Em qualquer sítio desta casa, provavelmente entre velhas colecções do “A Suivre”, do “Harakiri”, do “Charlie hebdo” e do “Echo des Savanes” ainda devem restar alguns exemplares do "Actuel".
Tralha dos anos sessenta e setenta, mais estes do que aqueles, dirá algum dos “rapazes” que depois de ter palmilhado “un petit bout de chemin” com a geração de sessenta foi dar uma volta por outro lado. Também por aqui há bom número de “arrependidos”, de “envergonhados” e de tontos que que acham necessário renegar tudo para acampar no neo-liberalismo triunfante. Os pobres tristes (e nunca a expressão “neo-cons” foi tão bem aplicada...) pensam que à força de novo proselitismo podem entrar na primeira divisão do conservadorismo... Alguém lhes devia contar aquela de “Roma não pagar...”
Bom, tudo isto vem a propósito de mais uma morte. Jean François Bizot fez o que pode contra o cancro mas este jogava em casa. Aos 63 anos é mais um de uma já longa lista que “passa a arma à esquerda”, para traduzir literalmente uma expressão que o seu antigo jornal não desdenharia. Bizot, pai do “Actuel” onde também estiveram Kouchner agora vagamente ministro (se é que Sarkozy já os deixa fazer qualquer coisinha) e Michel Antoine Burnier (e Patrick Rambaud, já agora) foi um dos homens da descoberta do underground pelos franceses e a esse título personifica, de certo modo, uma das derivas interessantes do joli mois de Mai. Impertinente, apaixonado, intratável segundo alguns, capaz de ganhar dinheiro em qualquer circunstância, ele que nascera rico e que, recém-formado em engenharia entra clandestinamente como operário numa fábrica para perceber como era, foi além do mais um jornalista talentoso que começou no Express, vagueou pelo Nouvel Observateur antes de se convencer a fazer ele mesmo um jornal que fosse diferente. E foi. Para elogio fúnebre, chega. Mas que deixa um vazio, ai isso deixa.
Tralha dos anos sessenta e setenta, mais estes do que aqueles, dirá algum dos “rapazes” que depois de ter palmilhado “un petit bout de chemin” com a geração de sessenta foi dar uma volta por outro lado. Também por aqui há bom número de “arrependidos”, de “envergonhados” e de tontos que que acham necessário renegar tudo para acampar no neo-liberalismo triunfante. Os pobres tristes (e nunca a expressão “neo-cons” foi tão bem aplicada...) pensam que à força de novo proselitismo podem entrar na primeira divisão do conservadorismo... Alguém lhes devia contar aquela de “Roma não pagar...”
Bom, tudo isto vem a propósito de mais uma morte. Jean François Bizot fez o que pode contra o cancro mas este jogava em casa. Aos 63 anos é mais um de uma já longa lista que “passa a arma à esquerda”, para traduzir literalmente uma expressão que o seu antigo jornal não desdenharia. Bizot, pai do “Actuel” onde também estiveram Kouchner agora vagamente ministro (se é que Sarkozy já os deixa fazer qualquer coisinha) e Michel Antoine Burnier (e Patrick Rambaud, já agora) foi um dos homens da descoberta do underground pelos franceses e a esse título personifica, de certo modo, uma das derivas interessantes do joli mois de Mai. Impertinente, apaixonado, intratável segundo alguns, capaz de ganhar dinheiro em qualquer circunstância, ele que nascera rico e que, recém-formado em engenharia entra clandestinamente como operário numa fábrica para perceber como era, foi além do mais um jornalista talentoso que começou no Express, vagueou pelo Nouvel Observateur antes de se convencer a fazer ele mesmo um jornal que fosse diferente. E foi. Para elogio fúnebre, chega. Mas que deixa um vazio, ai isso deixa.
Na gravura: uma capa de Actuel, provavelmente a última e um sinal claro da estética daqueles. anos
6 comentários:
Sim senhor...Bizot. A Actuel era uma revista fantástica, na composição gráfica e nos desenhos e que copiava uma americana- a National Lampoon.
Tenho por aí dois números da primeira série. Um de 1970, outro de 1974.
A última série e que difere desse número mostrad, entrou pelos anos oitenta e já nada tinha a ver com o anarquismo das primeiras ilustradas por Crumb e pelos autores americanos de comics e ainda franceses como Masse.
Mas a linha Bizot, será que era de esquerda? Libertariamente de Esquerda ou apenas livre de espartilhos, mesmo de esquerda?
E não, não sabia da morte de Bizot, pelo que vou tentar o obituário.
Sei-o por aqui e penso que é o melhor sítio para o saber.
