Nem foguetes nem lágrimas (nem foguetes de lágrimas)
Pois é, caras leitoras, este vosso criado vem aqui apenas para um recado rápido. Repararam, de certeza, que o incursões está que ferve. De vez em quando um simples (e bom) texto desata uma alegre discussão. Pena é que seja mais intra-muros que extra. Mas isso é convosco, claro. A liberdade que por aqui reina é também a liberdade dos leitores de lerem e não comentarem se para isso não estão dispostos.
A segunda coisa que me traz à vossa companhia é esse mafarrico do Sarkozy. O diabo do homem é bulímico. Pode-se ser de esquerda e admirar-lhe a fogosidade e os efeitos de surpresa. Então não é que depois de uma sensata segunda volta em que o partido socialista se pode recompor e em que saem frustradas as esperanças de um tsunami da direita, ele volta a dar um golpe de rins e pimba: mais uma “ribambelle” de mulheres (e que mulheres!!!) no governo com três especiais casos.
Uma jovem negra, Rama Yade, secretária de Estado com a delicada pasta dos Negócios Estrangeiros e dos Direitos do Homem! Chapeau! Digam o que disserem, esta mulher, excelente polemista, autora de um livro sobre os negros de França, parece ser não só um emblema mas também uma aposta.
Outra aposta: uma “beur”, a segunda!, Fadela Amara, a fundadora e presidente de “Ni putes ni soumises”, a grande revolta das muçulmanas contra o meio miserável do machismo de banlieue. Mulher de convicções fortes, vinda dos meios desfavorecidos e proletários da emigração, ei-la a aceitar um temível desafio: a política das cidades.
Terceiro ponto: pela primeira vez, uma mulher, Christine Lagarde, ocupa o ministério das Finanças. Em França, Mesdames!
Eu não tenho simpatia pelo senhor Sarkozy. Todavia, começo a ter-lhe respeito. O homem não é tonto, é hábil, percebe bem e depressa algumas coisas e está a fazer uma aposta forte. Por exemplo: exigir aos seus ministros que se demitam no caso de uma derrota nas legislativas. Tiro fortíssimo em Alain Juppé que, diga-se o que se quiser, é uma perda para o governo. Começa a perceber-se uma certa ideia, uma linha de rumo, uma ideia clara tudo coisas que, infelizmente parecem ter faltado á esquerda. O discurso desta, e não é Hollande o principal responsável, foi pobre, confuso, dissonante, cheio de notas falsas ou pelo menos soltas. E isso, em política, paga-se. Sempre.
Alguém dirá que este programa não é novo e que, por exemplo, Blair em Inglaterra teria surpreendido os conservadores com um esquema semelhante. Não é verdade. Sarkozy não prescinde de nenhum dos pontos programáticos, acrescenta-lhes alguns que andavam no ar e a que, pelos vistos, pouca gente ligou. Como por exemplo essa sensação de desconforto que atravessa a banlieue e a que se deram respostas demasiado clássicas e demasiado batidas. Ou o desconforto da igualdade a outrance, da rigidez do horário de trabalho, algo que prejudicou os pequenos patrões e não resolveu os problemas do desemprego. A esquerda francesa foi vítima mais do seu conservadorismo, da imagem arcaica que as lutas eternas dos elefantes do país dão (e que abundantemente e televisivamente mostraram aquando das primárias em que Sègoléne Royal foi escolhida) do que apenas da audácia de Sarkozy.
E é evidente que a pesca à linha de socialistas que se está operar (hoje um senador socialista entrou no governo achando de resto isso natural e ficando magoado com as reacções dos anteriores correligionários) não ajuda. E a respeito disto convém dizer que se não parece elegante andar a desafiar os prováveis adversários para fazer uma perninha no governo pior é aceitar. Além da débacle moral que isso representa, fica-se com uma ideia bastante leve da ideologia reinante no partido que foi de Jaurés, de Blum ou de Mitterrand.
Convenhamos que não é único partido socialista com problemas de identidade.
