13 janeiro 2008

o leitor (im)penitente 31




Ángel González,
boa noite, boa viagem e que encontres um bar amável onde possas continuar a conversar, beber, amar e fumar






O Outono aproxima-se


O Outono aproxima-se quase sem ruído
apagadas cigarras, alguns grilos,
defendem o reduto
de um verão obstinado em perpetuar-se
cuja sumptuosa cauda ainda brilha lá para o este.
Dir-se-ia que aqui não se passa nada,
mas um silêncio súbito ilumina o prodígio:
Passou
um anjo
que se chamava luz, ou fogo, ou vida.
E perdemo-lo para sempre.

Cantiga de Amiga

Ninguém recorda um inverno tão frio como este.

As ruas da cidade são lâminas de gelo.
Os ramos das árvores tem luvas de gelo.
As estrelas tão altas são clarões de gelo.

Gelado também está o meu coração,
mas não foi o inverno.
A minha amiga,
a minha doce amiga,
a que me amava, diz-me que deixou de me querer bem.

Não recordo um inverno tão frio como este.


Nada mais belo

Esse raio de sol inesperado
que cintila na neve
recém-caída!

Mas muito mais belo era o sorriso
que iluminava um rosto
ainda molhado pelas lágrimas.


Um longo adeus

Ó que dia preguiçoso
que não se quer ir embora
hoje, na hora devida.
O sol,
já por trás da linha lúcida
do horizonte,
puxa por ele,
chama-o.
Mas
os pássaros enredam-no
com o seu cantar
nos ramos mais altos,
e uma brisa contrária
mantém suspenso o pó
dourado da sua luz
sobre nós.
Sai a lua e continua a ser dia.
A luz que era ouro é agora de prata.


Em Outubro de 2007 saudei por aqui (Voz alheia (3)) os 82 anos de Ángel González, poeta da geração de 50, exemplo de vida, de literatura, de dignidade. E juntei um retrato dele, sentado diante de um copo com um qualquer álcool e o eterno cigarro. Hoje os jornais espanhóis dão a notícia da sua morte. Deixa uma oba memorável (aconselho “Palabra sobre palabra”, Seix Barral, que reúne a sua poesia até 1992 ou, na colecção visor de poesia, “ A todo amor” antologia personal, de 1996. Os poemas aqui pobremente traduzidos pertencem todos a “Otoños y otras lucestusquets 2001.
As leitoras e leitores que me aturam perdoarão o atrevimento da tradução mas esta pareceu-me ser, apesar de tudo, a mais sincera homenagem a um poeta e a um cidadão exemplares.

2 comentários:

Silvia Chueire disse...

Belos poemas. Que coisa, só assim eu tomar conhecimento...

Albino M. disse...

Deixo aqui um linque próprio, com a devida vénia:

http://ruadaspretas.blogspot.com/2008/01/angel-gonzlez-luz-llamada-da-trece.html