Desfulanizando…
(carta ao meu especial e caro companheiro JCP)
O meu companheiro (e amigo) de blog, JCP perguntava-me, num comentário, que mal me tinha feito um político para eu o criticar tão severamente.
Nenhum, absolutamente nenhum, excepto se considerarmos que as suas opiniões enquanto ministro reflectem as suas opções e, mais cedo ou mais tarde, se traduzirão em decretos-lei.
Portanto, e antes de continuar, vamos esclarecer já uma questão: se porventura alguém com responsabilidades políticas importantes me fizesse mal eu, se fosse caso disso, recorreria às vias normais, maxime judiciais.
Se a questão fosse meramente pessoal faria o que há muito já faço: cortaria relações com ele e NUNCA MAIS O MENCIONARIA. Tenho, ao que sei duas pessoas a quem não falo. Duas em sessenta e cinco anos de vida não me parece demasiado. Deixei de as “ver” há anos. Pode acontecer que passem por mim, que estejam em sítios onde estou, inclusivamente com pessoas amigas de ambos. Pela parte que me toca, não os vejo, menos ainda lhes falo, claro. Não existem, são, como no famoso livro, non persons. Os meus amigos referem-nos como “os não-nomeados”.
Portanto, quando aqui arreio em alguém com responsabilidades políticas, faço-o por exclusivas razões políticas que podem inclusivamente nada ter a ver com relações pessoais pré-existentes. E o que aqui digo, digo-lhes na cara, se tiver essa oportunidade.
Em segundo lugar, embora não escolha especialmente os meus alvos, ocorre que acho uma certa perda de tempo criticar os adversários políticos. Nada me liga a eles e só em desespero de causa é que vou por eles. Já com a minha gente, a coisa fia mais fino. É que as asneiras deles doem-me como se fossem minhas. E são-no porque isto de ter passado quase uma vida a pensar política, a fazê-la, a apoiar políticas e políticos dá-me, julgo, o direito de criticar alto e bom som aquilo de que discordo. Aliás esse direito (quiçá esse dever) já o tinha como mero cidadão.
Portanto, e encurtando razões, se porventura ataquei aí em baixo um ministro ou, melhor, se me mostrei desiludido com as suas prestações, é porque ele fez ou disse algo que me parece pouco conforme com os ideais comuns que me levaram a dar-lhe o meu voto. No caso concreto, o ministro Augusto Santos Silva deu uma entrevista ao Expresso se não estou em erro e tem expressado um par de opiniões sobre o papel da imprensa que me desagradam e que a serem tal e qual as li me parecem perigosas para a democracia. Isto nada tem a ver com o cidadão ASS que conheço, que me é simpático, que trato por tu, que é extremamente inteligente e tem uma bela carreira académica atrás de si.
As opiniões que expressou divido-as em dois blocos. Umas, as menos importantes, têm a ver com a langue de bois que ele utiliza excelentemente. Se ele fosse do PC não usaria uma melhor e toda a gente lhe cairia em cima com o estafado discurso da cassete. Quando quer, ASS assobia para o lado com uma destreza que me impressiona e entristece. Parece que não tem opinião sobre o tema X ou Y ou, pior, que tendo-a, entende não a dar. Dá a ideia que rupturas já não são com ele, que está bem e confortável no medíocre mainstream da actual política governativa. Quem o leu, com admiração e respeito, nos textos “margem esquerda” do falecido (ou em vias disso) “Público” durante o final do consulado Cavaco Silva não o reconhece nesta baça fotografia que ele dá de si próprio enquanto ministro. Lamento muito mas é assim mesmo.