E o meu obituário está aqui ( e ali, com imagens originais da revista que afinal é de Outubro de 1971):
Por cá, vai passar incógnita, a morte de Jean-François Bizot, ocorrida no passado dia 8, devido a cancro. Contudo, não devia, porque todos os que se derreiam de incómodo à simples menção de Maio 68, deveriam saber quem foi Bizot, para poderem perceber melhor porque é que Sarkozy veio a escolher como ministro dos Negócios Estrangeiros aquele que no dia 7 esteve em Viana do Castelo: Bernard Kouchner, e que hoje disse ao Le Nouvel Observateur: “Era meu amigo, um formidável companheiro de aventuras. Tinha a inteligência dos seus magníficos talentos. Gostou das peregrinações de Bukowski e do underground americano cujas sendas secretas foram captadas pela Actuel, uma revista a que ficará para sempre ligado. Tenho de homenagear a memória deste decifrador que soube casar os contornos do seu sonho e incidir no espelho do tempo os seus reflexos mais variados”.
A revista Actuel, fundada em 1970 por Bizot, era um must da então chamada contra-cultura, um conceito fluido sem margem de definição precisa.
A revista, de grafismo fantástico e delirante, com desenhadores do sonho dos comics americanos, paginava textos libertários e de combate ao satus quo. “O capitalismo cheira mal” ( Outubro 1971). Nesse mesmo número, o mesmo Bernard Kouchner, actual ministro de Sarkozy, escreve sobre a revolta nas prisões americanas: “Sabemos bem: cada um deve bater-se por si. Bairros de lata e racismo são também assunto nosso e as morais abjectas do dinheiro, da bófia e das autoridades. Mas poderemos mudar de vida, gritá-lo nas ruas e acreditar nisso, se nos afastarmos dos oito milhões de agonizantes do Bangla Desh sob o pretexto de não terem uma etiqueta política suficientemente nítida? Ou que o acontecimento não seja suficientemente mobilizador.” Aí estava a ideia da Esquerda internacionalista, proletária e tudo.
Nunca admitiriam ser de Direita, embora a marginalização na Esquerda clássica fosse imprecisa e talvez sejam afinal os percursores das novas tendências do idealismo utópico, para além do comunismo e antes do liberalismo. Muitos dos seus representantes conhecidos, tornaram-se reconhecidos pelos poderes actuais do socialismo e até pelo sarkozismo nascente. O discurso actual de Serge July é o melhor exemplo dessa ponte de contradições que atravessou três ou quatro décadas. Não lamenta o desaparecimento do PC em França e admitiu o capitalismo liberal no jornal que ajudou a fundar. Por cá, temos o José Manuel Fernandes do Público, e outros, como exemplos Actuel.
Vieram do trotskismo, do anti-estalinismo, e do anti-capitalismo. Nos anos sessenta, em França, opunham-se ao PC e ao Gaullismo. Amantes de jazz, descobriram depois o rock e foram os primeiros a usar jeans.
Esquerdistas, estes libertários? Peut être, no sentido que Lenine lhes deu: pequenos burgueses que sem gostar do capitalismo, repudiavam igualmente a revolução de Lenine. Em França que não por cá, os seus intelectuais , repudiaram o estalinismo e opuseram-se ao colonialismo e ao capitalismo ainda. O partido comunista nunca lhes deu trela, por isso mesmo, mas ainda assim, herdaram a tradição da grande Esquerda das ideias libertárias, do surrealismo, do anarquismo, numa palavra: da Utopia. E por isso, usaram a sua linguagem codificada, de antifascismos, de lutas contra a burguesia, com todas as palavras emprestadas daquela Esquerda que diziam execrar.
Em França, o seu jornal de sempre é o exemplo do tempo que passa. O Libération, falido, acabou comprado pelos grandes capitalistas e segue a utopia de sair dia a dia, tentando vender o que é preciso para pagar as despesas.
Encalharam agora no reduto da defesa das minorias, das causas minoritárias e sempre à sombra da velha Utopia que Bizot acarinhava. Se a esquerda comunista sonhava com amanhãs a cantar, de que estofo será o sonho destes libertários? Se a verdade da Esquerda marxista, sonhava em transformar o Homem, num novo Ser, será que estes avatares, sonhavam com sucedâneos? Parafraseando um livro de Philip Dick, um autor de ficção científica caro a Bizot: será que os andróides sonham com carneiros eléctricos?
Caro José
Não misture alhos com bugalhos, homem de Deus! Deixe o pobre Fernandes, nacional, no seu lugar e não o ponha a jogar na divisão dos grandes, ou pelo menos dos mais velhos, dos do Maio 68.
Quanto a Kouchner, que direi eu que o conheci no Balzar se não erro uma vez em que fui a Paris e caí numa livraria muito mao-spontex. quando pedi uns números em falta dos cahiers marxistes-leninistes fui tomado por um veterano. Depois de me saberem a nacionalidade e aventuras policiais fui um heroi! enfim... rapaziada. acredite que nos anos de brasa aquela malta era claramente de esquerda diga lá Lenine, fraca figura!, credo!, o que disser. Mudaram? Também eu! Mudaram demasiado? Talvez.
