Andamos décadas e décadas a ouvir falar da cassete do PC. Aliás, a fama da cassete até serve de pretexto para os afastar dos meios de comunicação social escrita e falada. E o que é que dizem os comentadores profissionais? Que se o PCP fosse como o PCI ou o PCF seria muito mais actual. Que o PCP nunca abandonou a linha estalinista, que não se modernizou, que fala como se fosse o único a defender os trabalhadores, etc.
Se olharmos para os colunistas dos chamados jornais de referência não encontramos lá ninguém afecto ao PCP. O mesmo nos fóruns políticos promovidos pelas rádios ou televisões. Mas será porque o PCP não tem gente capaz? É óbvio que a resposta é negativa. Claro que tem, só que estão rotulados pela cassete. Mas basta que abandonem o PCP para passarem a ter acesso a esses fóruns ou para integrarem governos como ministros, secretários de estado e por aí fora.
Mas, porque é que trago para aqui esta coisa do PCP, eu que até nem sou do PCP nem de nenhum outro partido e que tenho uma cada vez maior reserva relativamente a todos?
É que o PCP é usado para abafar uma ideologia, o marxismo. Ao dizer-se mal do PCP e ao apontar-lhe o rótulo de cassete, de inadequado, incapaz de se renovar, etc., o que se está é a denegrir, a excluir, é a ideologia marxista.
Se olharmos para “comentadores”, “analistas políticos”, “colunistas” que integram os painéis dos órgãos de comunicação social é tudo gente que anda nestas coisas há anos e anos, que não muda de discurso apenas o ajusta em função dos governantes e os interesses instalados.
Tempos houve em que achava as crónicas do Vasco Pulido Valente perspicazes, profundas, oportunas, enfim, o máximo; lia Pacheco Pereira e concluía que o homem raciocina bem, escreve bem e mesmo quando não concordava não deixava de ver ali alguém acima da mediania; Bom, Vital Moreira, Marcelo, Teresa de Sousa, Miguel Sousa Tavares, Helena Garrido, enfim, tantos pensadores a apontar mazelas, a propor, a apoiar medidas
São tantos e há tanto tempo a formular hipóteses, a criticar, que ao fim de todo este tempo e com o país sempre a cair é legítimo que nos interroguemos: Qual a eficácia de tantos textos e de tantos críticos? E, porque razão são tão ineficazes?
Bem, no fundo no fundo, o que vivemos é um jogo, em que uns justificam o emprego dos outros. E o problema só existe para os inadaptados.
Mas penso que seria tudo mais claro e a população ficaria a ganhar se as opções políticas fossem sustentadas pelas opções ideológicas de quem as toma.
No entanto, os nossos analistas criaram uma pseudo neutralidade ideológica, de tal modo que hoje parece que se tem receio em falar em ideologias, como se fosse uma coisa do passado.
Mesmo ao nível governativo procura-se desenvolver toda a actividade política como se o impacto das decisões fosse neutro, em termos dos grupos ou estratos sociais que envolve.
Claro que sempre poderão dizer que a globalização também tramou as ideologias e que hoje o que prevalece é a ideologia do consumo, que se sobrepõe a tudo quanto foi escrito sobre diferentes modelos de organização da produção e distribuição da riqueza. Só que o consumo globalizado é ele próprio o produto de uma ideologia, melhor, um instrumento usado por uma ideologia para impor a sua visão da sociedade.
Se olharmos para os colunistas dos chamados jornais de referência não encontramos lá ninguém afecto ao PCP. O mesmo nos fóruns políticos promovidos pelas rádios ou televisões. Mas será porque o PCP não tem gente capaz? É óbvio que a resposta é negativa. Claro que tem, só que estão rotulados pela cassete. Mas basta que abandonem o PCP para passarem a ter acesso a esses fóruns ou para integrarem governos como ministros, secretários de estado e por aí fora.
Mas, porque é que trago para aqui esta coisa do PCP, eu que até nem sou do PCP nem de nenhum outro partido e que tenho uma cada vez maior reserva relativamente a todos?
É que o PCP é usado para abafar uma ideologia, o marxismo. Ao dizer-se mal do PCP e ao apontar-lhe o rótulo de cassete, de inadequado, incapaz de se renovar, etc., o que se está é a denegrir, a excluir, é a ideologia marxista.
