -no papel, claro, no papel -, tem graça escrevi primeiro alta estrada e auto-velocidade, devia ser o que o Manuel António Pina chama erro criativo,) bem vamos lá ao que interessa, então não é que uma leitora me pespegou um beijo na face veneranda e perguntou desenvoltamente onde é que o Pereira trazia o aparelho auditivo, vai daí eu disse-lhe que ele tinha uma corneta daquelas antigas de encostar à orelha e ela ficou alucinada, mas isso é uma antiguidade, diz-me, também o MSP retorqui, se isto funcionasse como as antigas caixas de previdência, o escultor tonitruante já só andaria de cadeirinha, ao lombo de quatro escravos malabares e mais dois, um à frente com aquelas coisas que pareciam espanadores gigantescos feitas de plumas e outro atrás com a “saca dos precisos” (cachimbos, tabaco, canetas rotring, papel de desenho, um livro) que a senectude tem direitos, ora essa!
E a história da linha do oeste?, pergunta daí alguém, novo demais para saber destas coisas graves e pertinentes. Pois a linha do oeste é uma honrada via férrea que liga a Figueira da Foz a Lisboa, passando por irrelevâncias urbanas como Leiria e Caldas da Rainha, ora tomem lá que isto é para vingar a desfeita feita à Naval 1º de Maio pelo Sporting. Quatro a zero é demais, há-de ter sido o árbitro que deu uma ajuda...
Bem, tudo isto era para ser um fiel relato do segundo dia das jornadas “literatura em viagem”. Quem não veio que viesse e quem quiser saber coisas de mais apuro que vá aos jornais, eu fico-me por pequenas impressões, que ninguém me paga para ser o fiel cronista dos eventos. Matosinhos a todo o vapor: mais livros apresentados, mais duas mesas redondas, uma delas sob a minha isenta moderação, que foi aliás a única coisa em que fui isento (fora o serviço militar há quarenta e tal anos quando aquilo de ir às sortes era a sério e dava dois anos de degredo militar. Felizmente o médico que me inspeccionou era uma velho amigo que mentiu com mais aprumo que um hospital privado inteiro, aumentou-me a altura para uns garbosos metro e setenta e cinco, roubou dois quilos ao meu peso pluma – sim, que eu, nessa época, andava aí pelos 58 quilos mal pesados, não era o banhuças de agora, enfim o cavalheiro cheiinho que vocês eventualmente conhecem – roubou-me igualmente na escassa medida de peito de modo que tudo contado, pesado, dividido, dava um índice miserável, impróprio para a tropa garbosa e ainda mais para oficial, mesmo miliciano. Foi Deus, ou alguém por ele, que mandou esse amigo à minha inspecção militar, porque meses depois rebentava Angola e foi o que se viu. Nunca um imposto, a taxa militar, sessenta mil reis por ano, foi pago com tanta alegria e fervor. A tropa deu-me por inapto e eu mesmo sinto-me desde sempre vagamente inapto para uma série enorme de coisas, entre elas a de fazer carreira de qualquer espécie sobretudo política, não tenho jeito nem espinha flexível para aquilo, o erro é obviamente meu, mas pronto sou inapto, incorrigível e “não recuperável” como dizia o Sartre na última fala de “as mãos sujas”, eu, um dia destes conto-vos como o conheci, aliás conheci de uma penada e à mesma mesa de um restaurante bom, barato e abundante, o Sartre, o Eduardo Lourenço e um temível ex-dirigente da extrema esquerda maoísta francesa que dava por “Victor”. Comemos bem, bebemos melhor e depois andámos dois dias por aí a visitar a revolução. Fica para um destes dias...
