09 abril 2007

Estes dias que passam 53


Adendar o adendável e tratar do inadiável

Ou eu sou ainda mais trengo do que penso ou o computador anda a pregar-mas. De facto não consigo põr em comentário seja o que for usando o mesmo nome e senha com que abro este texto.
De certo modo há males que vêm por bem porque me parece que estas coisas têm a dignidade suficiente para serem alvo de um postal e não de um comentário que poucos lerão.
A história continua a ser a mesma: um texto meu sobre o Adriano suscitou um comentário e teve a honra de ser reproduzido no excelente blog do JoãoTunes "Agualisa6" de que já aqui se disse todo o bem. Portanto e para começar, quando digo que o meu texto foi honrado com a sua reprodução é isso mesmo que, grata e alegremente, quero dizer.
O Raimundo Narciso (espero que não me leve a mal este desenfadado modo de o nomear), comentou o meu texto em termos que agradeci e a que repliquei. O problema segundo um segundo comentário, desta vez de João Tunes, é que o meu texto "adenda" pode ser ou parecer agreste. Seguramente que o erro é meu. Escrevi depressa, numa ânsia gulosa de ir para o cabrito pascal e a fome foi má conselheira. Vejamos se a resposta agora a seguir dada ao João Tunes consegue repor as coisas no seu lugar.

Meu caro João Tunes

A Páscoa só abençoa os que nela acreditam pelo que é provável que o meu texto, texto de um agnóstico total, possa ser lido vendo nele intenções que não tenho nem tive.
Efectivamente não é o cidadão RN que pretendi atingir mas apenas e só o modelo de organização política que ele serviu e que o impedia (e impediria o Adriano) de se compreenderem, de desabafarem. De, numa palavra, terem ambos uma conversa banalmente normal e normalmente entendível.
Isso, essa trágica impossibilidade, decorre, de facto, do tipo de estrutura em que ambos militavam e da sua permanente autofagia.
Os aparelhos têm essa caracteristica de se auto-purificarem constantemente, de lançarem para as trevas exteriores os réprobos e os malditos por boas ou más razões. sobretudo por estas.
Houve quem chamasse a isso stalinismo mas desconfio que a "coisa" teve mais pais subtilmente poupados, por exemplo Lenin... Há males que são como o brandy Constantino: vêm de longe. E Lenin foi um hábil separador de águas e condenou com inominável violência muitos dos que com ele lutaram contra o czarismo. O partido para Lenin era uma organização disciplinada, quase militar (a exemplo de certas ordens monástico-militares...) e "purifiicava-se" depurando-se.
Que um labroste ex-seminarista que fez as suas primeiras armas na organização logística e financeira do POSDR tenha posteriormente sido cooptado para a comissão Central e daí passasse a sucessor de Lenin, é sobretudo um acaso da história ou uma prova da brutalidade inerente a este tipo de organizações políticas.
A partir de um certo momento os partidos de obediencia bolchevique pautaram a sua disciplina interna pela cartilha de Stalin quando não a melhoraram ou refinaram. E isso é como uma marca de água a que nenhum escapou. E aí entra o PCP onde os mesmos processos tiveram os mesmos resultados.
E era isso que eu condenava. Isso e a mistificação histórica que agora piedosamente faz do triturado Adriano uma espécie de "santinha da ladeira" do povo pcp.
Em segundo lugar, gostaria de exclarecer que não me abono especialmente com o facto de nunca ter caído no magma pcp. Tive sorte, havia alternativas, "não era de confiança", estava pouco disposto àquele género de disciplina e sobretudo faltava-me a fé total e completa (lera demasiado Rilke, demasiados cartesianos e demasiado surrealismo) para embandeirar em arco ao som da gaivota que voava voava. Aliás não gosto de gaivotas, são inuteis como comida, e más como caçadoras...
Se, por um lado, posso fazer o esforço e o exercício inutil de compreender os modos de estar e os tempos dos altos responsáveis do PCP, mesmo depois do 25 de Abril, não deixo, porém, de me surpreender com a sua disciplinada obediência ao que, lá dentro do partido, era o politicamente correcto. Acredito de resto que RN e muitos outros (os meus amigos Zé Barros Moura ou João Amaral) passaram horas más a engolir o sapo vivo ou mesmo um que outro elefante.
Não ponho em dúvida o pesar de quantos hoje olham para trás e pensam que uma palavra ("...dizei uma só palavra e a minha alma será salva...") poderia ter feito a diferença. Acredito igualmente que as palavras de RN sejam o que V. chama uma auto-crítica.
Como já lhe disse sou agnóstico: não uso auto-crítica nem confissão seja a um sacerdote ou in imo pectore. Isso todavia não me salvou de muita burrice, de muita presunção e de ter provavelmente ofendido alguém. Dada a minha caracteristica incredulidade já apontada resta-me viver com isso e esperar que a partir de agora não cometa as mesmas asneiras. Terá sido por isso que não cuidei de polir o que eventualmente pode ser "agreste" no meu texto.
Note, contudo, e finalmente, que a minha resposta a RN implica pelo menos uma coisa: achei que poderia dialogar com ele ou com qualquer outro, coisa que, se o tivesse por stalinista convicto, seria uma inutilidade. E uma perda de tempo. Não penso que o seja e por isso entendi responder-lhe. E de pedir desculpa se fui insultuoso. Não o quis, não tenho esse hábito, e não erstou disposto com esta idade a começar uma carreira à Fialho de Almeida (ainda por cima falta-me a sua qualidade de escrita...)