A segunda questão tem a ver com a famosa lei que se prepara para a imprensa. E digo famosa no sentido de falada (por boas ou más razões). E isto porque lhe escapou a expressão “jornalismo de sarjeta” quando explicava candidamente que a putativa lei serviria apenas para limitar os estragos do dito jornalismo mal comportado. Ora, para isso, já há a lei penal geral Basta aplicá-la. Já não tenho o jornal à mão para com vagar poder exibir as provas da minha desconfiança. Eu, jurista de formação, leitor por gosto, interessado em política porque bem vi o que era o antigo regime, estou farto de ver jornalistas de outros países democráticos escrutinarem as vidas dos políticos. Basta ver o que agora se passa em França: o candidato Sarkozy tem visto a sua vida ser passada à lupa, as suas compras de casas e respectivas vendas são alvo de reportagens e comentários bastante duros, se os compararmos com a doçura dos nossos incipientes costumes político-jornalísticos. E o 1º ministro Villepin tem-se visto grego por via de um obscuro caso de cartas anónimas e listas de evasores ao fisco. Chirac tem andado nas bocas de todos os jornais por via de uma possível amnistia ao seu passado como presidente da Câmara de Paris. E por aí fora... em Inglaterra ninguém escapa, nem sequer a família real. Blair tem sido um “cristo”: se não é pelos negócios da mulher, é pelas férias sumptuosas num qualquer local exótico (não sei se isto lembra algo ao caro JCP) pelas mentirolas quanto ao Iraque, pela eventual venda de títulos aos ricaços que ajudaram o partido trabalhista. Na Alemanha, um caso como o de Sócrates dava demissão pela certa. Os alemães são temíveis nisto de títulos escolares. Aqui ao lado, em Espanha, basta ler o ABC a falr de Zapatero para ver até que ponto a imprensa chega sem ninguém lhe sair ao caminho. Se não fossem os jornais espanhóis que saberíamos nós da tentativa de ligar a ETA ao 11 de Março?
Portanto, em questão de lei de imprensa, chega o que já há. As Leis, caro JCP, devem ser mínimas! E poucas. A diarreia legislativa só produz obstipação política. E confusão. Muita confusão. Temos de nos habituar ao facto indubitável dos políticos serem permanentemente postos em causa, politicamente. Esses cavalheiros são os nossos feitores: confiámos-lhes a gestão da coisa pública por um prazo, sob condição. Ora o que se vê por aí é um qualquer sub-secretário de estado inchar como o sapo-boi e ameaçar do alto da sua pesporrência quem ousa incomodá-lo com umas perguntas. Como se ele fosse uma vaca sagrada!
Um ministro é apenas um servidor do Estado, um alto servidor, claro mas mais frágil e vulnerável do que um qualquer funcionário. Porque manda, nom de Dieu! Porque foi eleito! E porque, quando foi eleito, o foi na base de um programa (boa piada, esta, pelo menos em Portugal...) e de um conhecimento do público quanto às suas capacidades políticas e técnicas.
V. que é licenciado em História sabe bem que na Grécia clássica os políticos passavam rapidamente do poder supremo para o castigo popular, mormente o exílio (ostracismo ou ainda a atimia) por um determinado número de anos. Alguns dos mais notáveis atenienses viram assim as suas carreiras cortadas. Falta-nos isso por cá.
Espero, caríssimo amigo, ter explicado a razão da minha irritação quanto a um ministro. Nada de pessoal, tudo de político.
E já que estamos com a mão na massa passemos a uma segunda e deferente questão. É habito entre nós atribuir ao Estado (ou ao sistema) as culpas de tudo e mais alguma coisa. V, mesmo, o faz, no seu aliás excelente texto “Senhores engenheiros” mesmo no fim. De facto houve disfuncionamento do “Estado” quanto à tutela das universidades privadas. Conviria saber, porém, se isso ocorreu por erro estrutural ou porque nenhum dos sucessivos governantes do PSD ou do PS entendeu tocar numa negociata que tem enriquecido os apoiantes do “centrão”. Os escândalos e as acusações às universidades privadas tem já um longo historial entre nós e começaram quando as privadas começaram. E não foram os adeptos do ensino público quem ateou a fogueira ou sequer lhe deitou mais uma acha. Foram os próprios intervenientes nessa mescambilha que, zangados, se acusaram das piores coisas. O Estado e os seus funcionários têm costas muito largas mas convém aqui dizer alto, muito alto, que a maioria dos cidadãos e dos seus eleitos convive sem especial nojo com as fábricas de canudos, com a negociata do ensino privado, com a falta de critério. Neste momento vale tudo no mercado dos títulos académicos. E quando digo tudo quero dizer tudo. Mais uma razão para se ter a maior das cautelas na escolha da escola que os filhos vão frequentar... E isso é ainda mais verdade no caso de gente experiente e adulta que resolve, muito louvavelmente ir estudar. E já agora começar a ver o que se passa com mestrados e doutoramentos. Pelo menos os nacionais, já que não é possível acabar com o escândalo de certos doutoramentos no estrangeiro em universidades de duvidosa reputação...
este artigo foi escrito tarde no sábado. Tão tarde que me fui deitar. Hoje, domingo, o Vasco Pulido Valente vem dizer exactamente o que eu quis dizer no texto aí em baixo. Afinal não tresli. ASS disse mesmo o que eu pensava.
Na gravura: selo da universidade de Coimbra.
