26 agosto 2007

Felicidade


A incessante e cansativa procura do ser humano pela felicidade foi algo que sempre despertou o meu interesse. Digo incessante e cansativa pelo que representa de obsessão nesta nossa sociedade ocidental, dita moderna. Parece que o direito a se estar infeliz já não existe. Como diz Pascal Bruckner, no seu excelente livro L’euphorie perpétuelle”, que recomendo vivamente, esta sociedade não dá espaço para a nossa tristeza.

Por exemplo, quando nos perguntam ( e perguntam sempre) “Como vai?” se respondemos “Mais ou menos” temos logo um inquérito em cima de nós, questionando sobre a razão de não estar “Muito bem, obrigada!”. Experimentem. Verão que terão logo como resposta “Algum problema?...”

Há uns anos atrás passei por uma situação que me deitou abaixo quase completamente. Se atendermos ao facto de eu ser uma pessoa extremamente optimista, rapidamente se conclui da gravidade da situação. Nesse período é que percebi até que ponto as perguntas mais banais podem invadir o nosso recato e deixar-nos desamparados entre a vontade de não falar, de mater a nossa privacidade, e a mentira banal “Tudo bem, obrigada”.

Tudo, ou quase tudo, que nos tentam vender é com a mensagem de felicidade anexa. Ou porque nos vai dar cabo do mau colesterol, tornar-nos saudável e desse bem-estar advém a felicidade; ou porque nos vai tirar, ou evita as rugas, fontes de infelicidade; ou porque vamos ganhar aquela viagem formidável num sorteio; ou porque nos vai permitir falar com todos os mil amigos sem pagar quase nada; ou porque… todos nos vendem a felicidade num boião, numa caderneta, numa casa com electrodomésticos, num telemóvel. E depois? Será que depois de termos isto tudo vamos ser felizes? Parece que não, já que os centros comerciais estão cheios de pessoas com casa repletas de mobilas, electrodomésticos e tudo o mais que promete a felicidade.

E há também um outro aspecto importante neste processo de venda da felicidade: as seitas religiosas. Aqui o que se compra vai directamente ao âmago da coisa. A transacção é feita directamente para o desgosto e sofrimento alheio, para que acabe. Oferece-se, melhor dizendo, vende-se a felicidade. E esta felicidade tem ainda um atractivo suplementar: é eterna. Este processo parece quase incompreensível no sentido de como é que as pessoas se deixam convencer nestas tretas. E são tantas as pessoas que se envolvem. E são tantas as tretas…

O que se vê nesta sociedade, é que a incessável busca da felicidade promove o pavor da doença, do envelhecimento, da morte, logo, uma vida de desassossego.

3 comentários:

carteiro disse...

É como diz. Mas o que é pior é que, assim, cada um tende a esquecer a felecidade dos que os rodeiam. Está muito egoísta, este mundo...

Silvia Chueire disse...

Lembro-me de uma professora de sociologia ( eu estava no 10º ano ) que nos ensinava : "a finalidade do Homem é a felicidade". E isto me fazia pensar...

Como vc diz, cada vez mais lidamos com o marketing da felicidade e todas estas "felicidades" parecem fundamentais para as pessoas. Não as alcançar, um fracasso.
E a tristeza sobrevém ( eu devia dizer depressão?). Afinal também os grandes laboratórios, estas indústrias poderosíssimas, precisam vender a felicidade em pílulas. De modo que ampliou-se o espaço para a...depressão. O da tristeza segue restrito.

Como diria o meu cão, a vida é mais simples que isto. Muito mais. E ainda que não sejamos cães e nem sejamos tão simples, é chegada a hora de nos perguntar-mos francamente o que de fato precisamos para sermos felizes. O problema não é deixar de almejar a felicidade, mas saber, no íntimo de nós, o que, para cada um, é suficiente para alcançá-la. A questão, penso, está em trazer para perto (para dentro)de nós esta possibilidade. Assim, se (e este é o outro lado da moeda) alguém nos perguntar "Como está?". Podemos responder sem constrangimentos " Estou feliz!". Tão sem constrangimentos quanto nos sabermos tristes . E nada isto parecerá pecado, fracasso,inadequação.

O meu olhar disse...

Essa é uma grande verdade Carteiro, além de estarmos excessivamente centrados em obter a nossa felicidade tendemos a esquecer de contribuir activamente para a felicidade dos outros.

Sílvia, o seu cão é definitivamente um ser cheio de sabedoria. A vida é de facto muito mais simples do que dela fazemos e a felicidade pode, como diz, ser encontrada dentro de nós. Essa pergunta que referiu “ O que precisamos para alcança-la?” é central. A resposta está sempre dentro de nós.

Sabe, estes dias dei comigo a olhar para a multidão numa rua, tipo formigas programadas, e a pensar: que distantes estamos da terra, da natureza, da tranquilidade. Construímos tanta coisa, cercamo-nos de tanta tralha e distanciamo-nos das origens. Penso que é por isso que eu sinto uma tranquilidade e uma felicidade que não consigo passar para palavras quando estou no meio da natureza.