29 dezembro 2007

Diário político 71

 

Chamaram-lhe “uma morte anunciada” mas, para mim, foi uma surpresa. Claro que sabia que estava ameaçada. Ela e todos os outros candidatos, há que dizê-lo, Musharraf incluído. Aliás terá já escapado a oito atentados, o que é obra.

Mas continuo na minha: foi uma surpresa. Benazir Bhutto deveria estar, mais do que prevenida, protegida. Não pelo actual poder mas pelas suas conhecidas milícias. A tropa, ou a polícia, vem a dar no mesmo, isolou o local do comício de modo eficaz, dizem os jornais. E não foi aí que Benazir foi morta mas já no caminho do regresso. Saiu do parque onde realizou o comício e de um grupo de transeuntes saiu alguém que conseguiu aproximar-se do carro (não blindado!!!) disparar contra ela e suiicidar-se seguidamente accionando uma bomba sob as roupas. Assim, de fácil.

Convenhamos que isto raia o inacreditável. No Paquistão, país que nunca se distinguiu pelos brandos costumes e onde a morte violenta parece fazer parte da cultura popular, tradição antiga de que os colonizadores ingleses sempre se queixaram com sobejos motivos, não passa pela cabeça de ninguém com responsabilidades políticas como as que Benazir tinha, deslocar-se tão “à vontade”.

Benazir, herdeira política de Ali Bhutto, ex-presidente e ex primeiro ministro, derrubado por um golpe militar e posteriormente enforcado, era a dirigente do que só por falta de termo adequado se pode chamar partido, o partido do povo paquistanês e que de facto é mais uma coligação de clientes da poderosa família Bhutto.

Duas vezes primeira-ministra num país muçulmano, Benazir foi afastada do poder por demissão presidencial (da primeira vez) e derrotada nas urnas (na segunda vez) não se podendo dizer que qualquer dos seus mandatos se notabilizasse por especiais medidas em prol da democracia. Da segunda vez, aliás, esteve aliada a um partido extremista e foi o seu governo quem reconheceu o regime dos talibans a quem aliás forneceu armas, mantimentos, apoio logístico e informações.

Todavia isso, não chegava, como se vê, para a desculpar de ser mulher, mulher ocidentalizada, ainda por cima, com ambições políticas num país que concede á mulher um lugar no lar e pouco mais.

É mais ou menos indiferente saber quem a matou. À uma a sua morte vai ser reivindicada por todos os movimentos extremistas, dada a oportuna morte do seu executor. Depois, esta morte vem inserir-se numa campanha infrene de desestabilização do Paquistão, nação já de si instável, que apenas tem servido de peão de brega de interesses vários dada a proximidade com o Afeganistão agora, e com uma União Indiana poderosa e neutral há anos. A China, por um lado e os Estados Unidos por outro apoiaram demasiadas vezes as aventuras dos militares paquistaneses sempre com um fito: controlar, dentro do possível, a Índia e manter um gendarme disponível perto do Irão e do Afeganistão.

O mundo comoveu-se. A morte de Benazir, mulher, licenciada por universidades americanas e inglesas, moderna (pelo menos num quadro tão tradicional como o Paquistão) suficientemente poderosa no seu país dadas as alianças e a fortuna familiares, deixa-lhes de novo o general Musharraf como alternativa possível (ainda o será?) frente à aliança dos descontentes e dos extremistas muçulmanos. Resta todavia saber se o general ainda pode ser o aliado seguro e forte de que os ocidentais necessitam.

Vale a pena olhar para esta família Bhutto e tentar comparar o seu destino com outra família fundadora de pátria, os Gandhi, na União Indiana: morrem de morte violenta pais, filhos, irmãos e os respectivos partidos ficam órfãos. Mais no caso paquistanês do que no indiano porque o Partido do Congresso é mais antigo tem outra cultura de base e não dependeu tanto de Indira ou de Rajiv, pese embora o facto de a viúva deste, Sónia, de origem italiana, ainda ser a personalidade mais importante da organização.  Não deixa entretanto de ser interessante verificar que mesmo em situações tão diversas se verificarem tantas similitudes. O que não é exactamente muito tranquilizador.      

Sem comentários: