15 dezembro 2007

Estes dias que passam 87


De prémios, de amigos, da vida


E comecemos pelo prémio. Irene Flunser Pimentel ganha o “Pessoa” no meio de aplausos mais ou menos gerais. Vou a um terço do livro e, até ao momento, com grande gozo. Escrita simples, documentação abundante, um regalo. O livro chegou-me tarde porque achei que seria mais simples pedi-lo via “círculo de leitores”. Não foi mas até amanhã ou depois estará lido que é o que interessa. O prémio dá-me gozo também por uma razão muito cá de casa: a Irene Pimentel foi colaboradora da “Centelha”, editora inconveniente e perseguidíssima que um grupo de compinchas da crise de 69 em Coimbra resolveu fundar para continuar no seu pequeno mas honrado trilho de resistência. Saber que esta senhora também alinhou com a malta é, creiam-me, mais outro motivo de alegria. De alegria disse, não de orgulho, porque a obra é toda dela e nós, para aquilo, se alguma coisa demos foi só personagens secundárias às voltas com a Gestapo portuguesa (para citar um dos seus retratados).
Uma mulher sozinha a dar cartas nesse difícil capítulo da história contemporânea. E nem sequer está ligada à Universidade!!! Dizem-me que é por não ter idade para entrar na funçanata pública. Ora porra! A universidade fica sem uma colaboração que poderia ser valiosa, os estudantes sem uma professora que seguramente lhes agradaria e a Pimentel que se desenrasque à sua custa. Ao mesmo tempo, tenho a certeza absoluta, andam pelos institutos universitários ligados à investigação, muitos gambuzinos a fingir que fazem mas não fazem. Porra, outra vez!
Eu até mandaria daqui um convite ao doutor Gago ou à outra senhora da Inducação mas nem isso. Não vale a pena. Mesmo que eles, agora, num repente arrependido, contratem a premiada. Tarde, chegam tarde. Os anos que já se perderam. É que a Doutora (por extenso) Irene Pimentel já tem obra feita e publicada. E boa! Veremos se o milagre do “Pessoa” transforma em rosas os espinhos que, decerto, ela terá encontrado no seu caminho.

Amigos vários têm aparecido ou dado notícias. Malta que está na brecha, activa e a carburar. Desde o Francisco Bélard que muita falta faz no jornal onde escrevia e que apanhei na inauguração da Leitura “books and living” sempre a fariscar uma novidade (e se ele faz bom uso delas!) e que me pôs a par das últimas lisboetas, até ao João Melchior Gomes colega episódico (fugaz, diz ele) em Coimbra e que descubro meu leitor. E finalmente o perigoso leitor (sempre vi aquele tipo a ler, seja dito de verdade) Horta Pinto, um advogado que trabalha sob a dupla égide de Kafka e do Quixote. Por aqui se vê quanto ele acredita nas histórias de fadas da justiça que temos e que ajudamos a fazer. Curiosamente, ou não, estes três companheiros de longos anos distinguem-se pelo humor com que vão contemplando o mundanal espectáculo lusitano. Um tipo que aqui vai remando gosta de vez em quando de saber que amigos o lêem e lhe perdoam os desvarios que vai pondo no éter. Ao mandar-lhes um abraço, estou a mandar um abraço a todo(a)s que me aturam desejando-lhes que escapem incólumes deste natal e que entrem de cabeça fresca no ano bissexto que se aproxima.

O país despede-se da presidência da União ao som das fanfarras que celebram o alto feito do governo em ter levado ao fim a tarefa. Convenhamos que anda por aqui algum exagero. Fizemos (Eles fizeram) o trabalho de casa, a coisa saiu compostinha, não se armou nenhuma barraca das gordas mas é isso mesmo que se espera das presidências da União. Ou não? Agora, gargarejar com a cimeira dos africanos (e nisto misturo gente sã, com um punhado de sobas do piorio, como o acampado de Oeiras e seus vizinhos magrebinos, gente que nunca deve ter ouvido falar em democracia, direitos humanos, povo e outras ninharias (e nisto meto os Mubarack, os Ben Ali, o sultãozinho, o cavalheiro de Argel, todos sem excepção). No que diz respeito à África “negra” também nem tudo são flores que se cheirem. Desde o eterno presidente angolano (a propósito saiu um livro sobre a mortandade de há 30 anos em Luanda: Purga em Angola, de Dalila e Álvaro Mateus, Asa. Leiam-no primeiro e depois digam-me o que se deve pensar da actual clique governamental angolana) a um largo grupo de criminosos, tudo cá esteve a falar em nome das desgraçadas populações suas vassalas e suas, sobretudo, vítimas. Esta cimeira, desculpem lá, não adianta nem atrasa como em breve se verificará. A terceira corre o risco de se realizar na terra do guia iluminado da Líbia, um cavalheiro que ainda não respondeu por uns aviões explodidos em pleno ar. Nem responderá porque o cheiro intenso dos milhões do petróleo apaga ou sobrepõe-se ao cheiro agoniante do sangue. Andou por aí com a sua tenda circense, as suas guarda-costas e uma universidade portuguesa a ouvi-lo babada dizer dislates. Conviria lembrar à dita universidade que não é Columbia quem quer mas só quem pode. E que entre o totó do Irão e este terrorista não arrependido ainda vai alguma distância.