Matosinhos dizia, e a minha mesa redonda. Então não querem saber que no exacto momento de apresentar os restantes mesários me dá uma “branca”, dessas que aterrorizam qualquer bom actor de teatro e nem dos nomes dos desinfelizes me lembrava? O pobre do Gonçalo Cadilhe, ai que inveja me faz, apareceu crismado como Fernando, da Dulce Maria Cardoso (de quem hoje mesmo vou comprar os livros que o JAB e a Kami dizem ser do melhor, que querem um tipo não pode ter lido tudo e eu, a Dulce, raspas de raspas, azar dos Cabrais, não sabia que ela me tocava na rifa e não me preveni, lendo-a, não tem mal, agora vai a eito, leio-a e depois digo. Vai daí pensei que ela tinha plasmado no primeiro livro, “uma escrita abissal” sussurrou-me a Kami, a sua experiência de desenraizamento de África mas ela, desenganou-me, nada disso, e eu fiquei atrapalhado, olá se fiquei. Felizmente o resto correu bem, o público falou que se fartou, aliás só se calaram quando o Xico Guedes me fez o décimo quinto sinal para fechar a loja e levantar a tenda (isto é uma repetição mas é tão bonita...) senão ainda lá estaríamos a discorrer sobre tudo e nada que é para isso que leitores, escrevinhadores e outros adeptos destes dois vícios solitários (é, eu também sei que há ainda outro mas a elegância estilística impõe citar apenas a leitura e a escrita...) se juntam.
A jornada terminou com um belo concerto do Rao Kiao, o raio do homem só melhora com a idade, e depois cada qual foi à vida que amanhã, hoje é dia de trabalho.
Mas não resisto a contar que Matosinhos foi durante uma breve tarde, local de encontro de vários bloggers (ou bloggueurs, Manuel António Pina?) porque apareceu o fugidio Coutinho Ribeiro, de filho (João) a tiracolo, o miúdo também já tem um blog, vejam lá, também é verdade que filho de peixe.... E o leitor Ferreira anunciou que também se estabeleceu por conta própria na blogoesfera, mas continue a visitar-nos, Ferreirinha, e mande a direcção do blog, homem! E o Fernando Venâncio, do “vitamina” também cá estava, ou seja, para o ano fazemos um congresso, em Matosinhos talvez a Câmara, tão porreirinha, nos ofereça um almocinho, pelo menos tão bom quanto o de ontem, na Boa Nova. Fica o recado, que de certeza, haverá quem o entregue... Nem falo da Kami, nossa venerada administradora nem do José António Barreiros que tem vários blogs, todos bons ainda por cima, que inveja. Ou seja estávamos bem representados mesmo se o incursões registasse uma ligeira maioria de participantes.
E pronto, chega de reportagem, que ninguém me paga o desgaste de material. Hoje é dia do Livro. Força, leiam um livrinho e que vos saiba! E que vos alegre a alma ou lá o que temos, um livro mesmo pequenino, tem muita serventia nem que seja para amparar o pé manco de uma mesa.

Na gravura: Três cachimbos de Carelman (Catalogo dos objectos impossíveis), a saber e de cima para baixo: cachimbo com fornilho posterior para fumadores que se incomodam com o fumo; cachimbo de fornilho alto para efeitos semelhantes; cachimbo duplo para apreciadores de misturas, basta pôr tabacos diferentes em cada fornilho e dar ao pulmão.Esta gravura é obviamente um sinal de preito e menagem ao Manuel.

2 comentários:

O meu olhar disse...

Olá MCR. Tenho pena de não ter ido a Matosinhos. Bem tentamos acelerar para chegar a tempo ao Porto mas, nada feito. Na Serra o tempo tem outra dimensão e quando damos conta… é sempre tarde para tudo o mais. Gostava muito de estar convosco. Quando a Kami ligou disse logo que sim, que ia. Paciência. Temos que marcar um almoço ou um jantar.
Um abraço

ferreira disse...

Marcelo...Fim de tarde e noite...para lembrar...maravilhoso!
ah, gostei de conhecer a Kamikaze e JAB.
De estar consigo é aquela ...cumplicidade.
Abraço