25 novembro 2007

Estes dias que passam 85


Momentos...

Estou diante da televisão a ver um “in memoriam de Maurice Bejart” (mezzo): uma biografia filmada de alguém que, em matéria de dança, marcou a segunda metade do século XX. Houve outros, evidentemente. Felizmente. Americanos sobretudo, justiça seja feita. Enquanto vejo o documentário, admirável, aliás, recordo uma burrice escrita num jornal “de referência”: para a luminária repentina que dizia algo sobre dança, Bejart era ultimamente kitsch. Lamento não vos poder dar o nome deste abencerragem mas a coisa era tão extravagante e tão fora do contexto que li, inspirei fundo, disse “burro” (coisa que ofende a nobre raça dos asnos a quem peço desculpa), e passei adiante. O jornal está no lixo á espera de ser reciclado. O autor (ou a autora, não recordo o sexo) não deve ter reciclagem possível. E ainda bem.

2 hoje de manhã, fria manhã, quem é que ainda se lembra de “Orfeu negro”, deixa para lá mcr, não peças aos jovens memórias impossíveis, um grupo discutia o texto de VPV sobre o livro de MST. A discussão nem o era, de facto. Aquela meia dúzia de pessoas, dois médicos, duas professoras secundárias, uma engenheira e um historiador e universitário, estava de acordo: o tiro de misericórdia de VPV afundara o presunçoso batel de MST. Admirei-me: regra geral as pessoas acham Tavares um génio. E um escritor, o que é ainda pior. Tentei ler o seu primeiro e indigesto romance. Desisti rapidamente. Não tenho tempo para mediocridades mesmo com fundo tropical. Sobretudo com fundo tropical. A minha família materna teve bastante a ver com S Tomé, ouvi muitas histórias pelo que a toada de Tavares me soube a pouco e mal. Depois o livro estava mal escrito, enfim era pesado, revelava cruelmente as fraquezas do estilo e da história. Troquei-o por uma releitura breve do Francisco José Tenreiro. Esse sabia do que falava. e falava bem.

3 Não li, nem sequer tenho intenção, o novo livro de Tavares. À uma não me interessava e depois da necrologia que VPV preparou sobre ele ainda menos. Também não faço falta. O livro vai ter uma venda superlativa. E ao fim e ao cabo isso é que conta. Se vai ser lido ou não é uma questão menor. Autores bem melhores, merecedores de uma leitura, mesmo distraída, são comprados por uma turba ignorante e endinheirada que rapidamente os mete numa estante ou numa mesa ao lado dos laliques. Encadernados se possível.

4 estão na moda os romances “históricos”. Históricos é um modo de dizer. Romances com uma borradela de “história” as mais das vezes sem “h”. Uma pá de cal três de areia. Uma vagas tolices, uns pozinhos de mistério, uma elucubração difícil e histérica, e zás!, salta romance. Figuras sem peso, sem substância, sem aventura, recurso ao mistério, ao irracional, é todo um “ar do tempo” tristonho e pobre que se respira. No meio disto, de vez em quando uma pepita: Fernando Campos, por exemplo: um honrado trabalhador da palavra, autor digno, bem informado, escrita escorreita. Vende pouco, ou pelo menos não vende muito. Mas vende mercadoria legível e honrada. À volta dele a mediocridade vistosa e gritante e vazia dos bestselerizados. Arre!

5 Parece que a Senhora Ministra da Cultura chamou provincianos aos que não apreciaram a exposição do Hermitage. A Senhora Ministra não deve saber o significado de provinciano. Também não sabe de Arte mas isso é outro contar. O Hermitage tem excelentes colecções. O que não é o caso do que veio a Lisboa. Aquilo é medíocre, dejá vu, e caro. Se querem exposição digna de ser vista e revista acudam a Serralves para ver o Rauschenberg. De caminho tragam a Senhora Ministra. E expliquem-lhe a diferença entre uma grande exposição e aquela coisa do Hermitage. Talvez ela perceba. E talvez perceba que quando o dinheiro é pouco é preferível gastá-lo bem. Que diabo sempre são os nossos impostos!...

na gravura: Júlio Pomar. À cautela sempre se informa a Srª Ministra que JP está vivo, continua a pintar, é um grande pintor, português mesmo, veja bem, e vale duas exposições hermitagescas inteiras. E provavelmente é provinciano.

3 comentários:

agarb disse...

gostei de ver o seu post
O leitor (im)penitente 5
sou actual da Ay-ó-linda e não conhecia essa história.
O tal João terá ficado na pensão em frente da nossa república?
há mais "estórias" com pessoal da casa?

M.C.R. disse...

Pois caro estudante agarb tenho muito gosto em conhecê-lo e esclareço desde já que o tal João (posteriormente preso político, porteiro de hotel em Paris e professor universitário em Lisboa, actualmente morto e enterrado graças a um virus apanhado num hospital) estabeleceu-se de facto na Pensão em frente à sua casa. como eu, de resto e o Gunderico.
V diz que não conhecia esta história. Espanto seria se a conhecesse: ela tem exactamente 47 anos de idade, ou seja mais do dobro da sua. Vá lendo pelo blog e procurando por seu pé que eu semeei por aqui mais um par de histórias coimbrãs.
Um abraço

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Bem a propósito, João Fernandes anuncia hoje no JN a abertura, em Fevereiro próximo, de uma exposição de Júlio Pomar em Serralves.