16 maio 2007

O leitor (im)penitente 15


Au plus fort de l’orage, il y a toujours un oiseau pour nous
rassurer. Cést l’oiseau inconnu. Il chante avant de s’envoler.

RENÉ CHAR
(Rougeur des matinaux)


Pois é: René Char. Duvido que haja traduções nacionais mas também não faz mal. Lê-lo no original é um prazer e sempre se aprende algum francês. Acreditem ou não foi assim que comecei o meu italiano (ah Salvatore Quasímodo...) e o espanhol: briosamente a ler e tentar perceber, teimar, teimar, irritar-me e finalmente, num relâmpago, aperceber-me do milagre da palavra. No italiano, confesso que também serviram os filmes e as belíssimas mulheres que os povoavam. Partilhei com o doutor Orlando de Carvalho uma infinita e desesperada paixão pela Eleanora Rossi Drago. Ele ficou-se por aí, era mais fiel. Eu perdi-me por mais um belo quarteirão de actrizes a que nem sequer escapou a Ana Magnani. De todo o modo, o que importa é que o italiano já cá canta: ora aqui está uma coisa em que os fins justificam os meios.
Char, dizia. Um poeta imenso, uma constelação mesmo. Com Éluard, Saint John Perse, Prévert, Reverdy e mais uns quantos fez a minha felicidade como leitor.
Agora parece que faz 100 anos. Continua tão fresco como no momento em que me atrevi a comprar “fureur et mystére” numa ediçãozinha da Gallimard. Fui pelo livro e, milagre!, comprei-o há quarenta redondos anos. Agora dou-me ao luxo de ter a edição da “Pléiade”, adquirida nos anos noventa por dez brasas!
Ora bem: saiu em França um numero especial da Telerama sobre Char. Um belo número, um “hors-série” pimpão e muito ilustrado. Preço honrado, diga-se. Vai daí mandei vir uns exemplares para oferecer a uns amigos que comigo andam embarcados nesta maré alta da poesia. Um deles vai directo para o JAB. Não sei porquê mas ele é menino para ficar a gostar do Char se é que o não conhece. Saravah, J.A.B., amigo: o Char seguiu com uns livrecos a servir de contrapeso, como se dizia nos talhos de antigamente.

2 Comecei a ler uma tese de doutoramento. Não dei em maluco, não senhor, que aquilo flui como água corrente. 600 páginas sobre “António José da Silva, criação e realidade”. O seu autor? Um tal José Oliveira Barata, um desses velhos amigos possuído pelo gosto do teatro. E escreve bem, o diabo do homem! E eu que, em teses de doutoramento, só tinha apanhado valentes chatices ou melhor: coisas interessantes mas escritas com os mimosos pés dos autores: uma linguagem truculenta, a armar em carapau de corrida a fugir do escabeche, enfim, um sudário, um velório, o que queiram mas escrita é que não. Claro que o JOB escreveu um segundo volume e para aí trezentas páginas de notas que não lerei, juro. Felizmente vem quase todas no no fim e a malta assim balda-se a tais trabalhos. E as que estão em texto é dar uma olhadela oblíqua a ver se valem a pena para um leitor ignorante como eu. Em não parecendo interessantes, zás, passamo-las por alto e em frente que atrás vem gente.
O livro em dois gordos volumes traz como editor o Serviço de Documentação e Publicações da Universidade de Coimbra e data de 1985. Eu apanhei-o de borla depois de um almocinho também de borla em casa do autor. E de um arroz doce feito pela Dona Fernanda, que nem vos digo nem vos conto. Ai a minha dieta.

3 As edições Quasi são um caso! A gente de vez em quando lobriga um voluminho de poesia com o logótipo da editora mas há que procurar muito e com muita paciência. Vamos lá a ver o que a feira do livro nos traz porque estou que ardo para ler “Nenhum lugar e sempre” do Rui Namorado. Só por acaso soube do livro e na minha livraria favorita já não havia. Por uns dias vou esperar pela feira e em encontrando a barraquinha dos editores vai tudo raso. Compro o que houver, se houver. De todo o modo, cito o título porque o RN, fora ser um preguiçoso de marca registada, escreveu alguns belos poemas que muito me agradaram. Tenho o pressentimento que estes mais recentes não me irão desiludir. Pressentimento? Quase uma certeza! Saravah Rui!

A ilustração é obviamente a capa do tal número especial da Telerama. Se fosse cá trazia o Herman José... Credo!

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