O que eu não engulo é o renegar, o apagar o passado por palavras, obras ou pensamentos como no acto de contrição. E o que não perdoo é o cair na burrice de se entregarem de mãos e pés atados ao inimigo de classe a pretexto que somos todos uns gajos porreiros. Nem o inimigo os respeita nem eles se respeitam. Daí o ar enrascado com que por vezes os vemos.
eu entendi a esquerda sempre do mesmo modo, com poucos modos,claro e por isso o actuel. E A suivre. E o Echo... e sobretudo os charlie e Harakiri. dizer isto a um tipo da minha geração é falar em muitas coisas, em young angry men, em beatnicks, em underground, mas também em Bergman ou antonioni para não ir muito longe. E em jazz, pois! E neste pois não fica o free mas fica de certeza ellington, não ficam uns xaroposes rapazes muito óropeus, entenda-me mas fica Parker e rollins e mingus e Armstrong o principe e Lester o presidente etc.. o mundo da esquerda, caro Zé, é multímodo, aberto e fartamente dialogante. É só bater à porta que do lado de dentro há gente, e muita, para o espantar.
Também há filhos da puta mas esses são:
a) filhos da puta
b) de esquerda e não o contrário.
Um abraço
E então o Kouchner que ministra nos negócios do exterior francês, nos negócios com o Médio Oriente, o Iraque anterior, a Síria, o Líbano. Nós nada temos para dizer naquelas bandas, mas os franceses têm. E têm agora o Kouchner, amigo do Bizot, compincha da Actuel que escrevia aqueles belíssimos parágrafos sobre o Bangla Desh e os pobres no internacionalismo proletário.
Quanto á esquerda, citei o JMF porque vem do mesmo lado, do maoismo arrependido. Tal como Kouchner e outros. Você, não andou pelo maoismo, andou pela Esquerda, a tal que havia de florir debaixo das pedras da calçada do Bv. St. Michel. Quando havia calçada, porque hoje, nem há. Está tudo em tapete...ahahahah!
Eu gosto da Esquerda utópica, mas apenas como memória das artes, letras e música. gosto das revistas, das ilustrações, dos desenhos, da liberdade de ser contra certos costumes.
As ideias políticas, no entanto, e que lhes eram associadas por mero idealismo, eram medonhas. Tanto que nem o July aguentou e mudou a agulha. Agora, até se congratula com o desaparecimento do PCF e despreza a esquerda, mesmo que não tenha perdido a memória.
E andou de braço dado com o Sartre e o Henri Lévy, a distribuir tracts em apelo da greve geral...
Quando V. diz que a esquerda é plural, o sentido não coincide com aquele que eu fixei.
O pluralismo de Esquerda, não admitia divergências consideradas burguesas. E a existência de variadas correntes nessa Esquerda, não garantia melhor pluralidade de pensamento. Este, a meu ver, era único: tudo contra o capitalismo e a burguesia.
E até parecia uma ideia gira...não parecia, caro MCR?
E fala na (A Suivre). Pois bem. Essa revista saiu em 1978 e tenho os primeiros números e muitos seguintes, porque tinha as bandas desenhadas e contos breves que me interessavam na altura.
Sobre a (A SUivre) já escrevi algures isto:
A revista (A Suivre), publicou o primeiro número em Fevereiro de 1978 e foi uma novidade de tomo no universo da banda desenhada franco-belga. Nessa época, ainda a passar uma fase de ouro, com novos autores a aparecerem no panorama de outras publicações como a Métal Hurlant, surgida em 1975 e a Pilote que se aguentava desde os anos sessenta, para não falar do Tintin que sobrevivia desde sempre, a banda desenhada, merecia atenção.
Na (A Suivre), toda a preto e branco, Jean-Paul Mougin, prometia dedicar as páginas ao “récit”, à narrativa, “sous toutes ses formes”. Não existe povo sem narrativas, e estas chamam-se mitos, lendas, história, romance, banda desenhada, escrevia o primeiro chefe de redacção da revista. Que contava com o nome de Etienne Robial, o genial designer gráfico da Métal Hurlant e cultor das letras em forma sólida e ampliada e do traço grosso, a negro, a separar os artigos e o enquadramento das colunas de texto.
O primeiro número da revista trazia o início da historieta de Tardi e Forest, Ici Même e ainda, entre outras, Corto Maltese, de Hugo Pratt, na aventura na Sibéria, onde aparece um certo Rasputine.
O último número da revista, foi em Dezembro de 1997, quase vinte anos depois. Nela se publicam várias historietas curtas de vários autores de bd.
Foi nessa revista que vi os desenhos de Manara pela primeira vez, em modo a preto e branco. As mulheres de Manara, copiadas de modelos das revistas...humm...que se escondiam de olhares indiscretos.
E Pratt também passou muito tempo por lá.
Quer-me parecer que a (A SUivre) já não seguia a Esquerda tal como ela se apresentava na época, por cá.
Forest não é de esquerda. Tardi também não. Parecem?
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