27 junho 2007

Estes dias que passam 67


Podemo-nos sempre espantar

1 O Senhor Blair acabou o seu mandato. Muito bem.
Renunciou ao seu mandato de deputado de Sheffield. Não era obrigado a tal, nem isso costuma ser hábito.
Foi imediatamente nomeado “enviado ao Médio Oriente para fomentar a paz”. Convenhamos que para quem defendeu tão ardorosamente a intervenção no Iraque, pejado de armas de destruição maciça (convém lembrar) que mais ninguém viu, a coisa pode pôr em causa junto dos destinatários a sua boa vontade e a sua isenção.
Parece que agora está na moda nomear os ex-primeiros ministros para cargos deste tipo. Os respectivos governos agradecem: um de menos a chatiar! Os recipiendários desta generosidade terão sido consultados?

2 Não é Nefertiti, nem sequer Cleópatra: Hatchepsut. Conhecem? Eu, tradução oblige, soube dela tardiamente e depois li de enfiada três livros sobre o Egipto e fiquei-lhe com grande respeito. Agora descobriram a sua múmia que permanecia solitária e desconhecida num arrumo do Museu do Cairo. E como é que a venerável senhora foi encontrada? Pois por um dente! Um único dente, encontrado dentro de um vaso funerário com o selo da grande faraó. Esse dente e uma múmia com um braço cruzado sobre o peito e as unhas pintadas de vermelho (sinais de realeza) identificaram, ao que parece positivamente a famosíssima rainha. Leitor de romances policiais, admirador recente da civilização egípcia, esta história comove-me um pouco. E, sobretudo, porque isto já é obra dos egiptólogos locais. A descolonização também passa por aqui.
3 Em Madrid, terra bem mais interessante, do que a hispanofobia dominante permite ver, uma livraria de bairro estava para fechar. Motivos graves e familiares não permitiam à proprietária continuar a dedicar-lhe o seu tempo. Ao que tudo indica (e a fotografia no El Pais, deixa ver) era uma casa de amigos de livros e com livros amigos. Um grupo de fregueses habituais associou-se a Marisa Larru para lhe poupar o trabalho e evitar o fecho. O barro manterá a sua livraria mesmo se nenhum dos novos sócios pense que vai ganhar dinheiro. Desde há momentos (se o meu mail já lá chegou) sou o mais novo freguês da “libreria La Regenta” na calle Serrano 228, 28016 Madrid. O mail: regenta@verial.es. Os eventuais interessados poderão mandar um mail nem que seja de apoio, ou esperar que eu tenha notícias sobre como encomendar um livro, pagá-lo, etc. A voz que me atendeu pelo telefone (0034)915 639 277 era alegre e bem timbrada. Ou seja: quem telefonar também terá o pequeno prazer de ouvir uma voz feminina com o sotaque castizo de Madrid.
4 O que leio das declarações do senhor comendador Berardo não augura nada de bom. Pior, faz-me pensar que têm razão todos os críticos do processo Museu Berardo/CCB. Lamento, pois, não alinhar nos “tremolos” embevecidos do senhor primeiro ministro e no exagero de “a partir de agora ser em Portugal que começa o circuito da arte contemporânea”. Alguém devia dizer a estes senhores que convém ter algum bom senso e não fazer declarações altissonantes.
No que respeita ao senhor Mega Ferreira começo obviamente por me solidarizar com ele. O pato-bravismo não pode ganhar sempre que diabo. Mais: o presidente da fundação do centro cultural não tem que ser obrigado a sentar-se no conselho de fundadores da Fundação/colecção Berardo. Pode perfeitamente delegar essa tarefa em qualquer dos seus colegas. Isto se entender que não este o momento de sair do Centro. Convenhamos que este, agora, é uma mera casca vazia. E Mega Ferreira poderá de certeza encontrar outro lugar onde seja menos inútil. Há lugares que nem a peso de ouro!

5 A criatura que dirige a DREN deu muito bom durante dois anos seguidos ao senhor Charrua. Agora põe-lhe um processo disciplinar. À cautela e para que este seja de uma independência à prova de bala, nomeou um instrutor que vive em Trás-Os-Montes!! O facto de o referido instrutor ter sido candidato do PS nas últimas eleições autárquicas e de dever à directora da DREN a sua estadia em Bragança onde não tem lugar não quer obviamente dizer nada. À atenção da Ordem dos Advogados, no caso do senhor ser licenciado em direito e exercer como a advogado.
6 Os actuais ideólogos da reforma a qualquer preço devem achar que o Público é pago pelos bolchevistas, pelo cds ou por alguma seita demoníaca. Pelos vistos os portugueses pagam pela péssima assistência (todos os sistemas confundidos) de saúde nada menos de 22,5% do total gasto. Ou seja só a Espanha e a Bélgica se aproximam de nós. E a Holanda, a Inglaterra ou a França ficam-se pelos 10%. Por acaso também, olha a novidade!..., são todos mais ricos.

