Gorgonzola, Boémia e terrine de pato com pimenta verde
É verdade, caros leitores: a noite de domingo passei-a nesta agradável companhia diante da televisão que transmitia o jogo de rugby Argentina África do Sul merecidamente ganho por estes últimos. A África do Sul é uma das grandes potências do rugby como se sabe e a Argentina revelou-se no decurso deste campeonato do mundo um challenger de grande qualidade e com recursos fora do comum.
O jogo vi-o através da TV5, serviço internacional da televisão francesa que, ao contrario dos patós de cá, sabe o que deve transmitir mesmo que a França não esteja em jogo. A RTP prefere andar numa cruzada pró-governamental, velha pecha sua, ou a transmitir programas que nem ao Menino Jesus interessam. Ah e também gosta de pôr processos disciplinares a quem a critica. Dado que a mim não me chegam, aqui vai: considero que a direcção da televisão está enfeudada ao governo até à medula, a qualquer governo, diga-se, que aquilo está sempre a favor do vento que corre. Só a tal Entidade Reguladora é que não vê isto. Coitados dos seus membros, eles bem que olham e voltam a olhar mas por azar é sempre para o lado, daí esta teima dos espectadores e dos críticos contra a televisão que vamos tendo. Este desgraçado país merecia mais do que esta TV e esta entidade reguladora que navega na mais absoluta empáfia. É com eles.
Se acaso transmitissem os jogos de rugby e se, porventura, os fracos dotes que demonstram se aplicassem a perceber a alma deste jogo (um jogo de brutos praticado por cavalheiros) talvez tivessem uma vaga percepção do péssimo papel que fazem perante uma sociedade atónita e farta disto.
Mas eu ia falar de rugby que foi visto com a ajuda de uma cervejinha (a boémia) dum queijo italiano de provada fama e duma terrine deliciosa. Os domingos têm isto de bom: um cavalheiro pode fazer um picnic diante da televisão que ninguém se zanga. E ver um jogo memorável como este. E ver um senhor chamado Habana, de marcada origem negra, ser o herói de uma equipa predominantemente branca. É assim que se constrói uma nação diferente. Como aliás era o caso da Nova Zelândia onde a equipa nacional tem um fartote de maoris. Há umas dezenas de anos dir-se-ia que não tinham futuro e hoje é o que se vê: integrados a corpo inteiro numa nação onde até os descendentes de europeus já se gabam de um imaginário passado tribal.
No caso da África do Sul tenho a certeza que a partir de hoje Habana será um herói para milhares de adolescentes negros e brancos e mais uma martelada no caixão do velho apartheid. E isto, leitoras e leitores, conforta qualquer um.
Este domingo também é marcado por uma bela notícia: o Pancho Miranda Guedes, velho companheiro de traquinices impensáveis da tia Néne, em São Tomé, onde com mais um par de miúdos dessa época terão feito trinta por uma linha, o Panchicho dizia eu, começa a ser reconhecido por aquilo que é: um grande arquitecto. E português! Enfim hispano-português com uma dose de moçambicano. Em Basileia está patente uma exposição sobre ele: que a tragam até cá, ou, milagre, que a televisão perca um quarto de hora numa reportagem a sério sobre este homem e a sua obra.
Recordo, com alguma nostalgia e outro tanto de comoção que, entre o meu terceiro e o meu quinto ano do liceu, em Lourenço Marques, hoje Maputo, passava diariamente diante da casa dele. E esse garoto que alguma vez fui, e que de vez em quando me habita, maravilhava-se com a traça arrojada e lindíssima dessa casa: nunca percebi nada de arquitectura mas as coisas feitas pelo Pancho deixaram-me um rasto pela vida fora.
E é disto que se tece um domingo de Outono: um belo jogo e a lembrança viva da beleza absoluta da arte. E também o mar do molhe logo de manhã e o cheiro das castanhas assadas. E a história de um grupo de meninos rabinos na distante S. Tomé a fugirem para o mar numa piroga milagrosa que só se não afundou porque estava escrito que um deles faria casas espantosas enquanto uma delas levaria, anos mais tarde, pela mão, um menino ávido de leituras até à Biblioteca Municipal Fernandes Tomás.