Nenhum, absolutamente nenhum, excepto se considerarmos que as suas opiniões enquanto ministro reflectem as suas opções e, mais cedo ou mais tarde, se traduzirão em decretos-lei.
Portanto, e antes de continuar, vamos esclarecer já uma questão: se porventura alguém com responsabilidades políticas importantes me fizesse mal eu, se fosse caso disso, recorreria às vias normais, maxime judiciais.
Se a questão fosse meramente pessoal faria o que há muito já faço: cortaria relações com ele e NUNCA MAIS O MENCIONARIA. Tenho, ao que sei duas pessoas a quem não falo. Duas em sessenta e cinco anos de vida não me parece demasiado. Deixei de as “ver” há anos. Pode acontecer que passem por mim, que estejam em sítios onde estou, inclusivamente com pessoas amigas de ambos. Pela parte que me toca, não os vejo, menos ainda lhes falo, claro. Não existem, são, como no famoso livro, non persons. Os meus amigos referem-nos como “os não-nomeados”.
Portanto, quando aqui arreio em alguém com responsabilidades políticas, faço-o por exclusivas razões políticas que podem inclusivamente nada ter a ver com relações pessoais pré-existentes. E o que aqui digo, digo-lhes na cara, se tiver essa oportunidade.
Em segundo lugar, embora não escolha especialmente os meus alvos, ocorre que acho uma certa perda de tempo criticar os adversários políticos. Nada me liga a eles e só em desespero de causa é que vou por eles. Já com a minha gente, a coisa fia mais fino. É que as asneiras deles doem-me como se fossem minhas. E são-no porque isto de ter passado quase uma vida a pensar política, a fazê-la, a apoiar políticas e políticos dá-me, julgo, o direito de criticar alto e bom som aquilo de que discordo. Aliás esse direito (quiçá esse dever) já o tinha como mero cidadão.
Portanto, e encurtando razões, se porventura ataquei aí em baixo um ministro ou, melhor, se me mostrei desiludido com as suas prestações, é porque ele fez ou disse algo que me parece pouco conforme com os ideais comuns que me levaram a dar-lhe o meu voto. No caso concreto, o ministro Augusto Santos Silva deu uma entrevista ao Expresso se não estou em erro e tem expressado um par de opiniões sobre o papel da imprensa que me desagradam e que a serem tal e qual as li me parecem perigosas para a democracia. Isto nada tem a ver com o cidadão ASS que conheço, que me é simpático, que trato por tu, que é extremamente inteligente e tem uma bela carreira académica atrás de si.
As opiniões que expressou divido-as em dois blocos. Umas, as menos importantes, têm a ver com a langue de bois que ele utiliza excelentemente. Se ele fosse do PC não usaria uma melhor e toda a gente lhe cairia em cima com o estafado discurso da cassete. Quando quer, ASS assobia para o lado com uma destreza que me impressiona e entristece. Parece que não tem opinião sobre o tema X ou Y ou, pior, que tendo-a, entende não a dar. Dá a ideia que rupturas já não são com ele, que está bem e confortável no medíocre mainstream da actual política governativa. Quem o leu, com admiração e respeito, nos textos “margem esquerda” do falecido (ou em vias disso) “Público” durante o final do consulado Cavaco Silva não o reconhece nesta baça fotografia que ele dá de si próprio enquanto ministro. Lamento muito mas é assim mesmo.
A segunda questão tem a ver com a famosa lei que se prepara para a imprensa. E digo famosa no sentido de falada (por boas ou más razões). E isto porque lhe escapou a expressão “jornalismo de sarjeta” quando explicava candidamente que a putativa lei serviria apenas para limitar os estragos do dito jornalismo mal comportado. Ora, para isso, já há a lei penal geral Basta aplicá-la. Já não tenho o jornal à mão para com vagar poder exibir as provas da minha desconfiança. Eu, jurista de formação, leitor por gosto, interessado em política porque bem vi o que era o antigo regime, estou farto de ver jornalistas de outros países democráticos escrutinarem as vidas dos políticos. Basta ver o que agora se passa em França: o candidato Sarkozy tem visto a sua vida ser passada à lupa, as suas compras de casas e respectivas vendas são alvo de reportagens e comentários bastante duros, se os compararmos com a doçura dos nossos incipientes costumes político-jornalísticos. E o 1º ministro Villepin tem-se visto grego por via de um obscuro caso de cartas anónimas e listas de evasores ao fisco. Chirac tem andado nas bocas de todos os jornais por via de uma possível amnistia ao seu passado como presidente da Câmara de Paris. E por aí fora... em Inglaterra ninguém escapa, nem sequer a família real. Blair tem sido um “cristo”: se não é pelos negócios da mulher, é pelas férias sumptuosas num qualquer local exótico (não sei se isto lembra algo ao caro JCP) pelas mentirolas quanto ao Iraque, pela eventual venda de títulos aos ricaços que ajudaram o partido trabalhista. Na Alemanha, um caso como o de Sócrates dava demissão pela certa. Os alemães são temíveis nisto de títulos escolares. Aqui ao lado, em Espanha, basta ler o ABC a falr de Zapatero para ver até que ponto a imprensa chega sem ninguém lhe sair ao caminho. Se não fossem os jornais espanhóis que saberíamos nós da tentativa de ligar a ETA ao 11 de Março?