Agradeço-lhe, embevecido, a citação no seu blog: isso sim é que é algo que dá dimensão a uma escrita como a minha.
Um abraço

3 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Comentário de João Tunes - recebido por email:

Caro M.C.R.,

Como também sou canhestro a entrar na vossa “caixa de comentários”, lá tenho de recorrer ao mail para um novo desfiar na nossa conversa (que pena faltar boa bebida e melhor conduto como companhia e em santa função de catálise).



Sobre as eventuais susceptibilidades derivadas de humores pascais, não meterei mais na escrita. Houve emocionalidades de parte a parte, derivadas por cada um sentir um seu amigo levar um abanão. E como é uso e costume entre nós, portugueses, cada um gosta de ter o privilégio exclusivo de puxar orelhas a familiares e a amigos mas abespinha-se se um dedo fora da tribo arrebita a unha. Mas como conseguimos ambos não perder a elegância no trato com os galhardetes, julgo os mal entendidos mais que percebidos e a merecerem arquivo.



Mas a sua prosa vai mais longe. Para questões actuais, diria históricas, porque, vindas de longe, continuam a andar por aí. No meu caso, interessam-me discuti-las. E consigo, se o enfado não o fatigar.



Dou-lhe razão em considerar que o estalinismo não foi uma contra-mão nem uma excrescência relativamente ao leninismo. A lógica, a essência aparelhística do estalinismo, a banalização instrumental do crime desde que ao “serviço do partido”, a hipervalorização do terror e do vanguardismo policial, está toda em Lenine e foi plasmada na forma particular da conquista do poder pelo Golpe de Outubro e da sua defesa e consolidação. Mas, na época de Lenine, os “inimigos” estavam fora do partido e “todo o partido” era pouco para eliminar as classes adversas, as recalcitrantes e as franjas das classes supostas como dentro da revolução que perceberam cedo que os interesses do partido eram uma outra história que a da luta de classes (Kronstad foi o exemplo mais sangrento dessa erupção de lucidez e, aí, Lenine e Trostki liquidaram Karl Marx, afastando-o para sempre da experiência soviética). O facto de a era leninista se ter passado toda na batalha incompleta contra as resistências exógenas explica que Lenine tenha mantido uma espécie de “intra-democracia” na cúpula partidária, embora tenha regredido quando impediu a continuação da existência de fracções, afunilando o “centralismo democrático”. Estaline ascendeu ao comando supremo por perícia no domínio da arte da intriga entre erupções de afirmações e rivalidades fraticidas na cúpula bolchevique (afinal, a grande herança partidária de Lenine). Estaline, enquanto absolutiza o seu poder, liquidou o que sobrava de “classes hostis” (sobretudo na chamada “deskulakização”, particularmente sangrenta para os camponeses da Ucrânia). Chega logo depois o ciclo patológico e sanguinário virado para dentro do partido, liquidando toda a velha guarda bolchevique e prosseguindo um permanente banho de sangue que, ao mesmo tempo que liquidava os quadros comunistas (muitas vezes por mero cumprimento de quotas), fazia ascender novos quadros necessariamente tão aterrorizados quanto perfidamente obedientes. No PCUS e no movimento comunista internacional, ser-se comunista passou a ser uma forma impositiva de obedecer a Estaline (localmente, também a cada um dos seus cônsules do momento). Em termos internacionais, com a substituição do objectivo da “revolução mundial” pela do “socialismo num só país”, ao amor total por Estaline somou-se o amor exaltado pela União Soviética. O PCUS transformou-se num partido monárquico guardado pela polícia. Cada PC imitou-o à sua escala, com maior ou menor colorido nacional, mas cada qual cioso da reprodução mimética das patologias da casa-mãe.