Que os deuses imortais os abençoem!
É verdade, caros leitores: a noite de domingo passei-a nesta agradável companhia diante da televisão que transmitia o jogo de rugby Argentina África do Sul merecidamente ganho por estes últimos. A África do Sul é uma das grandes potências do rugby como se sabe e a Argentina revelou-se no decurso deste campeonato do mundo um challenger de grande qualidade e com recursos fora do comum.
O jogo vi-o através da TV5, serviço internacional da televisão francesa que, ao contrario dos patós de cá, sabe o que deve transmitir mesmo que a França não esteja em jogo. A RTP prefere andar numa cruzada pró-governamental, velha pecha sua, ou a transmitir programas que nem ao Menino Jesus interessam. Ah e também gosta de pôr processos disciplinares a quem a critica. Dado que a mim não me chegam, aqui vai: considero que a direcção da televisão está enfeudada ao governo até à medula, a qualquer governo, diga-se, que aquilo está sempre a favor do vento que corre. Só a tal Entidade Reguladora é que não vê isto. Coitados dos seus membros, eles bem que olham e voltam a olhar mas por azar é sempre para o lado, daí esta teima dos espectadores e dos críticos contra a televisão que vamos tendo. Este desgraçado país merecia mais do que esta TV e esta entidade reguladora que navega na mais absoluta empáfia. É com eles.
Se acaso transmitissem os jogos de rugby e se, porventura, os fracos dotes que demonstram se aplicassem a perceber a alma deste jogo (um jogo de brutos praticado por cavalheiros) talvez tivessem uma vaga percepção do péssimo papel que fazem perante uma sociedade atónita e farta disto.
Mas eu ia falar de rugby que foi visto com a ajuda de uma cervejinha (a boémia) dum queijo italiano de provada fama e duma terrine deliciosa. Os domingos têm isto de bom: um cavalheiro pode fazer um picnic diante da televisão que ninguém se zanga. E ver um jogo memorável como este. E ver um senhor chamado Habana, de marcada origem negra, ser o herói de uma equipa predominantemente branca. É assim que se constrói uma nação diferente. Como aliás era o caso da Nova Zelândia onde a equipa nacional tem um fartote de maoris. Há umas dezenas de anos dir-se-ia que não tinham futuro e hoje é o que se vê: integrados a corpo inteiro numa nação onde até os descendentes de europeus já se gabam de um imaginário passado tribal.
No caso da África do Sul tenho a certeza que a partir de hoje Habana será um herói para milhares de adolescentes negros e brancos e mais uma martelada no caixão do velho apartheid. E isto, leitoras e leitores, conforta qualquer um.
Este domingo também é marcado por uma bela notícia: o Pancho Miranda Guedes, velho companheiro de traquinices impensáveis da tia Néne, em São Tomé, onde com mais um par de miúdos dessa época terão feito trinta por uma linha, o Panchicho dizia eu, começa a ser reconhecido por aquilo que é: um grande arquitecto. E português! Enfim hispano-português com uma dose de moçambicano. Em Basileia está patente uma exposição sobre ele: que a tragam até cá, ou, milagre, que a televisão perca um quarto de hora numa reportagem a sério sobre este homem e a sua obra.
Recordo, com alguma nostalgia e outro tanto de comoção que, entre o meu terceiro e o meu quinto ano do liceu, em Lourenço Marques, hoje Maputo, passava diariamente diante da casa dele. E esse garoto que alguma vez fui, e que de vez em quando me habita, maravilhava-se com a traça arrojada e lindíssima dessa casa: nunca percebi nada de arquitectura mas as coisas feitas pelo Pancho deixaram-me um rasto pela vida fora.
E é disto que se tece um domingo de Outono: um belo jogo e a lembrança viva da beleza absoluta da arte. E também o mar do molhe logo de manhã e o cheiro das castanhas assadas. E a história de um grupo de meninos rabinos na distante S. Tomé a fugirem para o mar numa piroga milagrosa que só se não afundou porque estava escrito que um deles faria casas espantosas enquanto uma delas levaria, anos mais tarde, pela mão, um menino ávido de leituras até à Biblioteca Municipal Fernandes Tomás.
Que os deuses imortais os abençoem!
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