07 setembro 2007

Poder Económico. Poder Político. Justiça. Cidadania

Poder Económico. Poder Político. Justiça. Cidadania. Estas são as palavras chave da notícia publicada n’ O Diabo, de 4 do corrente. A jornalista coloca a questão de se saber “em que medida é que o poder económico domina os centros de decisão política”, tendo como causa próxima os “exemplos de violação da Lei de Financiamento dos Partidos”.

Para Paulo Morais, um dos entrevistados, “quem controla o aparelho de Estado são aqueles que são nomeados pelos partidos e quem controla os partidos é o poder económico” porque, diz, “os directórios partidários são dominados por cliques que estão ao serviço dos interesses económicos”.

Rui Moreira, Presidente da Associação Comercial do Porto, abordou esta mesma questão afirmando ser natural que o poder económico procure exercer influência sobre o poder político, uma vez que “as políticas públicas influenciam o desempenho dos vários poderes económicos”. Contudo, diz, “o que não é natural, nem saudável, é que essas influências não sejam visíveis”, o que, diz ainda, “contribui para uma relação incestuosa, em que, naturalmente, se subvertem as relações e os equilíbrios de poderes”.

Mas Rui Moreira vai mais fundo na avaliação destas relações e de como promovem a corrupção. Pergunta a jornalista: “Considera que este domínio do poder económico sobre o poder político leva muitas vezes a fomentar a corrupção em Portugal?

A resposta é: “Sim. Mas também me parece que há cada vez mais sintomas de que a corrupção não atinge apenas o espectro político-partidário. A corrupção e a traficância vão certamente mais longe, e podem estar na génese do clima de impunidade que todos sentimos, um clima pestilento que aflige os cidadãos cumpridores e que incentiva os criminosos… A título de exemplo, será que a crise da justiça é apenas um problema de falta de meios e de incompetência? O que sei é que quem tenta denunciar o clima de impunidade, quem se indigna com as negociatas, quem recusa a mordaça, transforma-se numa voz incómoda…”

Que impacto tiveram as desassombradas palavras de Rui Moreira junto do poder político? Terá sido convidado por Sócrates para um jantar? O Ministro da Economia procurou-o para que lhe explicasse melhor como é o que “o poder político disputa despojos com o poder económico tradicional”? E o Ministro da Justiça terá telefonado?

Confesso que, passados estes dias, nada ouvi ou li acerca de tais declarações. Foi como se nada tivesse sido dito ou publicado.

Mas nas palavras de Rui Moreira há ainda um outro aspecto digno de relevo. É que Rui Moreira parece acreditar que “os cidadãos desistiram da intervenção cívica e desinteressada” e quando lhe perguntam - Porquê? Responde, “certamente porque o choque ideológico tradicional desapareceu…
Mas também é óbvio que se o cidadão comum sente que as cartas estão marcadas, não está interessado em participar ou sequer assistir a esse jogo, que deixou de ter regras claras para ser subterrâneo…”

7 comentários:

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Convenhamos que o mensageiro - "O Diabo" - não é dos mais interessantes e seria até útil perceber por que razão a direita que esse jornal representa está tão preocupada com o tal domínio do poder económico sobre os centros de decisão política.
A "boutade" de Paulo Morais é mais uma daquelas a que nos tem habituado - é fácil insinuar sem nada provar.

JSC disse...

Caro JCP

Se o mensageiro é importante, o conteúdo da mensagem não o é menos.

Não consegui colocar no post o link para a notícia, por isso transcrevi parte, sendo que, em particular as declarações de Rui Moreira, merecem ser lidas e reflectidas.

Rui Moreira fala de um “clima pestilento”. José Miguel Júdice, citado, creio que ontem, pelo José, falou de um país “merdoso”. Será que estão a falar da mesma realidade?

carteiro disse...

Eu só posso falar por mim: estou aboslutamente desinteressado da vida política e, até, cada vez menos dado a opinar sequer.

JSC disse...

Caro Carteiro
Não me admira que o desinteresse pela vida política alastre. Este é um dos graves problemas de cidadania com que o país se debate. É uma espécie de doença que contagia. Eu próprio sinto isso e cada vez mais.

Contudo, devemos ter presente que quanto maior for o número dos que se afastam da intervenção pública mais espaço se dá aos que permanecem.

Podemos dizer, estou cansado, farto disto tudo, não voto mais. E os que poderão dizer isto até podem ser a maioria, a tal que não vai votar porque se cansou da política e dos políticos. O problema é que haverá sempre quem vá votar, quem dê a sua opinião. E serão estes a definir as regras, porque os outros, de tão cansados, acharam que não valia a pena.
Podemos não ter intervenção partidária nem participar em organizações cívicas ou outras, mas a capacidade e vontade de opinar nunca deveríamos perder, mesmo que a nossa intervenção apenas se torne visível através de um simples comentário num blog.

O meu olhar disse...

JSC, concordo em absoluto com o teu comentário sobre a não demissão na participação, mesmo que mínima.
Quando a essa de citar O Diabo… não lembra ao diabo!... :)

jcp (José Carlos Pereira) disse...

JSC, concordo em absoluto que não nos podemos demitir da nossa participação cívica. Cada um de nós encontrará, por certo, o meio mais adequado para o fazer. Seja nos blogs, nos jornais, nos movimentos e associações, nos partidos, etc.
Quanto ao desinteresse do carteiro pela vida política, ele não foi bastante para que o nosso amigo não se sentisse tentado a tomar partido nas eleições internas do partido a que pertence. Ora aí está uma forma muito activa de participar e opinar, não será?

rui moreira disse...

Para que fique claro. O jornal "Diabo" contactou-me e pediu-me se estaria disponivel para responder a um questionário escrito sobre este tema. Fiz copy/paste do meu email de resposta:



1. Em que medida o poder económico pode dominar os centros de decisão política no nosso País?

-É natural que os poderes económicos (e saliento o plural, porque há uma enorme diversidade de poderes económicos,) exerçam influências sobre o poder político. Se as políticas públicas influenciam o desempenho dos vários poderes económicos, como se sabe, também é normal que estes exerçam as suas influências sobre os centros onde aquelas decisões são tomadas. O que não é natural, nem saudável, é que essas influências não sejam visíveis. Em Portugal, não há o hábito anglo-saxónico de fazer declaraçoes de interesses pessoais, nem sequer se reconhece o "lobby" como um instrumento lícito. Segue-se a tradição mediterrânica da "cunha" e do "backshish".




2. Por que razão os partidos, por vezes, dependem do poder económico? Nunca serão capazes de se sobrepor a ele e de o evitarem?


O financiamento dos partidos é um problema que, associado às baixas remunerações dos políticos, contribui para uma relação incestuosa em que, naturalmente, se subvertem as relações e os equilíbrios de poderes. Não sei se há solução. Mas, não se pense que há uma relação simples de causa a efeito. Cada vez mais, há sintomas de que o poder político se organiza para disputar os despojos com o poder económico tradicional. Seria interessante fazer uma tabela dos cargos ocupados e empresas participadas pelos que ocuparam lugares de destaque na governação, nos últimos vinte anos.


3. Na sua opinião é nas câmaras municipais que esta supremacia económica é mais visível?

Não. Acho que o poder autárquico tem sido apenas o "bombo da festa". As grandes influências jogam-se noutros corredores.


4. Considera que este domínio do poder económico sobre o poder político leva muitas vezes a fomentar a corrupção em Portugal?



Sim. Mas também me parece que há cada vez mais sintomas de que a corrupção não atinge apenas o espectro politico-partidário. A corrupção e a traficância vão certamente muito mais longe, e podem estar na génese do clima de impunidade que todos sentimos, um clima pestilento que aflige os cidadãos cumpridores e que incentiva os criminosos... A título de exemplo, será que a crise da justiça é apenas um problema de falta de meios e de incompetência?

O que sei é que quem tenta denunciar o clima de impunidade, quem se indigna com as negociatas, quem recusa a mordaça, transforma-se numa voz incómoda. Vive-se assim um clima de "liberdade democrática" em que as vozes incómodas não são presas nem são interrogadas pela polícia política. Em vez disso, são castigadas, impedidas de trabalhar, prejudicadas nos seus negócios. Quando se passa a proscrito, quando se é votado a este ostracismo, a sentença é perpétua: mesmo os amigos que dizem partilhar estas preocupações batem nas costas e dizem bravo mas preferem outras companhias, quando se trata de fazer negócios ou de escolher gestores.



5. É também por este rol de interesses económicos que abundam à volta dos partidos e dos centros de decisão política que os cidadãos já não acreditam nos políticos?

Não sei se os cidadãos não acreditam nos políticos. Parece-me que os cidadãos desistiram da intervenção cívica e desinteressada. Os efeitos sentem-se na base de recrutamento da "classe política" e no empenho dos cidadãos. Porquê? Certamente porque o choque ideológico tradicional desapareceu... Mas também é óbvio que se o cidadão comum sente que as cartas estão marcadas, não está interessado em participar ou sequer assistir a esse jogo, que deixou de ter regras claras para ser subterrâneo.

Há uma perigosa generalização que atinge hoje a opinião pública: a de que os políticos ou são fracos, ou estão na ribalta para "se orientarem". ´Além de ser falsa, essa generalização contribui para afastar os melhores da política. É preciso ter muito espírito de missão para aceitar um cargo de má reputação, em que se é mal pago e em que se expõe a vida particular à insídia e à calúnia.
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É esta a minha opinião e sobre este tema tenho escrito muitas vezes, nomeadamente no jornal "Publico".

Para todos, os cumprimentos do

Rui Moreira