O tratado ontem assinado é isso mesmo. Ou nem sequer. Não adianta muito mas sempre disfarça a cegada de não haver nada há já uns tempos. Não é Roma nem Maastricht por muito que isso custe ao orgulho nacional. Vai ser pudorosamente ratificado pelos parlamentos porque a populaça, de vez em quando, perde a cabeça. Sempre achei que assim deveria ser feito. Sempre achei que a ideia de um referendo era burra e parola. Mas a verdade é que houve mesmo uns patetas que defendiam o referendo. E, assim sendo, deve manter-se a palavra dada. Agora tergiversar, assobiar para o lado ou vir invocar diferenças abissais entre a triste Constituição falida e "isto", é gozar com o pagode. Chamar-nos parvos a todos. Como de costume.
Todavia lá se assinou o tratado mesmo com Brown atrasado. Aqui para nós: os "bifes", nisto de Europa, atrasam-se e atrasar-se-ão sempre. Está-lhes na massa do sangue. O que eles gostavam era de ser mais uma estrelinha na bandeira dos americanos. E se lá pusessem a rainha que delírio! Ou mesmo a princesa Diana, a do povo... que Blair inventou para gáudio das leitoras da imprensa cor de rosa. Pena estar morta...

O senhor Procurador Geral da República acaba de chamar ao senhor Director Nacional da PJ incompetente. Pelo menos! Já não falo das criaturas do DIAP do Porto porque estas, ao fim e ao cabo, são dependentes do PGR. Os jornais contam com abundância de pormenores os problemas da investigação sobre o OK Corral tripeiro. Afirma-se, e não me repugna acreditar, que a polícia sabe quem deu ao dedo e mandou ad patres um par de cavalheiros que não me merecem sequer uma lágrima. Sabe mas não tem provas. Ou não tem provas suficientemente sólidas para não serem rebentadas por um desses advogados espertalhões, que os há e muitos. A ver vamos se uma senhora procuradora, lá ao longe, consegue fazer o milagre de converter o mutismo siciliano que ora impera no Porto e arrabaldes, em confissões. Por mim, não aposto um tostão dos antigos nesta operação.

E já que estou com a mão na massa, lá vai. Há um novo bastonário na Ordem dos Advogados. Eu não votei, até porque não posso. Se votasse provavelmente não votaria nele. É, para meu gosto, muito tonitruante. E imprudente. Não sei se ele pensa a sério que a profissão vai continuar a ser uma profissão de profissionais isolados ou se, lá no fundo, já se conformou com a ideia de que as sociedades de advogados são o futuro. O que me parece é que não se pode chamar aos profissionais isolados os “proletários” da advocacia. Proletários seriam (seriam...) os advogados empregados das grandes organizações profissionais. E mesmo assim... Em segundo lugar parece-me ridículo e perigoso afirmar que os advogados, por o serem, devem estar proibidos de pertencer ao parlamento. Isso, essa capitis deminutio (se é que o Dr Marinho conhece o termo), é de bradar aos céus. E os médicos? E os enfermeiros? E os engenheiros civis ou os arquitectos? Então o parlamento não legisla sobre saúde, medicamentos, construção civil e sei lá quantas coisas mais? Em França ou em Espanha (ou em qualquer outro país onde exista parlamento, também se proíbe os juristas de dizer de sua justiça enquanto eleitos? Achará o Dr Marinho que leis feitas por não juristas são mais perfeitas do que aquelas em que colaboram profissionais do foro?
O dr Marinho poderia, em vez disso, questionar a carreira judicial ou do ministério público. Poderia, por exemplo, propor que se estudasse o acesso à judicatura ou à magistratura a partir de um determinado número de anos de advocacia. Se calhar ganhávamos todos: juristas e público pagante. Eu mesmo já tive a surpresa de encontrar magistrados judiciais e do ministério público a quem não faria nenhum mal uns anos de pedal na advocacia. Para aprenderem Direito e direitos. E respeito pelos que recorrem à justiça. E pelos que, na barra, os representam com dignidade. E aprenderem que a vida, a vidinha de todos os dias, não se ensina no CEJ.
Entretanto o dr Júdice meteu-se em mais uma guerra. Está zangado com a classe. Porque, queira ele ou não, foi a classe que elegeu Marinho como antes elegera o actual bastonário. A democracia, caro Zé Miguel, é uma chatice. As alternativas são ainda mais chatas.
Parece que Júdice corre o risco de apanhar um processo interno movido nem sei bem por quem. A que título? E interno porquê? Ó senhores da Ordem, aproveitem: processem-no cá fora, às escâncaras, vão a um tribunal comum, que diabo! Ganharíamos todos.

A gravura de hoje reproduz a capa de mais um livro (um grande livro!) ilustrado por Pedro Sousa Pereira (um grande ilustrador).

Sem comentários: