10 janeiro 2008

missanga a pataco 40


Da Venda e da Compra

Quando eu andava na faculdade, em Coimbra, recordo-me de por várias vezes, ouvir falar de uma esperança que frequentava Direito em Lisboa. Atribuía-se-lhe um inteligência impar e o que era mais importante uma dedicação ilimitada à causa do associativismo progressista estudantil. Alberto Costa era o nome deste herói de turno na conturbada história académica dos anos sessenta.
Depois, alguma desilusão terá começado a grassar porque alguém mo definiu como demasiado tacticista, se é que isto queria dizer alguma coisa. Mais tarde, começou a ser acusado de “recuado” de fazer fretes já não sei a quem mas enfim, de herói já teria pouco. E eu, sem conhecer a criatura, ia apenas juntando notícias das suas actuações, lia textos dele já nem sei onde, e confesso, perguntava-me, com alguma surpresa, onde se escondia o génio que antes me proclamavam.
Desse tempo até hoje a minha opinião pouco mudou. Não creditava o dr Costa com nenhuma das excelsas virtudes com que em tempo alguém o nimbara. A passagem dele pelo governo Guterres só por piedade pode ser esquecida. Foi fraco, incapaz de conseguir suscitar entre os votantes do PS qualquer assomo de simpatia. Era mesmo difícil sentirmo-nos solidários com ele apesar de lhe terem dirigido alguns ataques despropositados a roçar o soez. Costa era um caso perdido, ou pelo menos assim me parecia. Quando o vi ser reabilitado e premiado com a pasta da Justiça, murmurei para mim mesmo que ali estava o castigo merecido por alguns juízes e outros tantos magistrados que me pareciam um desastre. Agora julgo que, uma vez mais, me excedi: o dr Costa continua a parecer-me um fraco ministro e as coisas na justiça se não estavam bem estarão agora pior.
Mas tudo isto poderia provir dessa vaga falta de simpatia (nunca de antipatia porque para isso também é preciso que o antipático se esforce...) que nutria pelo homem.
Hoje porém, as coisas terão atingido um point de non retour. A história da venda de um edifício público por menos dinheiro do que custou (e não interessa saber se o anterior preço funcionou apenas entre dois ministérios, porque mesmo assim é um preço de referência) parece-me extraordinária. Sobretudo porque, de há uns anos para cá a propriedade imobiliária não se desvalorizou, antes pelo contrario. Depois, porque se sabe que entre entidades públicas os preços são fixados mais ou menos a olho e sempre por baixo. Finalmente porque aquele imóvel, no sítio onde está implantado, é sempre susceptível de se valorizar largamente consoante o destino que se lhe der e a capacidade construtiva que se conseguir. E esse valor é que deveria ser tido em conta, salvo melhor opinião. Um terreno vale o que for possível erguer nele. Se não fosse assim, provavelmente não pegariam no tal convento.
Ora a nota do gabinete do Ministro (cfr Público, 10-01-08, p. 5 em destaque) é “deroutante”: o Estado não perdeu dinheiro porque a passagem da Defesa para a Justiça é intra-Estado (sic). Foi por raciocínios destes que eu desde sempre não alcei o Dr Costa ao meu pobre altar de campanha.
Mas a história que parece surpreendente não pára aqui. De facto, o ter sido comprada por um ex-sócio do senhor Ministro, respaldado por uma empresa que ainda não estava constituída no momento do negócio, tem algo de nebuloso que francamente se deveria evitar. É que à mulher de César não basta ser honesta...
Claro que tudo isto pode ser, espero-o bem, muito simples e muito terra a terra. Mas custa ver o dr Lamego, herói maoísta do antigamente transformado em empresário imobiliário, numa transacção que dá azo a uma notícia de jornal. Eu sei que a moral vigente manda ser revolucionário aos vinte e conservador aos quarenta ou cinquenta. Sei também que nisso não vai pecado algum. É a vida e pronto. Mas mesma a tal vida rege-se por regras de clareza que aqui parecem soturnas. Nada impede o dr Lamego de comprar um terreno ao Estado. Mesmo se do outro lado o vendedor é um ex-sócio que por acaso é ministro. Todavia o acaso é uma faca de dois gumes e, aqui, ambos podem ferir. E do lado do Ministério parece claro que uma outra regra de bom viver e melhor negociar foi esquecida. Nada deve ser vendido abaixo de um preço base. Na falta de melhor, o anterior, correspondente à aquisição do imóvel. E esse haveria sempre de ser quatro milhões de euros e não três virgula dois se as minhas contas são boas. Diz-se que havia mais propostas (seria bom conhecê-las) e ainda mais baixas. Não é desculpa. Imagine-se que o comprador oferecia apenas metade do preço e que os restantes (a existirem) ainda menos. Vender-se-ia mesmo assim o tal convento? Isto está tão mal que serve qualquer preço?
No caso eventualmente improvável do Ministério querer vender a Penitenciária de Lisboa, desde já declaro a minha disposição de comprar, assim o preço seja simpático. Prometo criar uma empresa, já agora nos mesmos prazos da do dr Lamego. E sugiro um preço base: o custo da prisão quando se construiu. Como se vê sou generoso, não peço nenhum abatimento

1 comentário:

Kamikaze (L.P.) disse...

De acordo, Marcelo, mas com um reparo (que não é de somenos):
não se trata de José Lamego, ex-maoista, mas sim de António Lamego, irmão daquele, ex-magistrado do MP e, para o que importa realmenente, ex-chefe de Departamento na Direcção de Assuntos da Justiça nos tempos em que Alberto Costa era o seu Director - em MACAU, claro, por onde também acabara de passar António Vitorino, outro dos ditos sócios. Ou seja, o mesmo Lamego que foi demitido juntamente com o seu chefe Costa, por indecente e má figura, nas circunstâncias relatadas aqui.