É especulativo adivinhar se Lenine, caso vivesse mais tempo, chegaria à monstruosidade dos entorses político-psicóticos atingidos por Estaline nas suas sucessivas degenerescências. Talvez sim. Mas o facto é que o “Partido de Estaline” (no modelo que perdurou e se reflecte actualmente no PCP) foi diferente do “Partido de Lenine”. Embora, na URSS, todas as tentativas de corrigir os entorses do legado estalinista (com Krutchov, com Gorbatchov) tenham invocado o “regresso ao leninismo” e todas tenham falido, demonstrando que, depois de Estaline, já não podia haver leninismo sem estalinismo, prova da ligação indissolúvel entre ambas as práticas.



O estalinismo como prática comunista é um modelo rígido mas plástico. Difere entre um partido no poder e um partido em minoria nas democracias e mais ainda quando na clandestinidade. Apresenta permanências (o mando de uma fracção oculta sob a capa formal do centralismo democrático; a disciplina militar; a obediência cega aos controleiros; a religiosidade do culto; os rituais; o apagamento das individualidades, além da do Querido Líder, perante o colectivo, o partido) mas distingue-se na capacidade de reproduzir infinitas duplicidades consoante as circunstâncias, as necessidades e as conveniências. E o espantoso e eficaz jogo de duplicidades se é projectado para fora, para a opinião pública e para os eleitores, num intrincado jogo de sofismas, também tem efeitos internos sobre os seus militantes, permitindo-lhes “mentirem-se” para conservarem a fé e a disciplina, vendo só o que “serve o partido” e afastando da reflexão e dos sentimentos o que o prejudique ou belisque. Cada militante comunista faz este compromisso de autoalienação como preço sacrificial pelo interesse da causa a que se dedicou.



A descrença e a dissidência comunista é, normalmente, um processo complexo, doloroso e despoletado por fenómenos (contaminações) externos. Há variantes de caminhadas individuais para o desencanto e a dissidência mas predominam os que se processam em (pequenos) sub-grupos, fazendo-se por vagas, género “descasque da cebola”. Para referir os três “dissidentes” que citou, não foram “contaminados” ao mesmo tempo e nenhum deles foi “contaminado” quando os “seis (Vital Moreira e camaradas)” descarrilaram. Antes, cerraram fileiras na “defesa do partido” e na condenação das “práticas fraccionárias”. Depois, chegou a vez da “terceira via” (onde se contaram Raimundo Narciso e Barros Moura). Aqui, João Amaral manteve-se fiel, não “cedeu” e cerrou fileiras. Veio a hora de João Amaral, Carlos Brito, Edgar Correia e outros (hoje agrupados na “refundação comunista”). Será entre os que então voltaram a cerrar fileiras, que saltarão os próximos dissonantes. Mas o grosso das fileiras, descascando-se dos dissidentes em luta política contra a direcção, é e será constituído pelos crentes eternos e pelos que silenciosamente se vão afastando sem assumirem o corte e não lhe pagando, assim, o preço da perturbação do desencanto e do repúdio. E, assim, o futuro do PCP será o seu progressivo definhamento (com fases transitórias de ligeiras recuperações) pelo afastamento de militantes e eleitores, enquanto os militantes persistentes irão respondendo à decepção da impraticabilidade da revolução pelo agudizar do radicalismo político e do espírito de seita (de qualquer forma, adiando mais a sua morte que a via súbita de extinção que seria a da via renovadora pela conversão democrática e pelo repúdio do estalinismo pois que um “partido comunista democrático” é uma utopia aberrante).


Pedindo-lhe desculpa pela atenção tomada, receba um abraço do


João Tunes

Kamikaze (L.P.) disse...

Meu caro Marcelo:

creio que poderá de novo inserir comentários assim:

insira em USERNAME a sua conta de email associada ao seu perfil (mcr), ou seja, a sua conta netcabo;

depois insira a sua password.

Em princípio deve funcionar!

Abraço da Kami, convalescentes de miasmas vários, próprios e dos filhotes, mas tentando, ao menos, manter a assistência "técnica" ...

Já agora um pedido: antes de numerar as suas crónicas veja qual a numeração da anterior - com as etiquetas é fácil, como sabe :)

Quanto aos demais leitores que queiram comentar: com o New Blogger o username tem de ser uma conta de email; para fazer o loggin é só seguir as instruções do próprio blogger.

M.C.R. disse...

Meu caro JT
espero poder um dia destes encontrá-lo ao vivo para discutir, comer e beber nesta ou noutra ordem.
Excelente texto o seu!
e mais não digo porque isto daria pano para mangas (de um regimento. diga as suas coordenadas e logo veremos...

Querida Kami

espero que já esteja melhor. vou seguir imediatamente o seu conselho.
E vou ter cuidado com a numeração...