26 dezembro 2007

Diário Político 70



Alguém tem um problema

 

 

A Drª Esther Mucznik, investigadora em assuntos judaicos, como modestamente se intitula, escreveu na quinta feira passada um artigo (mais um artigo...) sobre a questão israelo-árabe. Desta feita a distinta investigadora resolveu opinar sobre a eventual criação de um Estado palestiniano. Ela acredita pouco (tal como eu) nas hipóteses de se chegar a um acordo em Anapolis. Divergimos todavia na análise da questão concreta e por várias razões.

À uma eu não sou investigador de questões judaicas ou palestinianas mas apenas um cidadão vagamente cosmopolita quer se interroga sobre o estado do mundo.

Depois, não pondo de nenhum modo em causa a existência de Israel mesmo que entenda que o fundamento do regresso à terras dos antepassados encobre uma situação confusa na medida em que tal terra estava ocupada há cerca de dois mil anos por outra gente. Isto se acreditarmos que todos os judeus foram expulsos pelos romanos dando origem à grande diáspora. Porque se, como de resto me parece razoável, lá ficaram alguns, bastantes ou até a maioria, então a questão é mais complicada ainda. Teríamos que essa população de confissão judaica se teria convertido em massa ao islamismo sendo pois ainda menos plausível a teoria do regresso a uma terra esbulhada.

Mas seja lá como for a verdade é que largas centenas de milhares de judeus regressaram à terra de Israel, que em tempos remotos (sempre depois do Egipto) tinham conquistado aos autóctones se é que a Bíblia está certa. E regressaram movidos pela fé, pelo sionismo, pelo imenso terror imposto por Hitler & companhia, pela memória de perseguições milenares, fugindo dos pogroms, da inquisição, dos campos de concentração, dos ghettos e da miséria. As Nações Unidas numa dramática votação em 1948 repartiram a Palestina entre judeus e árabes. Com o voto de toda a gente que mandava ( dos europeus envergonhados e arrependidos pelo seu silêncio quando não pela sua cumplicidade no massacre, dos americanos e da URSS) e com o protesto de todos os países árabes e de um punhado de aliados. Começou no mesmo dia a primeira guerra “oficial” entre árabes e jdeus. E digo oficial porquanto o clima na Palestina era pelo menos desde os anos 30 de guerra civil larvar entre as duas comunidades. E tanto assim era que os judeus constituíram desde cedo grupos armados e de auto-defesa contra a potência ocupante do mandato (a Inglaterra) e contra certos grupos árabes mais exaltados. Constituíram igualmente uns pequenos e amáveis grupos quer alguém, certamente mal intencionado, considerou terroristas (Stern, Irgun) e onde Beguin, para não ir mais longe, fez as suas primeiras armas.

Os países árabes não conformados com a existencia de Israel invadiram o pequeno Estado logo que este se proclamou. Fanfarrões e pouco mobilizados pela defesa da causa palestiniana foram derrotados brilhantemente por Tsahal um exército tipo milícia combatente que lutava pela sobrevivência do que restava do povo judeu.

E logo nesta altura se modificou o mapa de Israel que era aliás aberrante. Fronteiras foram rectificadas, zonas árabes foram incluídas para tornar mais lógico e defensável o território israelita. Ou seja a fanfarronada do mufti de Jerusalém, e dos dirigentes árabes do Líbano, da Síria, da Jordânia e do Egipto, vizinhos directos, teve essa primeira consequência da amputação de pequenos territórios.

A partir desse momento foi o que se conhece: os árabes nunca aceitaram sequer a ideia de um Estado hebraico e por culpa própria ou por caírem na esparrela israelita foram sendo derrotados sempre que foi necessário. O Egipto chegou a ver o todo o seu Sinai ocupado, os montes Golan da Síria estão ocupados, o Líbano foi ocupado parcialmente mais de uma vez até por interpostos generais de um fantasmático Exército de Libertação do Sul do Líbano, armado e pago por Israel (que entretanto denuncia os grupos libaneses armados e pagos pela Síria...) e a Jordânia que tinha ocupado ela própria os territórios transjordanos destinados ao Estado palestiniano viu-se esbulhada de boa parte deles. Com isso (devolvidos que foram o Sinai e o Sul do Líbano) tem Israel alargado, povoando continuamente com colonatos território que nunca foi seu e que só foi ocupado depois da guerra dos seis dias. É nesse território não israelita que, neste momento, está construído um muro vergonhoso, é esse território que Israel se recusa a entregar. Esta é a meridiana verdade por muito que isso custe à ilustre investigadora de questões judaicas (tarefa que suponho, partilha ou acumula com a presidência da comunidade judaica portuguesa, o mesmo é dizer que investiga pró domo sua, em causa própria, com interesse num determinado resultado coisa que não teria nada de mal se a senhora em causa o dissesse abertamente em vez de se refugiar num neutral título de investigadora.

