O José António Barreiros manda-me um mail a chamar a atenção para a “revoltadaspalavras.blogspot.com”, um dos muitos blogs que anima e que, como os outros é imperdível, com a notícia da morte do Luiz Pacheco.
Ligava-nos, entre outras coisas, esta comum admiração pelo Pacheco, escriba que me acompanha desde os anos sessenta. Apesar de serem 26 os seus textos guardados na estante, ocupam escassos 30 centímetros (medi-os agora mesmo, por razões que a seguir se esclarecem). Ponhamos que me faltarão quatro ou cinco folhetos, entre perdidos, “desviados”, em parte incerta ou simplesmente nunca encontrados. Está nisto a trágica ironia duma escrita combativa, irremediavelmente solitária, duma escrita que é fácil acusar de marginal (e, de certa maneira, era-o) mas duma escrita que não poucas vezes foi sumptuosa, irradiante e quase sempre certeira.
Não sei o que é que o futuro destinará a Luiz Pacheco. O futuro, sobretudo o português tem destas coisas, é difícil predizê-lo, sobretudo no caso Pacheco que, por razões diversas e algumas culpas próprias, nunca se pode ocupar dele, tão atrapalhado estava para viver o seu presente, difícil presente, há que acrescentar.
Na hora da morte há quase sempre um tácito acordo: não se referem os pecados e só se exaltam as virtudes. No caso dos escritores a coisa complica-se. A literatura (e temos casos emblemáticos desde Pound ou Céline até Cela para vir mais para perto) vê-se muitas vezes confrontada com a vida dos seus autores.
Conheci o Luiz Pacheco há cerca de trinta anos. Já era seu leitor graças sobretudo a um editor inteligente e sabedor, António Carlos Manso Pinheiro (Estampa). Suponho que antes dele só a Ulisseia (“Critica de circunstancia”?, meados dos anos sessenta e fanada pela PIDE numa das suas incursões à minha biblioteca) é que se dera ao trabalho de o publicar. O resto aparecia sempre sobre a chancela da “contraponto” a editora inventada por Pacheco. Algum dia se falará desse seu trabalho, das revelações literárias que originou, do apurado gosto do editor, do seu amor pelos livros e por uma outra, e nova, literatura.
No final dos setenta e princípios de oitenta, encontrava-o muito pela “Opinião” e não me fiz rogado para entrar na lista dos “mecenas” já não com “vintinhos” mas com “cemzes” (de acordo com esses anos de inflação) com que LP ia angariando a vida sempre difícil. Uma que outra vez transigia em ir jantar à “Trave” do Jaime e do Santos antes deste partir para a aventura do “Primeiro de Maio”. Não recordo, porém, nenhuma conversa sensacional, nenhum segredo literário, nenhuma revelação definitiva sobre os anos surrealistas ou a vida literária de fins de cinquenta até ao 25 A.
E foi por essa época que, inocentemente, colaborei com ele nas suas piratarias editoriais. Em 78, Herberto Hélder publicou, numa edição & etc... “o corpo o luxo e a obra” (600 ex, 100 fra do comércio). À cautela eu encomendara o livro em vários lugares de modo que me couberam dois exemplares. Alguém, cujo nome já não recordo, informado desse bambúrrio, procurou-me para me comprar o exemplar a mais. Tais artes terá tido que eu, burro confesso mas generoso, lho ofereci. Tempos depois, à entrada de um espectáculo de teatro do FITEI fui surpreendido pelo destinatário da minha generosidade que vendia “o corpo o luxo e a obra” numa contrafacção assinada contraponto com a única diferença de incluir um texto de Maria Estela Guedes como prefácio. Vamos andando que me ofereceu um exemplar da “nova edição”. Os anos foram passando e as notícias de Pacheco, salvo os livros que iam saindo que, nem sempre alcançavam a qualidade dos textos anteriores e sobretudo do “libertino passeia por Braga...”, “comunidade” etc...
O passeio, a atribulada mas excitante viagem de Pacheco, acabou. Pelas minhas contas andou por cá oitenta e poucos anos. Ou seja gastou o melhor da sua vida num país tristonho, embiocado em relentos do século dezanove, se não do dezoito, pouco atreito à liberdade livre que Pacheco e os seus, mais que proporem, defenderam e viveram. Com todos os riscos que isso implicava. E com as dificuldades, muitas, algumas prisões pelo meio, processos de toda a ordem, toda uma aventura. Muito mais do que coube, cabe ou caberá, á maioria de nós todos.
