10 abril 2007


O Rui Namorado, poeta e meu amigo desde 1960 (uma vida!), companheiro de Caxias em 62, conspirador nato, alma abençoada do "conge" em 69, fundador da editora Centelha e mais um cento de coisas, manda-me quatro poemas dedicados ao Adriano. Foram já publicados no livro (a ler com urgência!) "Sete Caminhos" pela Fora do Texto Editora (o mesmo é dizer pela velha e inquieta Centelha) mas há por aí leitor(es) que os não conhecem. É para eles e para o João Tunes (leiam o comentário dele ao meu "estes dias ... 53" e digam lá se não vale a pena escrever aqui para ter comentários daquele gabarito...) e (a expresso pedido do Rui) para o Raimundo Narciso, que os poemas vão.
Peço desculpa ao meu caríssimo amigo carteiro por o substituir nesta amável tarefa de levar a carta a Garcia mas também é verdade que me arroguei em tempos do título de "recoveiro do Foco" o que me permite de longe em longe este tipo de recados.

(a ilustração é uma reprodução de uma das composições de Mondrian)


QUATRO POEMAS DE SAUDAÇÃO E MEMÓRIA
(para Adriano Correia de Oliveira)


1.
estamos todos fechados na parede do tempo
nessa teia bem triste onde os anos se perdem
no Penedo absortos descobrindo a Saudade

fomos espanto e guitarra ousadia e ternura
uma garra prendendo o terror que morria

nessa noite arrepio tão amarga tão espessa
o futuro era tanto o futuro era tudo
nessa noite onde fomos a mais louca semente

2.
a boémia bebida gota a gota com raiva
a boémia sorvida alegria tão breve
era então que nos ríamos do que havia de ser

uma casa cercando o bolor destes anos
o emprego roendo gota a gota levando
o que resta no fundo dessa larga memória

era então que aventura
era estar devagar nessa curva do tempo
onde a areia mais leve se perdia entre os dedos
dia a dia fugindo ansiosa e suave

era então que nos ríamos devagar sem saber
desta náusea futura que ainda havia de ser


3.
Na secreta raiz de algum poema
tu nasceste por dentro das palavras.

Cantar era para ti uma viagem.
Sentias a revolta, nervo a nervo,
como um pássaro ferido.

Neste tempo rasteiro e abafado,
guardavas o veneno precioso.

Ias para longe de mais e o tempo passa:
os milhafres do nojo prosseguiam,
rasgando a carne pura do teu sonho.

Matavas o silêncio.
Mas na sombra do tempo houve uma pausa,
um outono mais rápido,
um inverno mais súbito.
E as pétalas da noite desabaram,
corroendo o teu nome de grinaldas perdidas.


4.
Procura-se o criminoso !
Na treva mais remota,
nos pensamentos mais lisos,
na lógica mais fria,
nos lugares mais comuns,
nos sonhos mais seguros,
nos corações lineares,
no denso labirinto
das pequenas traições,
é possível encontrá-lo.
Procura-se o criminoso:
como encontrar o castigo?


1 comentário:

rui rebelo disse...

grande Adriano.