13 abril 2007

Estes dias que passam 55


Errata

Na última edição de Au bonheur des Dames (a 58ª já!...) a memória (que já não é o que era) pregou grossa partida ao cronista. Ao citar um fantasmático filme que corria pelos escassos cinemas ao ar livre dos anos sessenta, usou-se a expressão "filha do grande "tanipur" em vez de filha do grande mogul.
Não faço ideia de que escaninhos esconsos surgiu o repelente tanipur que o pariu. Frequentei uma universidade antiga, antiquada, chatíssima (era obrigatório ir ás aulas ou então no caso dos estudantes voluntários havia a exigência de frequências para já não falar no exame final) . Felizmente agora as coisas são menos insultantes para a inteligência do aluno, menos repressivas (fascismo nunca mais, exames ainda menos). Voltando porém à vaca fria, o facto de ter aturado a espessa Coimbra poderia ser usado como desculpa para a minha actual perda de memória. Mas não. Parece que agora, qualquer ex-aluno dessas excelentes e modernas universidades privadas também tropeça em desvãos da memória para já não falar no sacrificio que é ter de aturar professores amigos. Eu tenho disso uma péssima recordação. Um assistente com quem muitas vezes tomei café no Mandarim e discuti política ferrou-me com um chumbo numa escrita. Protestei educadamente e então ele explicou-me que o meu ponto bem pesado dava o salvífico sete para ir à oral. E na oral talvez eu fosse capaz de ter o abençoado dez.
E então porque é que não me deu essa chance? perguntei. Porque se eu lhe desse um dez você ia gabar-se para todo o lado que me tinha levado à certa. E como não lhe podia dar a nota dos burros (11) chumbei-o logo ali. Assim fica com mais tempo para estudar para a 2ª época!
Hoje em dia, isto felizmente não sucede. Mesmo sem pôr o respectivo dito cujo nas aulas pode-se tirar uma nota que dantes era alta. Não que eu compare Direito com certas Faculdades mais técnicas, longe disso, qualquer comparação no caso em apreço seria fazer o jogo da reacção, do adversário político que batido nas urnas quer agora ganhar na secretaria... da faculdade.
Desculpem lá estes devaneios mas a história da filha do grande Mogul, majestosamente deitada numa liteira conduzida por escravos brancos, aparecendo na ponta esquerda do ecrã e deslizando suavemente para o canto inferior direito do mesmo, perturba qualquer um.
Perguntar-se-á porque é que à falta de comentário trocista ou crítico, me apresso a vir repor a verdade dos factos. As pessoas que me lêem estão-se marimbando para um filme velho que já nos anos sessenta apresentava cortes violentos e se transformava nua divertida carreira de imagens descosidas e medíocres. É verdade. Mas eu, ainda acredito naquela velha máxima: amicus Plato sed magis veritas. Ou seja: amigo de Platão mas mais ainda da verdade.
E é aqui que o caldo se entorna. Andamos todos demasiadamente habituados a ouvir mentirolas de todo o tipo e a aceitar que um político as largue como se isso fosse de boa guerra. Não é. É que hoje promete-se o bacalhau a pataco e amanhã quando soarem os primeiros protestos recorre-se a uns safanões dados a tempo. Ou a destempo, como já ocorreu. Os pais da república estão por isso sujeitos a um escrutínio forte, cerrado por parte do pagode. Se não quiserem, têm a porta aberta e só se lhes pede que fechem a luz. A devassa da vida profissional, dos títulos académicos, dos cargos desempenhados é conatural com a democracia. Ninguém anda por aí a gritar pelos cantos que A ou B são competentes por terem frequentado uma boa escola. Bush vem Harvard ou Yale, nem sei bem... e vejam o resultado.
O que se critica é alguém que não é actor de cinema nem está dentro de um filme fazer-se ( ou deixar que o façam por ele) passar-se pela filha do grande mogul. Ou de um inventado e insensato tanipur.
Ainda há pouco, um ano e meio, talvez, um político astucioso e sem escrúpulos tentou em cartaz insinuar que o seu adversário não seria tão viril quanto os costumes recomendavam. O país, dessa vez, ouviu, calou e atirou o caluniador para a maior derrota eleitoral dos tempos recentes. Porque isso, as inclinações sexuais do outro, mesmo se verdadeiras, eram do seu exclusivo foro privado. E porque ele nunca se declarara a favor ou contra uma determinada preferência sexual. E porque ela não contendia com a res publica mesmo num país como o nosso.
Outra coisa é esta simples questão: no currículo de um político cabem dados falsos ou, pelo menos confusos e intrigantes? Segunda questão: uma vez levantada a pergunta porque é que se não responde clara e rapidamente em vez de alegadamente se pressionarem os interrogadores? Terceira questão: uma universidade trapalhona até nas intendência, que corre o risco de ser encerrada por manifesta degradação pedagógica, que é alvo se sucessivos processos judiciais, que tem dirigentes que se tratam de camorristas uns aos outros, que usa o mesmo professor para dar quatro cadeiras, é "prestigiada"?
Eu sei que há comentadores, entre eles alguns que respeito muito, que entendem isto como uma espécie de crucificação pública de um político acima de toda a suspeita. E temem que este tipo de jornalismo chegue à calúnia pura e simples. Corre-se de facto esse risco. Todavia existem tribunais para repor a verdade dos factos, punir os caluniadores e contribuir para criar um clima que não só impeça a repetição do tal jornalismo de sarjeta mas igualmente o eventual uso da mentirola como meio de promoção social.
Há porém que atentar nisto: um jornalismo manso (como já houve e não há tantos anos assim) permite aos detentores do poder que tripudiem sobre as mais elementares liberdades públicos (como aconteceu!) e que persigam ferozmente quem destapa o escândalo (como aconteceu!!) e finalmente que por isso mesmo lancem o descrédito sobre toda a classe política (como também aconteceu!!!)

E aqui está como uma questão menor, de lana caprina, muito mal gerida por quem de direito se vai pouco a pouco transformando em algo bem mais desagradável e imprevisível. E patético. E que envergonha o simples cidadão que não tem outro remédio senão o de viver aqui. E ainda bem porque se vivesse sob o Grão Mogul (ver ilustração) qualquer dúvida sobre a excelência do príncipe era paga com a morte

2 comentários:

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Completamente de acordo, mcr. Contudo, parece-me evidente que as obsessões de certa blogosfera e de certos jornalistas não permitem parar ou abrandar. É sempre a abrir contra o malfeitor (ai os privilégios que ele nos quer tirar, ai, ai...) até que este caia para o lado ou que nova onda surja para ser cavalgada.

JVC disse...

"Eu sei que há comentadores, entre eles alguns que respeito muito, que entendem isto como uma espécie de crucificação pública de um político acima de toda a suspeita."

Marcelo, creio que esta frase pode ser um pouco redutora. Pela minha parte, tendo criticado forte e feiamente o Público pela falta de rigor e de lisura da sua pseudo-investigação, não me vejo obrigado por isso a considerar Sócrates acima de toda a suspeita.