Mas vejamos um pouco o que diz a honorável investigadora. Diz que não acredita num Estado edificado à custa de injecções de dinheiro (como, explicita, tem sido corrente com os palestinianos). Tem toda a razão e também aqui estamos de acordo. Ou estaríamos não fosse dar-se o caso de toda a gente saber que para além dos kibutzes (cada vez menos) e de outtras formas cooperativas de trabalho agrícola ou agro-industrial, Israel sempre ter tido um gigantesco apoio financeiro dos judeus americanos. Note-se e fique claro que tal apoio é legítimo: era o que faltava que não ocorresse. Mas tem sido esse apoio económico um dos pilares fundamentais da sobrevivência de Israel. Mais do que a rega gota a gota do deserto e outras coisas maravilhosas que embevecidamente se mostra ao peregrino ocidental. E mais do que isso deveria falar-se do apoio militar directo em armamento sofisticado, do escudo que Washington lançou e manteve até à data, dos créditos gigantescos concedidos pelo governo americano movido evidentemente pelo forte lobby judaico.

Convenhamos que também aqui parece haver muito e bom indício de Estado (também) construído à força de injecções de dinheiro.

Que os israelitas o tenham utilizado mais judiciosamente do que as sucessivas camarilhas palestinianas e árabes é outra questão que não impede de considerar a investigação da senhora Mucznik um pouco trôpega nesta passo.

A segunda questão levantada no mesmo artigo é a seguinte. Diz a investigadora: “só haverá paz quando os palestinianos aceitarem construir um Estado ao lado de Israel e não em vez de Israel”. Mil vezes de acordo, excelente senhora! Mas já agora conviria perguntar: dentro de que fronteiras? Israel está disposto a levantar todos os acampamentos militares vulgo colonatos instalados em terra palestiniana depois da guerra dos seis dias ou não? Ou quererá a senhora Mucznik um Estado palestiniano semeado de minas e armadilhas e colonatos judaicos militarmente defendidos e fora do seu controlo politico?

É que a ser assim não vale a pena continuar nesta piedosa ficção diplomática de Anapolis, repentinamente nascida alguns meses antes das novas eleições presidenciais americanas.  Estamos todos a perder tempo, a gastar palavras e a adiar a paz.

Shalom, Senhora Mucznik. Salaam, Bom Natal ... 

 

* não se mencionou aqui o facto de ainda hoje haver grupos palestinianos claramente enfeudados ao terrorismo (Hamas ou Hezbolah para não ir mais longe para já não falar em certas milícias em teoria organizadas na Fatah) por se entender que a direcção política dos palestinianos já não está subordinada à sua lógica terrorista e anti-sionista. Aliás se assim não fosse nem os americanos a convidavam nem Israel se sentaria com ela à mesa das negociações.

As gravuras: meninos israelitas e palestinianos sempre atrás de arame farpado. Bela árvore de Natal para uns e outros! Particularmente estou-me nas tintas para os dirigentes de Israel ou da "Palestina" mas o mesmo não se passa com as crianças....

 

         

1 comentário:

JSC disse...

Caro d'Oliveira, Gostei deste seu Diário, a merecer uma divulgação bem mais ampla.

Tenho para mim que Israel e a Palestina são um problema que fica longe, muito longe, da Europa e dos Estados Unidos. É óbvio que aquilo não tem solução enquanto a Europa e os Estados Unidos fingirem que se preocupam com aquelas gentes, promovendo reuniões e conferências, efectuando visitas e apertos de mão, para as televisões passarem e criarem a ilusão que os líderes do novo mundo e de velho continente estão a procurar uma solução.

É tudo uma grande mentira! Vai continuar a ser uma grande mentira!

A realidade vai continuar a ser a guerra desigual, os assassinatos selectivos, os bombistas a matarem inocentes, os colonatos, o êxodo, o arame farpado, o novo muro da vergonha. A realidade vai ser políticos actuais e futuros a fingirem que querem resolver e os mesmos a actuar, na retaguarda, a promoverem ódios, a incentivarem acções contrárias à paz.

Não há solução para a Palestina, do mesmo modo que não há solução para Israel. E se por um acaso aquela região entrasse num estádio de paz duradoura, com fronteiras definidas e governo próprios, Israel autodestruir-se-ia como Estado, porque o cimento que os une, e financia, é mais a guerra contra o vizinho, do que a apregoada mística religiosa. Também por esta razão, aquela região nunca poderá viver em paz. É que é a guerra que alimenta (e mata) aqueles povos.

Por isso, esgrimir argumentos pró ou contra faz parte do jogo, mas apenas isso. A roleta não parará de girar, com a morte como pano de fundo.