19 junho 2007

Diário Político 54





Nem foguetes nem lágrimas (nem foguetes de lágrimas)

Pois é, caras leitoras, este vosso criado vem aqui apenas para um recado rápido. Repararam, de certeza, que o incursões está que ferve. De vez em quando um simples (e bom) texto desata uma alegre discussão. Pena é que seja mais intra-muros que extra. Mas isso é convosco, claro. A liberdade que por aqui reina é também a liberdade dos leitores de lerem e não comentarem se para isso não estão dispostos.
A segunda coisa que me traz à vossa companhia é esse mafarrico do Sarkozy. O diabo do homem é bulímico. Pode-se ser de esquerda e admirar-lhe a fogosidade e os efeitos de surpresa. Então não é que depois de uma sensata segunda volta em que o partido socialista se pode recompor e em que saem frustradas as esperanças de um tsunami da direita, ele volta a dar um golpe de rins e pimba: mais uma “ribambelle” de mulheres (e que mulheres!!!) no governo com três especiais casos.
Uma jovem negra, Rama Yade, secretária de Estado com a delicada pasta dos Negócios Estrangeiros e dos Direitos do Homem! Chapeau! Digam o que disserem, esta mulher, excelente polemista, autora de um livro sobre os negros de França, parece ser não só um emblema mas também uma aposta.
Outra aposta: uma “beur”, a segunda!, Fadela Amara, a fundadora e presidente de “Ni putes ni soumises”, a grande revolta das muçulmanas contra o meio miserável do machismo de banlieue. Mulher de convicções fortes, vinda dos meios desfavorecidos e proletários da emigração, ei-la a aceitar um temível desafio: a política das cidades.
Terceiro ponto: pela primeira vez, uma mulher, Christine Lagarde, ocupa o ministério das Finanças. Em França, Mesdames!
Eu não tenho simpatia pelo senhor Sarkozy. Todavia, começo a ter-lhe respeito. O homem não é tonto, é hábil, percebe bem e depressa algumas coisas e está a fazer uma aposta forte. Por exemplo: exigir aos seus ministros que se demitam no caso de uma derrota nas legislativas. Tiro fortíssimo em Alain Juppé que, diga-se o que se quiser, é uma perda para o governo. Começa a perceber-se uma certa ideia, uma linha de rumo, uma ideia clara tudo coisas que, infelizmente parecem ter faltado á esquerda. O discurso desta, e não é Hollande o principal responsável, foi pobre, confuso, dissonante, cheio de notas falsas ou pelo menos soltas. E isso, em política, paga-se. Sempre.
Alguém dirá que este programa não é novo e que, por exemplo, Blair em Inglaterra teria surpreendido os conservadores com um esquema semelhante. Não é verdade. Sarkozy não prescinde de nenhum dos pontos programáticos, acrescenta-lhes alguns que andavam no ar e a que, pelos vistos, pouca gente ligou. Como por exemplo essa sensação de desconforto que atravessa a banlieue e a que se deram respostas demasiado clássicas e demasiado batidas. Ou o desconforto da igualdade a outrance, da rigidez do horário de trabalho, algo que prejudicou os pequenos patrões e não resolveu os problemas do desemprego. A esquerda francesa foi vítima mais do seu conservadorismo, da imagem arcaica que as lutas eternas dos elefantes do país dão (e que abundantemente e televisivamente mostraram aquando das primárias em que Sègoléne Royal foi escolhida) do que apenas da audácia de Sarkozy.
E é evidente que a pesca à linha de socialistas que se está operar (hoje um senador socialista entrou no governo achando de resto isso natural e ficando magoado com as reacções dos anteriores correligionários) não ajuda. E a respeito disto convém dizer que se não parece elegante andar a desafiar os prováveis adversários para fazer uma perninha no governo pior é aceitar. Além da débacle moral que isso representa, fica-se com uma ideia bastante leve da ideologia reinante no partido que foi de Jaurés, de Blum ou de Mitterrand.
Convenhamos que não é único partido socialista com problemas de identidade.

De Paris sur Douro para o incursões, o vosso enviado especial
D’Oliveira

2 comentários:

O meu olhar disse...

Chapeau!

jcp (José Carlos Pereira) disse...

De facto a entrada de destacados socialistas no governo Fillon/Sarkozy não lembra ao diabo. Com tudo isto, até admira como o PSF se segurou na segunda volta das eleições.