Portanto, em questão de lei de imprensa, chega o que já há. As Leis, caro JCP, devem ser mínimas! E poucas. A diarreia legislativa só produz obstipação política. E confusão. Muita confusão. Temos de nos habituar ao facto indubitável dos políticos serem permanentemente postos em causa, politicamente. Esses cavalheiros são os nossos feitores: confiámos-lhes a gestão da coisa pública por um prazo, sob condição. Ora o que se vê por aí é um qualquer sub-secretário de estado inchar como o sapo-boi e ameaçar do alto da sua pesporrência quem ousa incomodá-lo com umas perguntas. Como se ele fosse uma vaca sagrada!
Um ministro é apenas um servidor do Estado, um alto servidor, claro mas mais frágil e vulnerável do que um qualquer funcionário. Porque manda, nom de Dieu! Porque foi eleito! E porque, quando foi eleito, o foi na base de um programa (boa piada, esta, pelo menos em Portugal...) e de um conhecimento do público quanto às suas capacidades políticas e técnicas.
V. que é licenciado em História sabe bem que na Grécia clássica os políticos passavam rapidamente do poder supremo para o castigo popular, mormente o exílio (ostracismo ou ainda a atimia) por um determinado número de anos. Alguns dos mais notáveis atenienses viram assim as suas carreiras cortadas. Falta-nos isso por cá.
Espero, caríssimo amigo, ter explicado a razão da minha irritação quanto a um ministro. Nada de pessoal, tudo de político.
E já que estamos com a mão na massa passemos a uma segunda e deferente questão. É habito entre nós atribuir ao Estado (ou ao sistema) as culpas de tudo e mais alguma coisa. V, mesmo, o faz, no seu aliás excelente texto “Senhores engenheiros” mesmo no fim. De facto houve disfuncionamento do “Estado” quanto à tutela das universidades privadas. Conviria saber, porém, se isso ocorreu por erro estrutural ou porque nenhum dos sucessivos governantes do PSD ou do PS entendeu tocar numa negociata que tem enriquecido os apoiantes do “centrão”. Os escândalos e as acusações às universidades privadas tem já um longo historial entre nós e começaram quando as privadas começaram. E não foram os adeptos do ensino público quem ateou a fogueira ou sequer lhe deitou mais uma acha. Foram os próprios intervenientes nessa mescambilha que, zangados, se acusaram das piores coisas. O Estado e os seus funcionários têm costas muito largas mas convém aqui dizer alto, muito alto, que a maioria dos cidadãos e dos seus eleitos convive sem especial nojo com as fábricas de canudos, com a negociata do ensino privado, com a falta de critério. Neste momento vale tudo no mercado dos títulos académicos. E quando digo tudo quero dizer tudo. Mais uma razão para se ter a maior das cautelas na escolha da escola que os filhos vão frequentar... E isso é ainda mais verdade no caso de gente experiente e adulta que resolve, muito louvavelmente ir estudar. E já agora começar a ver o que se passa com mestrados e doutoramentos. Pelo menos os nacionais, já que não é possível acabar com o escândalo de certos doutoramentos no estrangeiro em universidades de duvidosa reputação...
este artigo foi escrito tarde no sábado. Tão tarde que me fui deitar. Hoje, domingo, o Vasco Pulido Valente vem dizer exactamente o que eu quis dizer no texto aí em baixo. Afinal não tresli. ASS disse mesmo o que eu pensava.
Na gravura: selo da universidade de Coimbra.
2 comentários:
Caríssimo amigo, estamos de acordo no essencial das questões que coloca. Só me parece que tenho maior compreensão para o facto de que um membro do Governo, em o sendo, tem muitas vezes de alinhar o seu discurso pelo "colectivo", sacrificando, aqui e ali, as suas posições individuais.
E é obrigatório ser assim tão cinzento? E tão formal? E tão cassete? E tão his master voice?
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