06 outubro 2007

Au Bonheur des Dames 90




Ou sont les librairies d’antan?
(em memória de Jorge Delgado)
Carta ao meu caro leitor José

Ora ainda bem, caro amigo, que em comentário a um destes textos parisienses me fala das livrarias romanas e da excelência da Feltrinelli em relação ao que viu em Paris. Tem e não tem razão, caro José. Tem razão desde logo quando louva a magnífica Feltrinelli onde qualquer pessoa de bem se perde, se arruína e sai desvairada por não poder comprar tudo quanto viu de interessante.
Já houve disso, na margem esquerda do Sena, já... Ainda há restos dessa primitiva grandeza: basta entrar na Joseph Gibert (boulevard de Saint Michel. Cinco andares de livros de todo o género, com saldos e occasions à mistura).
Todavia, o estilo Ferltrinelli, ou melhor o estilo italiano da grande livraria (também vi disso em Veneza,) onde se vendem esforçadamente a literatura geral e a especializada, nunca foi seguido em Paris. Aqui a regra, uma regra com as suas virtudes, é a livraria especializada. Mesmo quando se anuncia “librairie génèrale” quer-se apenas significar literatura e não livros digamos de carácter mais ou menos profissionalizante. Para isso, para Direito por exemplo, há que ir mesmo até às zonas onde as faculdades estão implantadas e aí estão as livrarias especializadas (arredores do Pantheon, rue Souflot por exemplo). O mesmo se passa com as livrarias de medicina, muitas ainda remanescentes, junto da Faculdade no Bd de St. Germain.
E as do teatro, do cinema, da banda desenhada e por aí fora... E as políticas... que já não há.
V. desculpará, mas a pretexto de lhe escrever, o que eu finalmente queria era escrever sobre as livrarias que já não há. Ah, pudesse eu, à maneira desse admirável Villon, que calcorreou estas mesmas ruas por onde eu passeio, escrever também uma balade des librairies du temps jadis.
“...Ou sont les librairies d’antan?”
É que, meu caro Amigo, não consigo passar por St Séverin e não ver a “Joie de lire” do François Maspero, que me foi apresentada pelo Jorge Delgado, príncipe entre príncipes, leitor furioso e especializado: só política. E nesta, só a esquerda. O resto era para ele quase uma abominação, uma perda de tempo impensável. Obviamente a Joie de Lire era a sua catedral. Que de livros lá comprámos! E nem se fala dos que folheávamos quando já sabíamos que não havia um buraquinho onde meter sequer mais uma folhinha. Nesse tempo ainda se ia de carro para Paris e o Jorge tinha uma espécie de compartimento secreto na mala do “boca de sapo” onde punha a dinamite literária. Depois, batíamos as ruas do quartier latin e de de St Germain de livraria em livraria, a maior parte das quais já desapareceram. A Librairie Espagnole foi forçada a mudar de poiso, as do PC desapareceram todas e com elas a Globe que pertenceria a qualquer coisa ligada à embaixada russa. Mortas também outras mais literárias: a “Divan”, “les yeux fertiles”, “git-le-coeur” (a central dos pró-chineses) e todas, mas todas!, as do quartier St Séverin. Resta a “Shakespeare & Co” que, de todo o modo, não é a famosa da Sílvia Beach mas outra bem diferente e, apesar do seu ar decrépito, muito mais recente. Por S Michel fora, outra hecatombe. Resta a Gibert cada vez mais forte. E a antiga PUF que esteve para morrer de morte macaca mas foi salva antes do último toque do gong não resistiu ao segundo round. No boulevard haveria para aí uma boa dúzia de livrarias: há três agora. Não há rua ou praça onde não se note o beri-beri anti livraria. Aliás basta olhar para as montras: onde houver casa de luxo, podem apostar que havia, há dez, vinte anos, uma livraria. Ontem mesmo, li um comunicado à porta da Robert Laffont em St Sulpice. Fecha hoje!
E todavia, dizem-me, nunca se publicaram tantos livros: como é que eles se vendem? Entra-se numa livraria e ei-los, apinhados, em magote, impossíveis de destrinçar, sobretudo quando o comprador é um ocasional e não um compulsivo como eu. Mas também já me canso que agora exige-se atenção redobrada para apanhar a pérola escondida no monte de títulos novos, de capas agressivas...
Parto daqui a um par de horas para a mátria padrasta (foi assim mesmo que escrevi) cansado, carregado de livros, e com uma consolação: livraria onde entrei, comprei pelo menos um livro. Ou seja paguei a minha portagem honradamente. O segundo livro era pelo Jorge e o terceiro, e houve vários, pelo Eduardo, outro fanático. Il faut serrer les coudes, et compter avec les morts...

