So long old pal
Em África diz-se, ou dizia-se, que quando um velho morre, morre uma biblioteca. Mistérios e consequências das velhas civilizações ágrafas, onde a oralidade mantinha todo o seu valor e prestígio. Agora as coisas são diferentes. Por um lado a alfabetização é real e por outro os caçadores de histórias gravaram tudoo que puderam. Junte-se a isso a desagregação do modo de vida tribal, as guerras, a morte, a deslocação das populações e pode ter-se como provável que já morreram todas as bibliotecas que tinham de morrer.
A África ficou mais pobre sem que o resto do mundo tivesse ficado mais rico. Pelo menos nestes difíceis domínios da literatura oral.
Não sei porquê mas foi isto o que me veio à cabeça quando soube da morte de Norman Mailer. Quando um tipo destes morre é mais um pedaço da nossa juventude que se vai. Eu faço parte de uma geração que cresceu com os primeiros livros de Mailer. Sobretudo com o imenso “Os nus e os mortos”. Fui por ele à estante mas descobri que o exemplar que por cá anda foi editado pela “Portugália” em 71. Não pode ser. Li o Mailer pelo menos dez anos antes. Em casa da tia Néné, provavelmente. Ela e o tio Marcos estavam a par do que saía e lembro-me de me terem recomendado John dos Passos, numa edição de 40, por causa de alguns processos narrativos semelhantes. De vez em quando um autor recente chama a atenção para um da anterior geração e foi isso o que se passou com este primeiro Mailer. Depois li “As praias da Barbaria” um livro que, agora vejo me foi oferecido pelo Zé Quitério, em 64. Curiosamente terá sido comprado numa livraria ABC de Luanda. Como é que este livro chegou ao Zé é mais um mistério. Em 69 marchou “Um sonho americano” e logo a seguir “Os Exércitos da noite”, que, leio nostalgicamente, me ofereci a mim próprio em Vila Real de Santo António. Ou seja, foi no Verão, depois da greve de 69 quando andava fugido à polícia. Os restantes mailers já não têm história. Para mim, claro. Estes citados eram tão próximos da nossa vida, das nossas esperanças, dos nossos sentimentos, que depois os outros entram já na categoria de “revisões da matéria dada” mesmo se isso possa parecer injusto (e é-o, de facto) para Norman Mailer, um homem que nunca se calou e que a cada romance arriscava todos os anteriores.
Temo bem que para os comentadores amanhã Mailer apareça irremediavelmente datado e ligado aos happy sixties. Ou seja, lamento que a minha ligação a Mailer possa (não por minha causa, está bom de ver) ser o que vá lembrar aos carpideiros profissionais. Merecia mais. Muito mais. Por exemplo que o lessem. E sobretudo que lessem “Os nus e os mortos”. Uma obra prima.
Em África diz-se, ou dizia-se, que quando um velho morre, morre uma biblioteca. Mistérios e consequências das velhas civilizações ágrafas, onde a oralidade mantinha todo o seu valor e prestígio. Agora as coisas são diferentes. Por um lado a alfabetização é real e por outro os caçadores de histórias gravaram tudoo que puderam. Junte-se a isso a desagregação do modo de vida tribal, as guerras, a morte, a deslocação das populações e pode ter-se como provável que já morreram todas as bibliotecas que tinham de morrer.
A África ficou mais pobre sem que o resto do mundo tivesse ficado mais rico. Pelo menos nestes difíceis domínios da literatura oral.
Não sei porquê mas foi isto o que me veio à cabeça quando soube da morte de Norman Mailer. Quando um tipo destes morre é mais um pedaço da nossa juventude que se vai. Eu faço parte de uma geração que cresceu com os primeiros livros de Mailer. Sobretudo com o imenso “Os nus e os mortos”. Fui por ele à estante mas descobri que o exemplar que por cá anda foi editado pela “Portugália” em 71. Não pode ser. Li o Mailer pelo menos dez anos antes. Em casa da tia Néné, provavelmente. Ela e o tio Marcos estavam a par do que saía e lembro-me de me terem recomendado John dos Passos, numa edição de 40, por causa de alguns processos narrativos semelhantes. De vez em quando um autor recente chama a atenção para um da anterior geração e foi isso o que se passou com este primeiro Mailer. Depois li “As praias da Barbaria” um livro que, agora vejo me foi oferecido pelo Zé Quitério, em 64. Curiosamente terá sido comprado numa livraria ABC de Luanda. Como é que este livro chegou ao Zé é mais um mistério. Em 69 marchou “Um sonho americano” e logo a seguir “Os Exércitos da noite”, que, leio nostalgicamente, me ofereci a mim próprio em Vila Real de Santo António. Ou seja, foi no Verão, depois da greve de 69 quando andava fugido à polícia. Os restantes mailers já não têm história. Para mim, claro. Estes citados eram tão próximos da nossa vida, das nossas esperanças, dos nossos sentimentos, que depois os outros entram já na categoria de “revisões da matéria dada” mesmo se isso possa parecer injusto (e é-o, de facto) para Norman Mailer, um homem que nunca se calou e que a cada romance arriscava todos os anteriores.
Temo bem que para os comentadores amanhã Mailer apareça irremediavelmente datado e ligado aos happy sixties. Ou seja, lamento que a minha ligação a Mailer possa (não por minha causa, está bom de ver) ser o que vá lembrar aos carpideiros profissionais. Merecia mais. Muito mais. Por exemplo que o lessem. E sobretudo que lessem “Os nus e os mortos”. Uma obra prima.
2 comentários:
As bibliotecas não morrem (nem delas se diz que morrem...).
As bibliotecas ardem, como em àfrica se diz no contexto apontado...
gostaria de estar de acordo consigo mas de facto a frase é mesmo a que reproduzi. Morre uma biblioteca porque morre o recipiente dela, neste caso um velho, ou a la rigueur um griot.
Todavia não deixa de ter razão num contexto um nadinha diferente. A grande biblioteca de Alexandria morreu queimada. E quem ateou a fogachada não foi o tal califa Omar de que reeza a lenda mas um bispo cristão que entendia que nela havia muito livro perigoso para a "verdadeira fé".
ainda sobre isto mas a latere: no deserto mauritano ou nigeriano (do Niger) há um clã que conservadesde há quatro séculos uma biblioteca fabulosa constituida por documentos hispanicos, muitos deles judaicos, suponho. são paupérrimos mas o amor de uns livros que para a grande maioria deles são ilegíveis, f~e-los guardarem aquilo contra ventos e marés. recentemente a Junta da Andaluzia digitalizou (ou está a digitalizar tudo) fornecendo cópia aos "bibliotecários"e ofereceu um edificio a construir ou já construído para ser guardado aquele espólio. Já aqui escrevi sobre isso mas, palavra, que não sei onde. Um dia destes procuro o texto...
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