O marceneiro escultor viaja à boleia
mas dorme muito
mas dorme muito
Isto de vir à capital com eminentes finalidades culturais tem o seu quê: primeiro nunca se sabe o tempo que faz pelo que há que acautelar todas as hipóteses. Depois de um Abril quase sempre estival, eis que Maio se anuncia tradicional (em Maio comem-se as cerejas ao borralho...). Em segundo lugar punha-se outra ingente questão: será que a Tia Néné do alto dos seus oitenta anos admite que se vá ao lançamento do 3º livro da filha sem gravata ou, à cautela, veste-se o eterno casaquinho azul (o casaco de ir ao cônsul como dizia o Zé Ferraz sempre receoso de, numa viagem pelas estranjas, ter de recorrer aos cacaus consulares para ser repatriado por indigência manifesta) e leva-se a gravata no bolso, just in case? Finalmente, devemos marcar jantar ou partimos à aventura na esperança nem sempre concretizável de comer um jantarinho decente à conta do editor, das autoras, de familiares generosos, enfim de alguém que queira mostrar-se à altura dos acontecimentos?
E no caso de se concretizar essa voluptuosa e extravagante hipótese (comer à borla) leva-se o Pereira que viajou connosco ou remetêmo-lo para o filho e este que se desengome?
Por aqui se vê das dificuldades duma viagem deste teor. Ponhamos que o casaquinho foi útil porque estava frio, que não se cuidou do jantar porque se tinha de conduzir um irmão à casa respectiva e de ir animar uma mãe presa de pânico por ter tido uma alta de tensão, isto de ser viúva de médico tem muito que se lhe diga, a mater-familias sabe mais que uma faculdade inteira de medicina, rodeia-se de mil cuidados e, verdade se diga, lá vai vencendo os achaques próprios da idade sem demasiados problemas (isto é confidencial, se ela lê este parágrafo deserda-me porquanto está absolutamente convencida que tem um forte contingente de maleitas - não-mortais, claro - e que nós os filhos é que somos uns inconscientes). Todavia se vissem os enlevos com que há pouco ela me leu uma lista de restaurantes recomendados mais os menus todos (!!!) e as respectivas direcções, dar-me-iam razão. A mãe está sã como um pêro de 85 anos mas não quer que isso conste. E na minha próxima vinda lá iremos experimentar os mimos culinários da Travessa, do solar dos Nunes e do Tavares café. Eu forneço o transporte deixando os restantes encargos a uma mãe gulosa e exigente.
Mas tudo isto é conversa fiada porquanto eu apenas pretendia descrever uma estadia lisboeta com o marceneiro escultor a tiracolo. Ele estava entusiasmadíssimo com a hipótese de fazermos uma surtida aos alfarrabistas e de, eventualmente, caçar a inteira colecção do Lagardére, entrevista em minha casa e comprada em idênticas circunstâncias. Depois seria introduzido no circuito dos alfarrabistas de Entre Chiado e Misericórdia onde volta e meia se encontram velhas bandas desenhadas e outras coisas muito do seu gosto. Mister era que ele se levantasse a horas cristãs, ou seja até às dez e meia, onze no máximo, porque eu, eventual guia, entendo que excursões dessas se fazem de manhã. E aos sábados é sagrada uma almoçarada com a família.
Tendo em linha de conta estas perspectivas, telefonei-lhe pelas onze quando, com o tio Quim, me abalançava a esse dificultoso périplo que começa impreterivelmente na livraria Aillaud, no Carmo e termina nas das escadinhas do Duque depois de batidas as do Chiado, da Rª da Trindade e da Misericórdia e respectivo largo. Viagem dificultosa com escalas prolongadas e farto cabedal gasto nas paragens. Bom, nada disto aconteceu ao viajado Pereira que, pelo que depois soube, dormiu o sono dos injustos até princípios da tarde. Azar dele porquanto eu já tinha encontrado os lagarderes pretendidos na velha edição azul da Romano Torres de boa memória numa das projectadas escalas. Fica para a próxima se os livrinhos ainda lá estiverem. Até lá que se contente com o Proust que anda a ler de empreitada...