De Paris sur Douro para o incursões, o vosso enviado especial
D’Oliveira
Pois é, caras leitoras, este vosso criado vem aqui apenas para um recado rápido. Repararam, de certeza, que o incursões está que ferve. De vez em quando um simples (e bom) texto desata uma alegre discussão. Pena é que seja mais intra-muros que extra. Mas isso é convosco, claro. A liberdade que por aqui reina é também a liberdade dos leitores de lerem e não comentarem se para isso não estão dispostos.
A segunda coisa que me traz à vossa companhia é esse mafarrico do Sarkozy. O diabo do homem é bulímico. Pode-se ser de esquerda e admirar-lhe a fogosidade e os efeitos de surpresa. Então não é que depois de uma sensata segunda volta em que o partido socialista se pode recompor e em que saem frustradas as esperanças de um tsunami da direita, ele volta a dar um golpe de rins e pimba: mais uma “ribambelle” de mulheres (e que mulheres!!!) no governo com três especiais casos.
Uma jovem negra, Rama Yade, secretária de Estado com a delicada pasta dos Negócios Estrangeiros e dos Direitos do Homem! Chapeau! Digam o que disserem, esta mulher, excelente polemista, autora de um livro sobre os negros de França, parece ser não só um emblema mas também uma aposta.
Outra aposta: uma “beur”, a segunda!, Fadela Amara, a fundadora e presidente de “Ni putes ni soumises”, a grande revolta das muçulmanas contra o meio miserável do machismo de banlieue. Mulher de convicções fortes, vinda dos meios desfavorecidos e proletários da emigração, ei-la a aceitar um temível desafio: a política das cidades.
Terceiro ponto: pela primeira vez, uma mulher, Christine Lagarde, ocupa o ministério das Finanças. Em França, Mesdames!
Eu não tenho simpatia pelo senhor Sarkozy. Todavia, começo a ter-lhe respeito. O homem não é tonto, é hábil, percebe bem e depressa algumas coisas e está a fazer uma aposta forte. Por exemplo: exigir aos seus ministros que se demitam no caso de uma derrota nas legislativas. Tiro fortíssimo em Alain Juppé que, diga-se o que se quiser, é uma perda para o governo. Começa a perceber-se uma certa ideia, uma linha de rumo, uma ideia clara tudo coisas que, infelizmente parecem ter faltado á esquerda. O discurso desta, e não é Hollande o principal responsável, foi pobre, confuso, dissonante, cheio de notas falsas ou pelo menos soltas. E isso, em política, paga-se. Sempre.
Alguém dirá que este programa não é novo e que, por exemplo, Blair em Inglaterra teria surpreendido os conservadores com um esquema semelhante. Não é verdade. Sarkozy não prescinde de nenhum dos pontos programáticos, acrescenta-lhes alguns que andavam no ar e a que, pelos vistos, pouca gente ligou. Como por exemplo essa sensação de desconforto que atravessa a banlieue e a que se deram respostas demasiado clássicas e demasiado batidas. Ou o desconforto da igualdade a outrance, da rigidez do horário de trabalho, algo que prejudicou os pequenos patrões e não resolveu os problemas do desemprego. A esquerda francesa foi vítima mais do seu conservadorismo, da imagem arcaica que as lutas eternas dos elefantes do país dão (e que abundantemente e televisivamente mostraram aquando das primárias em que Sègoléne Royal foi escolhida) do que apenas da audácia de Sarkozy.
E é evidente que a pesca à linha de socialistas que se está operar (hoje um senador socialista entrou no governo achando de resto isso natural e ficando magoado com as reacções dos anteriores correligionários) não ajuda. E a respeito disto convém dizer que se não parece elegante andar a desafiar os prováveis adversários para fazer uma perninha no governo pior é aceitar. Além da débacle moral que isso representa, fica-se com uma ideia bastante leve da ideologia reinante no partido que foi de Jaurés, de Blum ou de Mitterrand.
Convenhamos que não é único partido socialista com problemas de identidade.
De Paris sur Douro para o incursões, o vosso enviado especial
D’Oliveira
2 comentários:
Chapeau!
De facto a entrada de destacados socialistas no governo Fillon/Sarkozy não lembra ao diabo. Com tudo isto, até admira como o PSF se segurou na segunda volta das eleições.
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