De Paris para as suas leitoras, mcr, enviado especial


na gravura: interior de uma livraria parisiense.

3 comentários:

josé disse...

Alors, Monsieur:

Não posso testemunhar a excelência de antanho, nas livrarias parisienses, mas posso adiantar que recebia por casa catálogos - sim, catálogos!- de editoras como a Livre de Poche, por exemplo, no início dos setenta, e enviados pela Bertrand portuguesa. A Plon, Flammarion e outras Folio, andavam por casa, em modo de catálogo. Quem não tinha o cão de caça aos volumes reais, como era o meu caso, por carência de carcanhol, adoptava a táctica do gato que vai às filhozes das listas.
Como me deliciei a sublinhar os livros que um dia ainda havia de ler! Só o projecto de leitura futura me dava alento para encomendar...mais catálogos que as editoras portuguesas generosamente enviavam. Quase todas, sem excepção.
Comecei pela União Gráfica e depois foi um ver se te avias, com as Publicações Europa América no topo do interesse e a Bertrand a seguir. A Ulisseia sofisticada e até a ROmano Torres dos livros de Salgari e Walter Scott.

Tudo isto para dizer, meu caro, que os livros, para mim, eram material de consulta por catálogo antes de o serem a sério.

Os franceses fascinavam-me particularmente e lembro-me de ter comprado uma edição do Traité d´économie marxiste de Ernest Mandel, em edição de bolso da 10/18.
Os volumes da 10/18, só pelo aspecto gráfico apeteciam a compra.
O Le matin des Magiciens, só teve o interesse que teve por ter sido lido na edição Folio, de encantadora encadernação mole.
Até o Umberto Eco do Le nom de la Rose, foi lido em primeira mão na edição de Poche. E que leitura!

Quanto às livrarias actuais, em Paris, lembro uma particular e genérica, comprida como um combóio de mercadorias: Galignani Bookseller ( !)na Rue du Rivoli. Aí procurei uma biografia do grande Charles Magne. E havia.
E ainda fui à Gibert do bd St Michel: foi aí que encontrei, depois de muito procurar, a única edição em livro de bolso, lá no andar de cima de todo, do romance de Dominique Lapierre e Larry Collins, Cette nuit la Liberté.
Isso de pois de ter fouillé quase todos os bouquinistes de rua que aí assentam banca.
E comprei-o por causa de um certo intelectual da nossa praça, especializado em tudo e que se prepara para lançar mais um...romance.
É que gosto de comparar os originais com as cópias.

Mas ainda quanto à sua experiência de livrarias de antanho, em Paris ou algures, ficamos todos à espera de mais relatos, com pormenores.

Falar de livrarias, é um prazer. Ouvir falar a quem experimentou e não apenas inalou, ainda maior é.

Au suivant, monsieur!

josé disse...

Reparo agora no vergonhoso anglicismo. Charlemagne, c´est mieux.
Um mito, mas que me impressiona. E há poucos livros sobre o conquistador da Europa. Ainda hei-de ir a Aix-La-Chapelle, só para ver o sítio onde repousaram os ossos do imperador da cristandade que os europeus renegam como percursor da União Europeia.

Fora da Notre-Dame, do outro lado das criptas da antiga Paris, está uma estátua do magno Carlos.

M.C.R. disse...

Meu caro: essas colecções (ainda hoje existentes) vi-as uma vez mais expostas um pouco por todo o lado e sobretudo nas livrarias do Bd St Germain que abrem à noite (!!!)
Não esqueça no seu rol a "que sais je?" e muito menos a "garnier-flamarion" de boa memória. Mortas estão a "libertés (JJ Pauvert)ou as "Mediations"(Gonthier) ou, claro a "petite bibliotheque Maspero". E tantas outras. Eu sou um acérrimo defensor das edições ditas de bolso. Pelo preço e pela possibilidade de prolongarem a vida de um livro. visite-me e veja pelos seus olhos. Mi casa su casa!