16 abril 2007

Diário político 47







A ver passar os comboios


Leio com a estupefacção que se adivinha que a junta da Galiza e a CCRN continuam empenhadíssimas no projecto de um comboio de alta velocidade entre o Porto e Vigo. A ideia é fazer com que a viagem entre as duas cidades (com uma paragem no aeroporto?!!) demore cerca de uma hora.
Indo por pontos: nunca me passou pela cabeça ir do Porto a Vigo de comboio mas acredito piamente que a coisa dê para rezar devagarinho um largo número de terços completos. Ou para ler um romance inteiro de Saramago. Ao que me consta o estado da linha não é brilhante, as máquinas são antiquadas, o conforto é uma mera anedota e o respeitável público não existe.
Criar um comboio atractivo entre as duas cidades significa em primeiro lugar criar condições de viagem idênticas em tempo gasto ao que demora o transporte em automóvel por auto-estrada. Ou seja coisa para hora e meia que foi o tempo que demorei ontem entre Porto e Vigo. E por um preço inferior, já se vê. Éramos dois e entre gasóleo e portagens terei desembolsado vinte e cinco euros. Ponhamos que iria sozinho. Alguém acredita que a viagem de ida e volta em alta velocidade me custaria apenas €12,5 ?
Desconheço completamente quantas pessoas se deslocam diariamente entre as duas cidades. Presumo, todavia que encherão um comboio, maxime dois por dia. Vale a pena?
Dir-me-ão que, se houver comboio aumentará a procura. Quanto? Mais: essa procura será apenas a de empresários ou alargar-se-á ás famílias ou aos malucos como eu que dão por bem empregada a viagem só porque se vai por uma ração de mexilhões ao vapor e três livros espanhóis dos que se não encontram na FNAC nem no Corte Inglês?
É que o investimento requerido (só para a parte portuguesa fala-se em mil milhões) parece respeitável mesmo sem pensarmos nas habituais derrapagens de preços.
Eu já tinha as maiores dúvidas quanto ao famigerado percurso Porto-Lisboa onde, informei-me, me dizem que se ganharão quinze vinte minutos em relação ao futuro pendular. Isto se não andarem a parar pelo caminho como é, ou parece ser, exigência de Coimbra e de Aveiro. As mal-intencionadas dúvidas pu-las honradamente a um amigo que desempenhou altos cargos na CP e é reconhecidamente uma autoridade em transporte ferroviário. Perante a minha insofrida ignorância explicou-me que a escolha entre o pendular e o “alta velocidade” acabava por ser uma questão política. E que os investimentos vultuosos tinham outra face completamente exterior ao mero transporte de passageiros. Apertei-o um pouco mais e ele acabou por me dizer que um alta velocidade, à francesa ou à espanhola, não fazia sentido entre as duas cidades. Assim sendo, tenho a certeza de que o projecto irá para a frente: em Portugal, os elefantes brancos são mais do que uma inocente mania. São uma exigência nacional. Assim se fez o Cachão, Sines, Cabora Bassa (que felizmente já entregámos e que nos custou mais do que todas as auto-estradas que ainda faltam, ou que a linha da alta velocidade, ou uma OTA!).
Provavelmente será por isso que querem fazer o Porto-Vigo. Já agora... O “já-agorismo” é outra lusitana característica. Se a gente já enfiou um pé na argola, porque não enfiar os dois? Vir aqui defender um comboio confortável mais ou menos pendular entre as duas cidades, sem paragens desnecessárias (ai meu Deus que dirão os de Braga?) ou mesmo um com as características de conforto e velocidade do inter-cidades que faz Porto Lisboa (trezentos quilómetros em menos de três horas e com paragens) parecerá assim tão despropositado?
Temo bem que um par de portuenses ferrenhos me apode de “mouro” que, para quem não sabe, é o insulto alarve dos ignorantes que ignoram tudo da história do rectângulo lusitano antes de Afonso Henriques.
Continuando sobre rails, medite-se agora no famigerado metro do Porto. Quando se fala de metropolitano vem logo à ideia um comboio subterrâneo que evitando o atravancamento das ruas nos põe rapidamente no outro lado da cidade. No Porto, como em algumas cidades europeias (que todavia têm condições diferentes) o metro é de superfície. Ou seja, desloca-se á vista do povo trabalhador com uma velocidade bastante controlada. Acrescente-se que corre em “via dedicada”. A dita cuja via dedicada foi obviamente roubada ao espaço público, às ruas pré-existentes e, se por um lado deixa o dito metro à vontade, atira para outras ruas as dificuldades que aqui se evitaram.