6 comentários:

Pedro disse...

Quanto ao ponto nº 1, e relativamente à nomeação de Tony Blair como "enviado ao Médio Oriente para fomentar a paz", será a mesma coisa que, e numa fogueira, deitar-lhe gasolina...

Agora, e quanto ao ponto nº 4, começa-se a ver aquilo que, e no início era um pouco obscuro. Ou seja, a tentativa de controlo por parte de Joe Berardo da Fundação oferecida pelo Estado Português. Continuo a dizer que foi um excelente negócio só para ele, e não para o Estado, como se poderá depreender de uma leitura atenta do Decreto-Lei que a institui e os respectivos estutos. Mas isso ver-se-á no final. De qualquer modo, e quanto a Mega Ferreira, e sem por em causa de modo algum a sua pessoa, os seus conhecimentos e a sua inteligência, o facto de apresentar a demissão da presidência da Fundação Berardo não apaga o episódio menos nítido (utilizo esta palavra à falta de melhor) da sua nomeação para presidente da Fundação do CCB.

M.C.R. disse...

De acordo quanto a Blair. A coisa vai ser dificil e ele terá de correr muito para explicar o constante apoio a Bush e sobretudo o modo como no Reino Unido a guerra foi justificada.

quanto ao Senhor Berardo eu lamernto ter de pensar que de facto ele tantro poderia coleccionar arte como selos ou estampas religiosas. O dinheiro pode muito inclusivamente ter uns conselheiros de compras. se calhar será por isso que a colecção não tem grande coerencia se é que sequer isso foi equacionado.
quanto a Mega eu de facto acho que a única opção que lhe resta é sair quanto antes daquilo tudo. Não tem apoio de Berardo e não o tem do Estado como se irá ver depressa. A fundação do centro cultural de belem não tem nada. O edificio está ocupado e basta...
quanto ao senhor comendador não há comentários. ainda me chamavam anti-capitalista, elitista ou intelectual tudo palavrões para muita desta boa gente.

Pedro disse...

Concordo com a análise que faz de Joe Berardo. Como ser singular que é, só nos são permitidos dois sentimentos relativamente à sua pessoao: Ou se gosta ou se detesta até ao tutano.

No entanto, e nas palavras de Fernando Pessoa, primeiro estranha-se e depois entranha-se...

Quanto à colecção dele, não me posso pronunciar sobre a sua qualidade, mas vou desde logo com o pé atrás porque não aprecio muitos dos autores contemporâneos. Correndo o risco de dizer uma barbaridade (mas isso deve-se ao facto de ser um verdadeiro leigo em matéria de artes) prefiro um quadro de Vieira da Silva, Cargaleiro, Maluda, Almada Negreiros, Amadeu de Souza Cardoso, a muitos dos que estão expostos no museu e que fazem parte da colecção.

Ora, e como Joe Berardo referiu na entrevista ao Expresso, no início comprava o que gostava. Todavia, teve de se rodear de um expert para começar tudo de novo. Se é um erro ou não, não sei. Sinceramente não sei.

Agora que deve ter boas obras de arte, a par de outras muito fracas, terá com certeza. Mas isso só poderei analisar quando vir a exposição.

Paralelamente, concordo inteiramente consigo quand se refere aos conselheiros de compras. Poderiam ser melhores. Agora o que não se admite é deixar-se saír uma colecção como a que António Champalimaud construiu e foi posteriormente leiloada em Londres, após a sua morte.

Isso sim, seriam obras de arte a ficarem no País e para aumentarem o já vastíssimo património cultural e não certas obras de arte de efeito e gosto algo duvidoso.

Quanto a Mega Ferreira. No fim de tudo, e quando ele fizer o balanço da sua passagem pela Fundação do CCB, irá verificar que não deixará nada para a posteridade. Infelizmente, porque tenho-o como uma pessoa da cultura portuguesa e que no sítio certo até poderia contribuir para o engrandecimento da mesma.