Na imagem: vista interior da querida e saudosa mas ainda viva La Vagenande. não é a melhor mesa de Paris, não se compara sequer com chez Jenny ou o Pied de Cochon seus congéneres ou a Boffinger e não tem a carga histórica do Procope. Mas namorei muito e bem lá e ali regresso todas as vezes que ponho o pé em Paris. É é arte nova verdadeira! E come-se decentemente sem cair na mais negra ruína. E está mesmo perto do meu velho hotel...
E no caso de se concretizar essa voluptuosa e extravagante hipótese (comer à borla) leva-se o Pereira que viajou connosco ou remetêmo-lo para o filho e este que se desengome?
Por aqui se vê das dificuldades duma viagem deste teor. Ponhamos que o casaquinho foi útil porque estava frio, que não se cuidou do jantar porque se tinha de conduzir um irmão à casa respectiva e de ir animar uma mãe presa de pânico por ter tido uma alta de tensão, isto de ser viúva de médico tem muito que se lhe diga, a mater-familias sabe mais que uma faculdade inteira de medicina, rodeia-se de mil cuidados e, verdade se diga, lá vai vencendo os achaques próprios da idade sem demasiados problemas (isto é confidencial, se ela lê este parágrafo deserda-me porquanto está absolutamente convencida que tem um forte contingente de maleitas - não-mortais, claro - e que nós os filhos é que somos uns inconscientes). Todavia se vissem os enlevos com que há pouco ela me leu uma lista de restaurantes recomendados mais os menus todos (!!!) e as respectivas direcções, dar-me-iam razão. A mãe está sã como um pêro de 85 anos mas não quer que isso conste. E na minha próxima vinda lá iremos experimentar os mimos culinários da Travessa, do solar dos Nunes e do Tavares café. Eu forneço o transporte deixando os restantes encargos a uma mãe gulosa e exigente.
Mas tudo isto é conversa fiada porquanto eu apenas pretendia descrever uma estadia lisboeta com o marceneiro escultor a tiracolo. Ele estava entusiasmadíssimo com a hipótese de fazermos uma surtida aos alfarrabistas e de, eventualmente, caçar a inteira colecção do Lagardére, entrevista em minha casa e comprada em idênticas circunstâncias. Depois seria introduzido no circuito dos alfarrabistas de Entre Chiado e Misericórdia onde volta e meia se encontram velhas bandas desenhadas e outras coisas muito do seu gosto. Mister era que ele se levantasse a horas cristãs, ou seja até às dez e meia, onze no máximo, porque eu, eventual guia, entendo que excursões dessas se fazem de manhã. E aos sábados é sagrada uma almoçarada com a família.
Tendo em linha de conta estas perspectivas, telefonei-lhe pelas onze quando, com o tio Quim, me abalançava a esse dificultoso périplo que começa impreterivelmente na livraria Aillaud, no Carmo e termina nas das escadinhas do Duque depois de batidas as do Chiado, da Rª da Trindade e da Misericórdia e respectivo largo. Viagem dificultosa com escalas prolongadas e farto cabedal gasto nas paragens. Bom, nada disto aconteceu ao viajado Pereira que, pelo que depois soube, dormiu o sono dos injustos até princípios da tarde. Azar dele porquanto eu já tinha encontrado os lagarderes pretendidos na velha edição azul da Romano Torres de boa memória numa das projectadas escalas. Fica para a próxima se os livrinhos ainda lá estiverem. Até lá que se contente com o Proust que anda a ler de empreitada...
Na imagem: vista interior da querida e saudosa mas ainda viva La Vagenande. não é a melhor mesa de Paris, não se compara sequer com chez Jenny ou o Pied de Cochon seus congéneres ou a Boffinger e não tem a carga histórica do Procope. Mas namorei muito e bem lá e ali regresso todas as vezes que ponho o pé em Paris. É é arte nova verdadeira! E come-se decentemente sem cair na mais negra ruína. E está mesmo perto do meu velho hotel...
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