Isto dito, passemos ao misterioso caso da linha de metro da Boavista. A Boavista, para quem não sabe, é a única avenida digna desse nome que o Porto tem. Liga a rotunda da Boavista (aliás praça Mousinho de Albuquerque) às praias do Porto. Tem cerca de quatro quilómetros e serve uma zona de baixa densidade populacional. Bairros ricos, uma emergente zona de escritórios e a muito rica zona das avenidas do Brasil e de Montevideu (para quem também não saiba são uma e mesma rua frente ao mar que a meio inexplicavelmente muda de nome!!!).
Em tempos terá estado previsto, um eléctrico entre o Castelo do Queijo e a Rotunda da Boavista. Provavelmente ter-se-á antes previsto o prolongamento de uma linha de eléctrico que serve a marginal do rio e termina abruptamente no Passeio Alegre e que com um pequeno esforço chegaria às duas avenidas já citadas, ao Castelo do Queijo onde se ligaria com a linha da Boavista. E com um prolongamento para Matosinhos que, não se riam, foi destruído (por ordem do senhor presidente da Câmara?) para completar uma patética pista de automóveis antigos numa igualmente patética (para não dizer estúpida) tentativa de fazer reviver um circuito automobilístico que foi sempre provincial e provinciano (mas estamos no Porto cidade onde tudo é possível). O troço de linha de eléctrico destruído ainda nem sequer tinha sido estreado. Ora aqui está como se gastam largos milhares para nada... Alguns cidadãos protestaram contra esta burrice, contra a criação de uma via dedicada de metro que como se sabe exige também plataformas para passageiros que, dizem-me, deverão ter dois metros de largura (e lá se vai mais outra meia faixa de circulação ao ar!), contra uma linha de metro que custaria cinco vezes mais do que a do eléctrico, contra a mania do desperdício que afoga esta desgraçada cidade onde se fazem e desfazem coisas a uma velocidade meteórica, contra o mau planeamento do metro que, ao que “eles” dizem, já está saturado no percurso Senhora da Hora - Rotunda (!!!???), enfim contra esta incoerente política de transportes que dribla os usuários, que provoca manifestações violentas e que ocorre numa cidade em clara perda de velocidade e de habitantes.
O Porto, infelizmente, perdeu qualquer sentido cívico. A cidade admirável e admirada do século. XIX agora só pensa, só reage a uma palavra: Lisboa. Ou melhor a outra ainda mais enigmática: Terreiro do Paço. A ideia é que o Terreiro do Paço, agente maléfico da pervertida população lisboeta, só pensa em prejudicar o Porto. É uma espécie de Al Qaeda mas mais perversa e hipócrita. Mesmo quando dão dinheiro é para a gente o gastar mal e eles se rirem de nós. Se não derem é porque não querem o nosso progresso. E entretanto, os Xicos Espertos do Porto que usam este género de afirmações logo que podem piram-se para Lisboa e nunca mais se lembram dos indígenas.
Os que ficaram regougam coisas terríveis e durante um breve período calam-se como carpas. Mas é um silêncio falso: estão só a afinar a voz para pedir mais dinheiro para um qualquer outro projecto ainda mais megalómano. Pessoalmente aposto numa proposta de estádio ultramoderno para o Salgueiros e um ligeiramente menor para o Ramaldense! Ou uma pista de ski no morro de Pena Ventosa. E não me digam que não há neve. Se não há fabrica-se: ora aí está um investimento prometedor e muito apropriado a uma região onde o desemprego cresce.
É por estas e por outras exactamente iguais que os desanimados cidadãos preferem um Pinto da Costa, carregado de apitos dourados ou não e com a vida íntima exposta num livreco, à esmagadora maioria dos políticos locais, nativos ou importados. Apesar de pinto, canta de galo e ganha.

1 comentário:

Pedro Morgado disse...

Em resposta à sua pergunta (que não sei se era de retórica) sobre o que diriam as pessoas de Braga, digo-lhe o seguinte:

A sua proposta surge como parte natural de um extenso rol de tiques centralizadores do Porto relativamente à Região Norte.

Regionalização com 5 Regiões, NUNCA!