Se olharmos para “comentadores”, “analistas políticos”, “colunistas” que integram os painéis dos órgãos de comunicação social é tudo gente que anda nestas coisas há anos e anos, que não muda de discurso apenas o ajusta em função dos governantes e os interesses instalados.
Tempos houve em que achava as crónicas do Vasco Pulido Valente perspicazes, profundas, oportunas, enfim, o máximo; lia Pacheco Pereira e concluía que o homem raciocina bem, escreve bem e mesmo quando não concordava não deixava de ver ali alguém acima da mediania; Bom, Vital Moreira, Marcelo, Teresa de Sousa, Miguel Sousa Tavares, Helena Garrido, enfim, tantos pensadores a apontar mazelas, a propor, a apoiar medidas
São tantos e há tanto tempo a formular hipóteses, a criticar, que ao fim de todo este tempo e com o país sempre a cair é legítimo que nos interroguemos: Qual a eficácia de tantos textos e de tantos críticos? E, porque razão são tão ineficazes?
Bem, no fundo no fundo, o que vivemos é um jogo, em que uns justificam o emprego dos outros. E o problema só existe para os inadaptados.
Mas penso que seria tudo mais claro e a população ficaria a ganhar se as opções políticas fossem sustentadas pelas opções ideológicas de quem as toma.
No entanto, os nossos analistas criaram uma pseudo neutralidade ideológica, de tal modo que hoje parece que se tem receio em falar em ideologias, como se fosse uma coisa do passado.
Mesmo ao nível governativo procura-se desenvolver toda a actividade política como se o impacto das decisões fosse neutro, em termos dos grupos ou estratos sociais que envolve.
Claro que sempre poderão dizer que a globalização também tramou as ideologias e que hoje o que prevalece é a ideologia do consumo, que se sobrepõe a tudo quanto foi escrito sobre diferentes modelos de organização da produção e distribuição da riqueza. Só que o consumo globalizado é ele próprio o produto de uma ideologia, melhor, um instrumento usado por uma ideologia para impor a sua visão da sociedade.
22 comentários:
Não gosto de referir o marxismo como uma ideologia. Julgo que nesta altura há tantos marxismos quantos os que dele se reclamam.
depois convem lembrar que o marxismo da Internacional comunista chamou-se marxismo-leninismo ou seja juntou-se essa excrecência de origem russa que ao fim e ao cabo não passava de uma série de princípios sobre organização do partido, controlo do aparelho de estado e mais umas tantas ou quantas noções de circunstancia.
em segundo lugar chamar marxista (apenas) ao pc parece-me também um exagero (esta é mais para o nosso amigo José...) e duvido mesmo que a esmagadora maioria dos militantes tenha alguma ténue noção de Marx.
A cassete é outra das expressões que me dá cabo do juízo. Para já é uma má tradução de "langue de bois" depois se é verdade que os dirigentes do pc adoptaram, como todos os seus "colegas" estrangeiros, uma linguagem pobre, ritualizada e pontuada por uma série de narizes de cera, não menos verdade é que isso, em maior ou menor grau, já chegou a todos os outros partidos. Ouvir um político falar é algo que cansa o mais entusiasta. E aliás isso ocorre mesmo em muito comentador saído desta forma de bolinhos e bolinhós.
Todavia também eu acho que o pc é de grande utilidade para conjurar outros fantasmas e outyras revoltas que vão passeando pela europa.
Mas fico-me para já por aqui porque isto vai dar muito pano para mangas.
Meus Caros:
Antes de entrar numa qualquer noite escura de uma discussão de equívocos, assentemos nos conceitos, primeiro.
O que devemos entender por marxismo?
O meu conceito é tirado a papel químico de Norberto Bobbio ( sempre ele, porque mestres há poucos):
É um conjunto de ideias, de conceitos, de teses, de teorias, de propostas de metodologia científica e de estratégia política, uma concepção do mundo em geral , da vida em sociedade e da política, considerada como um corpo homogéneo de propostas destinadas a constituir uma verdadeira e autêntica doutrina, susceptíveis de se extraírem da obra de Marx e Engels. É isso o marxismo para Bobbio e a tentativa de separar e dividir os doutrinadores, já constitui em si mesma uma forma de marxismo.