JSC disse...

O Sr. Blair está a fazer o caminho de outros notáveis. É hoje comummente aceite que o mundo está mais inseguro do que antes da intervenção que teve o Sr. Blair como um dos protagonistas. Portanto. Bem merece esse bem reconhecimento.

Outra leitura da atribuição daquele cargo é para não se dizer que o Tony sai pela porta pequena e que sai para permitir que o seu partido recupere o eleitorado. Afinal de contas, mesmo na pátria democracia, o eleitorado não se comporta de modo muito diferente do que sucede por estas bandas. O eleitorado, aquele que faz ganhar eleições, é sempre comido. Seja em que país for. Repare-se na grande tirada do novo proprietário do n.º 10 de Downing Street, o Sr. Brown: “Vamos dar início às mudanças”.

Por cá, ex-governantes e mesmo primeiros-ministros viram comentadores (na rádio ou na tv) ou vão trabalhar para empresas de sectores económicos que tutelaram enquanto governantes. Convenhamos que também não é muito louvável.

Quanto à colecção Berardo/CCB que agora se transformou no bombo da festa, agravada pelo fogo Mega Ferreira, a questão se me coloca é saber o que teria acontecido se a Ministra da Cultura não tivesse aceite aquela parceria? A segunda questão, o que é que terá levado Mega Ferreira a bater com a porta agora e não quando se assinou o protocolo que pôs nas mãos do Berardo o CCB ou parte dele?

M.C.R. disse...

eu penso que a atitude do Estado em relasção à colecção Berardo foi a do novo rico espantado pelo outro novo rico. acho mesmo que uma colecção feita por um magnaate tem algums problemas: se ele a quer expor que a exponha. quem tem massa para comprar também tem massa para expor.
Mas suponhamos que apesar de tudo o Estado acha que a colecção vale o sacrificio de alguns milhões sem qualquer garantia de que um dia destes a colecção vá á mesma para as estranjas vendida ou por melhor oferta. será isso suficiente para aguentar tudo, fingir que está tudo bem?
Eu, já tive oportunidade de ver parte da colecção. gostei de algumas coisas achei as outras muito á moda e bem pouco interessantes. Já sei que hoje em dia o mundo artístico está muito inclinado para esta última vertente mas ...quand même.
O que me parece inacreditável é que o CCB fique todo cupado. Onde é que se verãoi essas excelenrtes exposições que só lá cabiam?
Em tempo: não tenho qualquer antipatia -nem qualquer simpatia - pelo senhor Berardo. acho-o pouco polido mas um bom explicador de boas maneiras poderá dar-lhe a patine que lhe falta. Ao fim e ao cabo o homem tem uma colecção de pintura, não?

JSC disse...

Não conheço as condições com que o CCB recebeu a colecção do SR. Berardo. Contudo, pelo que na altura foi saindo na comunicação social e pelas críticas que iam sendo feitas à Ministra, admito que o Estado tenha colocado o CCB nas mãos do magnata Berardo e ainda pague as despesas de funcionamento. Se calhar a situação é como diz, isto é, sem garantias de que um dia destes a colecção vá a leilão.
Relativamente à recente visibilidade do Sr. Berardo, em que até o meu Benfica foi usado como instrumento de comunicação, tudo foi planeado para centrar nele os media e desse modo promover a abertura da exposição Berardo/CCB. Convenhamos que foi eficiente.
Quanto ao resto, Berardo cultiva aquele ar noir, onde a dificuldade em falar português dá um toque estranho e ao mesmo tempo concede-lhe a liberdade de insultar em inglês. Berardo até poderia simbolizar, entre nós, o triunfo do capitalismo global ou, no dizer de George Soros, o expoente do “fundamentalismo de mercado que tornou o sistema capitalista global insustentável e pouco fiável”, porque “o fundamentalismo de mercado se tornou a ideologia dominante” e “colocou a capital financeiro no posto de comando”. Ora, ao que se sabe a bolsa é o seu principal meio de acumulação da capital. Tal como o é para George Soros.

Mas George Soros diz: “enquanto elemento do mercado, tento maximizar os lucros” e para isso tem que jogar com as regras do mercado. “Enquanto cidadão, preocupo-me com os valores sociais: paz, justiça, liberdade…”

Que valores defenderá Berardo enquanto cidadão? Há dias numa entrevista dizia algo como isto: se sou eu que invisto, que crio riqueza, porque razão não posso despedir?