01 janeiro 2008

Diário Político 72


Carta de um modesto grumete à grã capitoa desta barca, Madame Kamikaze


Permita-me Senhora que a este modesto membro da tripulação desta galera que Vossa Senhoria dirige com mão de ferro em luva de veludo, seja concedida a honra de em nome da restante equipagem Vos exprimir os tradicionais desejos de Bom Ano de 2008.
Não tenho para esta missão outro título que não seja a minha absoluta devoção às Vossas instruções que, valha a verdade, são mais raras que as boas notícias vindas do governo da Nação. É que, Senhora minha e nossa, tem sido notória e notável a Vossa falta junto não só da marinhagem que tão dedicada Vos é mas também junto do público em geral.
Pelo imediato da barca, camarada (é assim que a marinhagem se trata entre si, os camaradas) Carteiro tive a infausta notícia de um acidente em que Vossa Grandeza foi involuntária protagonista. Em curtas palavras soube, com o desgosto que certamente adivinhais, que havíeis partido um pé, melhor dizendo um tornozelo.
Não me tendo sido especificado se o direito se o esquerdo e não querendo agora explorar esse tema sempre melindroso e politicamente conotado que neste caso poderia facilmente passar por provocação, sempre direi que não fica bem a uma Senhora de vossa posição meter o pé na argola a pontos de num forcejar descuidado mas perigoso o partir. Não fica bem, Excelente Comandante, andar por aí ao pé coxinho.
À uma é difícil. Depois, tereis de convir, é falho de elegância. E pode dar azo a ditos e dichotes que nisso os nossos compatriotas são mestres. Há-de haver por entre a populaça ruim e infrene quem diga que Vossa Honra meteu a pata na poça, embora se possa dizer que não há coisa mais natural no mundo do que um palmípede a flutuar numa meia rasa de água da chuva. Ora aí está algo que os franceses nunca poderão fazer: a expressão que usam é “mettre les pieds dans le plat, vê-se que se trata de um país de gourmets que usam sem rebuço o vocabulário das arts de la table para caracterizar um mundo que para eles nunca está longe dos fogões. E ninguém quereria ver, sequer imaginar, a Augusta Timoneira desta galera vagamunda (exactamente: vagamunda) servida num prato fosse ele o mítico das lentilhas ou essoutro bem mais actual do bacalhau com todos, tão desta época.
E tudo isso, o pé desmanchado, como o da Luisinha Carneiro, se recordo bem o meu Eça, passou discretamente, no silêncio dos estóicos, das estóicas diria eu, sem que ninguém durante largo tempo soubesse desse acidente. Não é por acaso que o Vosso nome de navegante no éter é Kamikaze, há que dizê-lo.
Nenhum mal vem por bem, digam os rifoneiros o que quiserem. O máximo que se poderia dizer de um mal sobrevindo é que poderia ter sido ainda pior. Fraca consolação!
Outra fraca consolação é dizer que o pior já passou. Também não faltava mais nada. O que é demais é moléstia.
Ponhamos, Excelsa Almirante, que esse pé em estado deplorável nos pode servir para despedir 2007 sem excessivas tristezas e, ao mesmo tempo, augurar para 2008 um ano melhor. Para Vós, para os tripulantes desta nau, para os passageiros que em nós confiam e até para o resto das muitas e desvairadas gentes que perpassam neste espaço virtual e democrático pese embora a pesada critica do Dr Pacheco Pereira. O homem está zangado com o mundo ou pelo menos com as suas entranhas. Esperemos que também isso lhe passe. A vida é curta.
A Vossos pés, humildemente
D’Oliveira, embarcadiço na barca “incursões”

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