Partindo deste pressuposto e desta base de discussão, sem entrar em filosofia de ponta que não domino, passo a outras noções básicas sobre o conceito marxista. Marx não escreveu uma obra específica sobre a teoria do Estado, mas nem por isso deixa de ser de teor marxista, esta concepção bem corrente e ideologicamente marcada.
Ser marxista, nesse conceito alargado por Bobbio e comumente aceite, significa, repetindo o que já escrevi, acreditar numa filosofia da História, sendo esta o resultado determinado dos processos de produção de bens que são escassos. O marxismo criou uma sociologia que parte da ideia que o Homem é essencialmente um produtor e o valor de trova das mercadorias se mede pela quantidade de trabalho humano nelas incorporado e por isso, conclui que a sociedade está dividida em duas classes: a dos que produzem e a dos que não produzindo detêm os instrumentos de produção. Consideram assim que entre essas duas classes- o povo e a burguesia- há necessariamente luta. É esta luta que está no centro da dialética histórica e que conduz…à Revolução! Esta grande Revolução destina-se a um objectivo nobre: alcançar a sociedade sem classes. Como o Estado é fruto da divisão das classes, deixaria então de haver Estado e como tal desiderato demora o seu tempo, então, primeiro que tudo é preciso compreender a fase transitória na qual o poder ficaria nas mãos do proletariado até à destruição total da burguesia. Para tal, a ditadura é uma necessidade justificadíssima.
Durante esta ditadura, a luta é um estádio supremo e feito de horrores de perseguições aos dissidentes desta Verdade absoluta, mantida em vigor pela democracia popular, a verdadeira democracia.
Quando os marxistas falam em democracia e em conquistas democráticas dos trabalhadores, referem-se exclusivamente a tudo o que enforme este entendimento ideológico.
Durante esta ditadura, o Estado detém todos os instrumentos de produção, originando um capitalismo de Estado e uma superestrutura dirigente, o Soviete supremo que tudo controla e verifica, incluindo os instrumentos de repressão, censura e controlo de mentalidades para a construção do Homem Novo que verá os amanhãs a cantar.
Não é este o marxismo a que se referem?
Haverá outro que eu não conheça?
Às tantas, os que sairam do PC e passaram a ser ouvidos, é precisamente porque deixaram de debitar a cassete.
Caro José:
Vim espreitar este post, porque já pressentia o seu comentário. Sei que para pouco servirá o que lhe digo, mas não posso deixar de lhe lembrar, a propósito de Norberto Bobbio, o seguinte:
Se ler a biografia deste militante socialista, verá que Bobbio sempre recusou ostracizar os comunistas, defendendo sempre um diálogo democrático com eles, sustentando que os comunistas "não adversários, mas interlocutores".
E escreve na sua Autobiografia: “Nunca fui comunista, como sabes, mas agora que com o ruir do comunismo histórico teria surgido a ocasião propícia para uma grande iniciativa unitária, a pequena polémica quotidiana parece-me absolutamente estéril. “
E mais adiante: “(…) eu não sou político, sou apenas um observador. Não exprimo propriamente uma opinião e muito menos faço propostas. Limito-me a expressar uma impressão."
A polémica “absolutamente estéril” é um pouco semelhante a esta.
Um abraço
Mio caro Primo:
Lei capisce italiano? Va bene.
Si puo leggere in altavoce e si capisce meglio.
Neanchi, la lettura di questo piccolo testo apporta le soluzione ai suo dilemma: essere o non essere. Shakespeare lo aveva presentato secoli fa...
Fora de brincadeiras, caro Primo:
Bobbio foi um dos mais severos críticos do marxismo e ...do comunismo que nestas coisas, não se distinguem.
Quem quiser distinguir o marxismo do comunismo, enveredando pelas arribas do trotskismo ou do maoismo ou do fidelismo ou do do enverhoshanismo ou outro ismo à esquerda leninista, pode fazê-lo, mas será o herói das teorias abstractas.
Não conheço nenhuma sociedade que se tenha reclamado do marxismo que não tenha apresentado todos os problemas que levaram os seus cidadãos a fugir do sistema como o diabo da cruz.
Apresentem-me uma só. Um modelo que seja que tenha resultado em qualquer parte do mundo.
COnvencer-me-ão então da minha falta de razão.
Se o argumento for do género de não haver modelo a apresentar mas a teoria que o sustenta ser muitíssimo válida e afinal nunca ter sido posta em boa prática por causa dos malvados que deturpam tudo,então o melhor é não ir por aí, porque argumentarei sempre que de boas intenções anda o inferno cheio. E a Igreja há séculos que tem uma doutrina social que pode muito bem suprir aquilo que pretendem: ajudar quem mais precisa, elevando o nível de vida de todos e pedindo a quem mais tem. E neste mais tem, incluo tudo: a inteligência, a sorte, as oportunidades em nascer aqui e ali e a crença na bondade do espírito humano.
Caro José:
Está completamente enganado.Leia a carta de 12 de novembro de 1990 citada na sua Autobiografia
Um abraço
O link saiu marado. Mas basta esta parte:
Per quanto riguarda invece le vicende storiche del comunismo, egli, nel celebre saggio su L'utopia capovolta, parla di fallimento. Anzi egli usa la parola catastrofe, la catastrofe di un grande ideale, della più grande utopia politica della storia. L'ideale comunista in altre parole è fallito anzi si è rovesciato trasformandosi esso stesso in rozza materia cioè assumendo su di sé la negatività reale, l'oppressione, l'ingiustizia, da cui intendeva riscattare l'umanità. Oggi la democrazia sarà chiamata a fare i conti con lo stesso ideale di emancipazione dei poveri, degli oppressi, dei dannati della terra, da cui il comunismo era nato. Secondo Bobbio, bisogna distinguere tra il comunismo storico, cioè il movimento mondiale nato dalla rivoluzione russa, dall'ideale di emancipazione di giustizia in cui il comunismo storico affondava le proprie radici. Il fallimento riguarda il primo; il secondo, ritiene Bobbio, non potrà non riemergere storicamente in altre forme, magari completamente diverse. Sia chiaro: il fallimento storico non è tanto quello dei regimi comunisti quanto quello della ideologia e del movimento comunista; è il fallimento che consiste nel capovolgimento dell'ideale città, nella sua degenerazione da sogno a incubo terribilmente reale. Ma perché l'utopia comunista si è capovolta? Gli ideali che si capovolgono, secondo Bobbio, sono quelli che vengono concepiti e perseguiti in un modo che non tiene seriamente conto dell'esistenza e della persistenza della rozza materia. Sono gli ideali di coloro che credono di poterla travolgere e di sostituire ad essa un mondo nuovo, diverso, perfetto, il novello Adamo che implica una seconda nascita, una rinascita.
E principalmente isto que é o que tenho vindo para aqui a escrever, desde sempre:
In un celebre dibattito intorno al tema “Esiste una teoria marxista dello Stato che possa valere come modello contrapposto alla democrazia dei moderni?”, Bobbio risponde di no. Sosteneva infatti che Marx non si era preoccupato di prevedere quali dovessero essere le regole per dare vita a uno stato “col volto umano”, semplicemente perché lo stato in quanto tale, secondo la dottrina originale marxiana, era destinato a scomparire.
Caro José:
Eu gosto de falar e ler na minha língua, a de Camões.
Norberto Bobbio, no seu trabalho fundamental, “Teoria Geral da Política”, editado por “Campus”, na página 652, escreve o que anteriormente lhe citei. Leia o livro, por favor! É a obra mais importante de N.Bobbio.
Repare no seguinte: Bobbio, como todos os intelectuais do seu tempo, viveram os problemas das duas guerras mundiais e essa experiência não lhes permitiu ser anticomunistas. Todos eles são pelo diálogo entre comunistas e não comunistas. Leu, com certeza, Roger Garaudi. Lembra-se do que ele dizia no seu livro “Para um Diálogo das Civilizações”?
O liberalismo do tempo destes pensadores era apenas económico. Só recentemente, se desenvolveu o liberalismo político com a ideia de Estado mínimo. E isto tem a ver com um grande salto do desenvolvimento económico na Europa, o aparecimento da sociedade da abastança.
O estado mínimo (que dá proveito à nova classe dominante) surge oposto ao estado totalitário. E correspondem a paradigmas ou modos de ver o mundo completamente diferentes.
No pós-guerra é a fome, a miséria, o sofrimento e não a abastança que constitui a primeira preocupação dos grandes líderes políticos. E isso obriga-os a organizar o Estado de forma a garantir a satisfação de direitos sociais, tal como o marxismo os viu.
O Estado, segundo os marxistas, deveria defender uma maioria pobre contra o egoísmo económico de uma minoria de exploradores.Deveria proporcionar a esta maioria o direito ao pão, à saúde, à habitação e ao trabalho. A deriva radical, o estado totalitário, surge neste contexto.
Aliás, hoje há um retorno às preocupações marxistas. Repare na crítica que faz P. Ricoeur ao sistema democrático. Ele diz que, à medida que a pequena e média burguesia se foram desenvolvendo e se tornaram a maioria, tomaram conta do sistema. Agora é uma maioria (pequena e média burguesia = o centrão)que exclui minorias. Esta não tem quem os defenda no Estado. porque o seu peso no sistema é muito pequeno.
O comunismo não é uma criação pura do marxismo. Surgiu (as comunas)com os primeiros cristãos que punham tudo em comum, os das catacumbas, e prende-se com o “Sermão da Montanha”: «tive fome, deste-me de comer, estava nú…, etc”.
O “Pai-Nosso” é uma espécie de manifesto comunista (light) que apela à união contra a falta de pão, de habitação, de saúde.
Mas o meu amigo, se quiser actualizar a sua critica ao marxismo tem de entrar noutro paradigma: ler, p. ex. a revista Krisis. Eu já tive o site desta revista, mas perdi-o. È interessante. Aí escreve Roswitha Scheolz e Robert Kurz que são marcos na filosofia política contemporânea que procura superar as teses do marxismo.
De contrário continua com as vibrações emocionais, caindo num anticomunismo primário, já gasto, comicieiro e fora de uso.
Um abraço
Um esclarecimento:
Eu sei que o liberalismo político surgiu com a modernidade e desenvolveu a ideia de liberdade e direitos políticos dos cidadãos. O liberalismo de que falo é o que hoje em dia apareceu a defender a ideia de que o estado deve ser mínimo. Esta ideia é recente e surge acompanhada do combate ao totalitarismo (muitas vezes, vendo o totalitarismo de estado em tudo, no sistema nacional de saúde, no sistema educativo, no sistema das prisões, etc., e há-de acabar por ver uma ideia totalitária na forma como se organiza a justiça, p.ex,.)
É a deriva radical que configura a outra face da mesma moeda, a do fundamentalismo.
Não me recordo de ter lido alguma coisa de N. Bobbio.
Anoto que a teoria do “Estado mínimo” foi uma moda há muitos anos (Menos Estado melhor Estado). Em Portugal, como em tudo, estas modas chegam tardiamente. Hoje os grandes mentores do estado mínimo são os senhores do Compromisso Portugal.
Também não me parece muito importante discutir (ou especular) acerca do que é o marxismo ou diferentes marxismos. O que pretendia evidenciar (parece que não o consegui) era mostrar que não há uma cassete, antes duas cassetes.
Para além da reconhecida cassete PC há a cassete da direita, aquela que repete até à exaustão:
- Que a esquerda é incapaz de se renovar
- Que a esquerda mantém um discurso marxizante ou neo-marxista (?)
- Que a esquerda tem um discurso político repetitivo, que se julga a única detentora da justiça social
- Que a esquerda defende um igualitarismo desajustado
- Que a esquerda é esbanjadora dos dinheiros públicos
- Que a esquerda é antiquada, não se renova nem acompanha a evolução do processo produtivo, do mercado
Pretendia ainda mostrar que são sempre os mesmos, e há muitos anos, a dominar o debate nos meios de comunicação e a influenciar o sentido das ideias.
Com as recentes eleições francesas e a contínua regressão do PCF, lá voltou a conversa de que o eleitorado os penalizou por não terem sido capazes de se adaptarem. Contudo, por cá critica-se o PCP por não ser como PCF ou o PCI.
Ainda mais curiosa é a análise que alguns fizeram a propósito do desaire eleitoral do PSF. Segundo esses analistas o PSF foi penalizado porque continua “cercado por uma mentalidade revolucionária” (!!!!) e que terá de mudar de paradigma, reinventar-se, se quiser manter a influência que já teve na sociedade francesa.
Como se entende por estas críticas, o que está em causa não é o ataque ao PCF ou ao PSF, o que se ataca é qualquer resquício da teoria marxista que ainda possa subsistir em algum desses partidos.