Ligava-nos, entre outras coisas, esta comum admiração pelo Pacheco, escriba que me acompanha desde os anos sessenta. Apesar de serem 26 os seus textos guardados na estante, ocupam escassos 30 centímetros (medi-os agora mesmo, por razões que a seguir se esclarecem). Ponhamos que me faltarão quatro ou cinco folhetos, entre perdidos, “desviados”, em parte incerta ou simplesmente nunca encontrados. Está nisto a trágica ironia duma escrita combativa, irremediavelmente solitária, duma escrita que é fácil acusar de marginal (e, de certa maneira, era-o) mas duma escrita que não poucas vezes foi sumptuosa, irradiante e quase sempre certeira.
Não sei o que é que o futuro destinará a Luiz Pacheco. O futuro, sobretudo o português tem destas coisas, é difícil predizê-lo, sobretudo no caso Pacheco que, por razões diversas e algumas culpas próprias, nunca se pode ocupar dele, tão atrapalhado estava para viver o seu presente, difícil presente, há que acrescentar.
Na hora da morte há quase sempre um tácito acordo: não se referem os pecados e só se exaltam as virtudes. No caso dos escritores a coisa complica-se. A literatura (e temos casos emblemáticos desde Pound ou Céline até Cela para vir mais para perto) vê-se muitas vezes confrontada com a vida dos seus autores.
Conheci o Luiz Pacheco há cerca de trinta anos. Já era seu leitor graças sobretudo a um editor inteligente e sabedor, António Carlos Manso Pinheiro (Estampa). Suponho que antes dele só a Ulisseia (“Critica de circunstancia”?, meados dos anos sessenta e fanada pela PIDE numa das suas incursões à minha biblioteca) é que se dera ao trabalho de o publicar. O resto aparecia sempre sobre a chancela da “contraponto” a editora inventada por Pacheco. Algum dia se falará desse seu trabalho, das revelações literárias que originou, do apurado gosto do editor, do seu amor pelos livros e por uma outra, e nova, literatura.
No final dos setenta e princípios de oitenta, encontrava-o muito pela “Opinião” e não me fiz rogado para entrar na lista dos “mecenas” já não com “vintinhos” mas com “cemzes” (de acordo com esses anos de inflação) com que LP ia angariando a vida sempre difícil. Uma que outra vez transigia em ir jantar à “Trave” do Jaime e do Santos antes deste partir para a aventura do “Primeiro de Maio”. Não recordo, porém, nenhuma conversa sensacional, nenhum segredo literário, nenhuma revelação definitiva sobre os anos surrealistas ou a vida literária de fins de cinquenta até ao 25 A.
E foi por essa época que, inocentemente, colaborei com ele nas suas piratarias editoriais. Em 78, Herberto Hélder publicou, numa edição & etc... “o corpo o luxo e a obra” (600 ex, 100 fra do comércio). À cautela eu encomendara o livro em vários lugares de modo que me couberam dois exemplares. Alguém, cujo nome já não recordo, informado desse bambúrrio, procurou-me para me comprar o exemplar a mais. Tais artes terá tido que eu, burro confesso mas generoso, lho ofereci. Tempos depois, à entrada de um espectáculo de teatro do FITEI fui surpreendido pelo destinatário da minha generosidade que vendia “o corpo o luxo e a obra” numa contrafacção assinada contraponto com a única diferença de incluir um texto de Maria Estela Guedes como prefácio. Vamos andando que me ofereceu um exemplar da “nova edição”. Os anos foram passando e as notícias de Pacheco, salvo os livros que iam saindo que, nem sempre alcançavam a qualidade dos textos anteriores e sobretudo do “libertino passeia por Braga...”, “comunidade” etc...
O passeio, a atribulada mas excitante viagem de Pacheco, acabou. Pelas minhas contas andou por cá oitenta e poucos anos. Ou seja gastou o melhor da sua vida num país tristonho, embiocado em relentos do século dezanove, se não do dezoito, pouco atreito à liberdade livre que Pacheco e os seus, mais que proporem, defenderam e viveram. Com todos os riscos que isso implicava. E com as dificuldades, muitas, algumas prisões pelo meio, processos de toda a ordem, toda uma aventura. Muito mais do que coube, cabe ou caberá, á maioria de nós todos.
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