01 maio 2007

Au Bonheur des Dames 65


"Maio, maduro Maio quem te madurou?"

Ai, eu às vezes sou presa de uma tal preguiça que não há palavras que a possam honradamente definir. É uma preguiça que ultrapassa o vulgar pecado mortal com que nos azucrinavam a infância nas aulas de doutrina, felizmente que o meu pai era o médico de mais de metade de Buarcos e isso dava-nos algumas pequenas compensações, a mim e ao meu irmão, sendo a maior e a mais grata, a indulgência da nossa professora de doutrina, Jesus, que primavera mais comprida aquela, o sol lá fora e a professora de doutrina a ensinar-nos o salve rainha e o acto de contrição, mailas virtudes teologais. Ai o sol lá fora e nós, meninos rabinos, a quererem escapulir-se para o parque de Sotto Mayor, para ir roubar nêsperas, outro pecado capital, para já não falar na ira com que olhávamos a pobre professora que nos queria livrar do mal e de todos os pecados, mas há lá pecados num garoto de sete ou oito anos?
De modo que a preguiça a rondar-me a alma perdida e pecadora. E um texto sobre o 1º de Maio a ocupar-me a malvada cabecinha pensadora. E eu, regalado, a ouvir, umas criaturas jovens a tocar no canal Arte, agora é um concerto de Haydn, que bem tocam estes miúdos, miúdos é uma força de expressão mas que eles podiam ser meus filhos ai lá isso podiam. E eu, práqui (escrevi práqui, tal e qual, e depois? Querem bater-me? Vão chamar a senhora ministra da educação para me açoitar? Sim porque se não for para isso não sei para que é que a criatura serve, ela e a TLEBS, se bem que esta última talvez fizesse bem ao senhor primeiro ministro, um curso inteiro de tlebs que é para ele aprender a não saltar de escola em escola e de cadeira em banco e deste em nada ou quase...)
Já me perdi, isto do primeiro de Maio é terrível, eu a querer escrever um texto heróico e só me saem ramboiadas, a maior das quais é esta: há muitos anos quando ninguém podia festejar o 1º de Maio, eu, por blague, dizia que gostaria de morrer num 1º de Maio depois de ter desfilado livremente pelas ruas, almoçado como um lavrador e dormido com uma moçoila boa de ver e melhor de apalpar. Claro que depois viria a congestãozita da praxe e zás, catrapáz, eu esticava o pernil e restante cadáver que nem um tordo. Mas abençoado pela caminhada e com o espírito leve de quem fez, e bem, amor. O primeiro de Maio já cá canta, é livre como se deve, mas não desfilei. Fui até ao molhe pela manhã beber um café e ver um mar picado pelo vento a desfazer-se em espuma nos rochedos. Estava vento, olá se estava, mas vinha carregado de maresia e o sol, se não aquecia, também não mordia as carnes. À tarde ferrei-lhe uma ligeira sesta, já com este texto (este não, um outro mais decente e sério) na cabeça. Depois foi o que se viu, ou não viu. Andei a arrumar umas coisas, a catalogar livros e quando dei por mim o texto ainda andava a atormentar-me a mioleira. Lá me decidi a meter pés ao caminho e mãos ao MacBook Pró e saltou-me um título tão Zeca Afonso. Ora bem, já que aí estás, fica, que o Maio maduro maio acaba por querer dizer tanto ou mais do que eu quereria. Celebremos pois o Maio versão Zeca e tudo o que daí pode vir: uma promessa de fruta, de luta, de verão sem aulas de doutrina, sem doutrinar quem quer que seja mas apenas lembrando entre um copo de vinho e uma mão cheia de azeitonas, o trabalho decentemente pago, a livre escolha dos caminhos que queremos percorrer, a fraternidade, a liberdade e tudo o mais que nos faz orgulharmo-nos de ser homens.
E se, acaso, algum de vocês se lembrar de entoar a internacional, conte comigo que ao som generoso dessa cantiga muitos sonhos se fizeram. O que, depois deles, terá ocorrido, não é da responsabilidade da música ou dos ideais generosos que ela anunciava mas apenas do que, mais uma vez, os homens fizeram. É bom que se não deite fora com a água do banho a criança que nela se banhou.
Bom primeiro de Maio, amigos e camaradas desta jornada, do incursões, do agualisa 6, do anónimo da harpadecristal ou do meubloconotas. Saravah João Vasconcelos Costa, Coutinho Ribeiro, João Tunes e Ferreira o leitor reconvertido em blogueur. Saravah leitora Zé Albarran, dá um abraço ao teu Zé, o prémio da latinidade que lhe atribuíram é mais que justo e alegra-nos a todos os seus leitores. Saravah companheira Sílvia, lá do outro lado do mar mas deste lado do coração, saravah leitoras e leitores esforçados que me aturam mais do que mereço, gozem este fim de dia com ou sem internacional, com ou sem o Zeca mas lembrem-se dele e do Eugène Pottier (letra) e do Pierre de Geyter (música) os da Internacional com piedade e alegria.

...Paz entre nós e guerra aos tiranos!...

2 comentários:

ferreira disse...

Saravah, M.C.R
Um Abraço,

Silvia Chueire disse...

Saravá, MCR! Lembrei-me de vc neste 1o. de maio. Era eu do lado de lá do mar...

Um abraço,

Silvia