Meu caro Primo:
Ainda não entramos no chamado diálogo súrdico, mas para lá caminhamos a passos largos.
Quanto às opções ideológicas, neste momento o que me preocupa é o sistema autofágico em que estamos mergulhados. Dito de outro modo, o efeito borboleta de certas decisões e atitudes que tomamos enquanto seres que habitamos neste planeta.
Muita gente acha que isso advém do globalismo do capital que circula e se implanta onde dá mais jeito. Quem isso critica, fá-lo em nome dos velhos reflexos anti-capitalistas e não para resolver os problemas por outra via que não seja essa- a de represtinar o velho sistema alternativo e de socialização de meios de produção, por várias formas e feitios. Creio que é essa a posição ideológica daqueles - como leio por aqui- que ainda acham que o marxismo tem algo a dar ao mundo.
Por mim, não vou por aí. Vou mais pelo lado daqueles que aceitam o sistema, combatendo as suas perversões, mesmo que em contradição e aparentemente insuperável.
Se nos destruirmos a nós mesmos, no tal processo de autofagia, não sei para que prestamos.
Em resumo, eliminar os desequilíbrios, dentro do sistema global da circulação de valor que é hoje o capitalismo.
Mas para dizer como é que se faz, já não sei dizer. Acredito, porém, em quem acredita nesta espécie de ideologia, sem ideologia aparente a não ser o bem comum, num máximo denominador.
Caro amigo:
Os conceitos são polissémicos. Temos de os contextualizar para encontrar o sentido que lhes é dado. Essa tem sido a minha preocupação. Talvez não o tenha conseguido, mas não penso que haja um conflito de interpretações. E a razão é simples: o meu amigo continua na mesma tecla: «o marxismo nada tem (…) o marxismo é autofágico».
Eu penso que essa tecla é um preconceito e nada mais.
Repare que Marx foi filósofo, economista e historiador. Há quem, inclusivamente, defenda que o marxismo é um método de análise.
Dizer, por exemplo, que “o nosso modo de viver determina o nosso modo de pensar” ou “não se pode compreender uma sociedade sem compreender o seu modo de produção” é defender um método de análise marxista que os psicólogos, os historiadores, os economistas aceitam, hoje, sem excepção.
Marx foi um dos maiores pensadores de todos os tempos, ao lado de Kant e Hegel. Estudou Aristóteles e admirava-o. A sua análise do sistema capitalista influenciou os economistas e sociólogos contemporâneos.
Não se pode estudar economia ou sociologia sem ter em conta as ideias marxistas, independentemente de ser ou não marxista. E esta é uma verdade com muita força, quer o meu amigo queira ou não.
Não percebo que, sendo tão aberto e pluridisciplinar o marxismo se diga que é “autofágico” ou que “o marxismo nada traga de importante”.
Será que Aristóteles, Hegel ou Kant nada trazem de importante ou de novo?!..
Naturalmente, os grandes pensadores são como os fontanários: permanecem iguais, mas jorram a água (sempre nova) que renova as nossas células e é uma parte importantissima, cerca de 80% , dos elementos que compõem os seres vivos.
Encontrei uma referência à Krisis
http://www.geocities.com/grupokrisis2003/krisis_indice_geral.htm.
São interessantes os seus artigos e para todos os gostos.
Mas há mais referências…
Um abraço
Meu caro Primo:
Quandó falo no fenómeno autofágico nem é do marxismo que falo, mas da sociedade actual, em que vivemos, neste nosso mundo, incluindo o sistema comunista instalado na Coreia do Norte e em Cuba.
Falo da capacidade em nos destruirmos se não tivermos cuidado com o ambiente, com o modo de produção que desbasta recursos e nos estragará a própria vida enquanto seres humanos.
E nisso, acredito que já estejamos de acordo. COmo em outras coisas, aliás.
Naturalmente, há muitos denominadores-comuns entre nós.
Olhe, não perca a Krisis. mas vá pelo http://www.google.pt/. Produre Krisis.
A referência
http://www.geocities.com/grupokrisis2003/krisis_indice
está a levar-me para outro lado, que não ineteressa.
Caro Primo:
Já fui ao Krisis. Crisis? What crisis?!
Aquilo é um refúgio para intelectuais de esquerda, convencidos que o tempo parou e que as 11 teses refutadas a Feuerbach ainda são o supra sumo da intelectualidade que pensa que a religião é o ópio do povo.
O estudo aturado sobre o valor e o trabalho, podem produzir ideias interessantes. O problema é passar do idealismo à praxis. E esta, se for coerente com aquele, dá desgraça.
Cito novamente o Evangelho: pelos frutos se conhece a árvore.
A árvore marxista deu os frutos que deu...
Meu caro amigo:
Sempre detestei a ética de Pilatos: pedir a um amigo para ir a um lugar, donde lava as mãos.
Eu penso que nesse espaço há uma critica interessante ás teses tradicionais do marxismo (e com as quais eu concordo, nomeadamente as que referiu e também sobre o direito). Por isso, lhe sugeri uma espreitadela.
Se fosse um espaço muito “direitoso” eu não ia para lá e consequentemente não o sugeria a ninguém.
Para os amigos faço sempre o que acho melhor!
Um abraço.
Pois é...são as afinidades electivas.
Estou mais do que convencido que não adianta argumentar com os mais sólidos argumentos ou com a mais evidente das razões, para defender ideologias ou crenças.
Julgo até que certas ideologias ( a marxista leninista, mesmo temperada com aggiornamentos vários, como se pode ler por aí, no Krisis)são semelhantes às crenças religiosas e os oficiantes, como foi Álvaro Cunhal, ( para não falar de um que conheço pessoalmente que o ajudou a fugir de Caxias, dando uma injecção não letal a um dos guardas), são exactamente iguais aos oficiantes das religiões. São iguais aos bispos, pastores, rabis, muhlas, etc etc.
Nada há a fazer senão respeitar essas pessoas. E pode crer que da minha parte merecem todo o respeito.
Prefiro um crente ( desde que não fanático) a um indiferente.
É por isso que respeito mais os comunistas verdadeiros que conheço, por perceber que as crenças são do domínio do irracional.
Principalmente essa. Em relação à religião, como dizia um tipo que conheço, nunca ninguém veio de lá para contar como é...embora me sinta muito bem por achar que há um lado de lá que nem pressinto como seja.
E outro abraço, também. Tenho-me esquecido, mas vai agora reforçado.
Caro José:
Não pense que pode haver da sua ou da minha parte razões para desconsiderar crenças diferentes.
Dizia um grande filósofo, Charles Sanders Peirce, no seu livro “Fixação das Crenças” que «o objecto do raciocínio é descobrir, a partir daquilo que acreditamos, alguma outra coisa que desconhecemos». Fixamos crenças e estas só mudam, quando há uma espécie de “insight” ou intuição psicológica.
A minha tese de mestrado foi sobre “A ideia de progresso em Thomas Khun”. Este filósofo da ciência ajudou-me a perceber que o progresso científico se faz por rupturas de modos de ver o mundo e não por uma mera argumentação lógico-matemática ou pela indução dos factos, como pensavam os positivistas. Há diferentes racionalidades e a ciência trabalha com crenças ou paradigmas.
Os cientistas são de uma forma geral conservadores, porque acreditam que a ciência só funciona com o seu modo de ver o mundo. As novas descobertas aparecem com os cientistas “contra a corrente”, os que têm modos de ver o mundo que não é dominante. Publiquei esta tese na Edt.Afrontamento.
Com isto só lhe quero dizer que esta questão da racionalidade é muito complicada e, por isso, a postura intelectual mais avançada é sempre a da humildade, da abertura a posições diferentes. Mas esta abertura só é consequente, quando o “insight”, a intuição afectiva, nos faz mudar de crenças.
Eu respeito as suas crenças e sei que respeita as minhas. E isso é que torna estimulante o debate, pois isso distancia-nos da preocupação de um converter o outro e sabemos que nunca nos chatearemos, mesmo confrontando paradigmas incomensuravelmente diferentes. Como o de Ptolomeu e o do Galileu!...
Um abraço
Para aqueles que se preocupam com o rigor epistemológico, acrescento o que eles sabem:
Khun não designou a intuição que leva a uma mudança de paradigma, por insight, mas por “revolução científica”. Comparou-a ao que se passa com uma mudança gestaltica: todos nos lembramos, p. ex., da figura que é vista como dois rostos virados um para o outro e outras vezes como uma taça.
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