21 fevereiro 2008

o leitor (im)penitente34


Para o ano há mais...

As correntes d’ escritas da Póvoa encerraram sábado e apesar de ter faltado a esse último dia, creio poder dizer que, mais uma vez, foi um êxito. Êxito de público, em primeiro lugar, o que é muito importante porquanto mesmo para os escreventes que se reuniam (e isso já era uma festa) não há nada mais compensador do que verem e conversarem com os seus leitores. Um livro é um recado que se lança para alguém que não conhecemos mas que, como o menino na praia que abre a garrafa com uma mensagem, pode melhorar a nossa vida (mudar, como já ouvi dizer parece-me demasiadamente presunçoso). A mim, os livros permitiram-me todas as aventuras, alguns conhecimentos, muitos amigos e são ainda uma companhia fiel e uma surpresa constante. Não são a vida, claro que não, mas são também a vida. Em tempos de solidão forçada e violenta, povoaram-me os dias, fizeram-me esquecer a desgraça, o desânimo e a violência.
O facto de haver cada vez mais leitores participantes nas “correntes...” é um prémio ao trabalho da Manuela Ribeiro e do Francisco Guedes que, aliás, bisa, com a “literatura em viagem” de que, espera-se, terá este ano a 3ª edição em Matosinhos. E premeia o apoio da Câmara Municipal e de todos quantos na Póvoa do Varzim (e cada vez são mais) entendem a festa da escrita como algo já habitual e necessário na pequena cidade.
Não estive lá para ver a entrega do prémio deste ano ao Rui Duarte de Carvalho, escritor admirável. Vai daqui um abraço, abraço de leitor agradecido desde “Fui lá ver pastores” que, pormenor sem importância mas grato, refere o meu trisavô José Costa Alemão, autor de um relatório mais ou menos etnográfico que a família desconhecia.
Também falhei as despedidas a um par de amigos que, espero, voltarei a ver para o ano. E outros que só agora conheci como o Leonardo Padura, autor que venho seguindo fielmente desde “Morte em Havana” (Asa, 2000). Ou JJ Armas Marcelo que leio semanalmente no suplemento literário do ABC (a única coisa legível no ABC, o suplemento, entenda-se, e não apenas o JJAM) e que estava louco por ir ao Porto encher-se de mariscos e peixe. Peixe ou marisco, perguntei-lhe? “Los dos, uno de primero e otro de segundo!.” Ora aqui está quem não tem frio nos olhos. Nem falta de apetite.
Que significado deveremos atribuir a este lento mas, parece, seguro, aumento do interesse pela leitura? Moda? Regresso a hábitos da elite educada do século XIX que lia e sustentava revistas e autores (não se esqueça que Camilo amassou uma fortuna que lhe permitiu jogar em todos os casinos do norte, maugrado as suas lamúrias, que a vida literária dado o reduzido número de alfabetizados parecia sólida, e que o papel dos literatos era claramente mais importante do que hoje)?
Há todavia uma constatação a que se não pode fugir. Este “elan” de leitura, de edição e de distribuição (novas livrarias mesmo se feitas por vezes à custa de pequenas que desaparecem), manobras perigosas do capital de risco sobre o pequeno negocio das editoras ditas literárias, tem uma origem puramente privada. Em matéria de leitura, o Estado, nos últimos anos, limitou-se a continuar a política da criação de bibliotecas. É muito e é pouco. É muito e isso poderá verificar-se daqui a alguns anos quando houver resultados verosímeis quanto ao aumento de leitores. É pouco no que toca a alguns problemas ligados à fiscalidade sobre a edição e comercialização do livro. E é duvidoso quanto à política do preço único que é alegremente furada pelas fnacs, pelas grandes superfícies, pelas feiras do livro informais, pelos grandes grupos livreiros recentemente constituídos que criam “cartões de leitor” e que, convém sublinhar nunca defenderam o pequeno comércio livreiro. À uma porque “pequenas livrarias” dignas desse nome não existiam em Portugal (ao contrario da França ou da Espanha, para só citar esses exemplos). O que havia por aí era uma espécie de pequenas papelarias com meia dúzia de romances de sucesso à consignação. Isso não era defensável nem se defende com leis sobre o preço único. Nos países onde ela foi primeiramente introduzida tratava-se de defender a edição de qualidade, a edição de pequena venda que nunca por nunca chegava a essas pequenas livrarias. E depois porque o preço fixo não fez aumentar ou sequer manteve a edição minoritária. Esse milagre, se milagre há, deve-se ao esforço conjunto e teimoso de um punhado de leitores e de alguns editores. E mesmo assim, basta ir a essas “feiras informais” de que já aqui se falou noutro postal, mais abaixo, para ver a que preços anda alguma da melhor poesia traduzida em Portugal. Desinteresse de leitores? Nem por isso. Falta de visibilidade? Seguramente. Os espaços expositivos nas livrarias são ocupados pelos best-sellers, pelos romances de autores na moda chamem-se eles Sousa Tavares ou Saramago. Ou seja, os autores que justamente não precisam de evidência são os que ocupam os locais a que não acede um Enzensberger de que ainda anteontem comprei um romance de que nunca tinha ouvido falar para já não falar dum Fajardo, dum Tonino Guerra, de um O’Henry, de um Pedro Paixão, de um Segalen de um Durrell, de um Böll, tudo compras feitas a rastos de barato no Mercado da Fruta.
Algum(a) leitor(a) dirá que não é pelo desenvolvimento da leitura que “isto” anda para a frente. Não estou tão seguro disso. Os livros não são tudo mas esta patente iliteracia da elite política e económica portuguesa é um mau sinal. Um péssimo sinal. Mas a isso havemos de voltar.

na gravura: Vlaminck de que acaba de abrir uma grande exposição no Museu do Luxemburgo, Paris. A fascistice dos últimos anos não pode, não deve esquecer a genialidade das grandes anos deste fauviste.

1 comentário:

Silvia Chueire disse...

É engraçado, outro dia eu lia uma crônica do Rubem Fonseca, como você sabe, um importante escritor brasileiro, e ele falava sobre os leitores. Sobre o declínio do número de leitores. E aqui temos, entre outras, a Festa Literária de Paraty frequentadíssimas pelos leitores. Mas ao mesmo tempo pesquisas sobre universitários que praticamente nunca lêem. Ao fim, dizia ele :

" Kafka escrevia para um único leitor: ele mesmo. Recordo Camões...Voltou para Portugal a bordo de um navio...O navio naufragou e Camões só pensou, durante o naufrágio, em uma coisa : salvar o manuscrito dos Lusíadas e dos seus poemas... Estávamos no século XVI e muito pouca gente em Portugal sabia ler. Mas Camões pensou nesse punhado de leitores, era para eles que Camões escrevia, não importava quantos fossem.
Os leitores vão acabar? Talvez. Mas os escritores não. A síndrome de Camões vai continuar a existir. O escritor vai resistir"

Esta é uma crônica interessante da qual retirei apenas pequenos trechos do final. Mas faz pensar, não faz?

Abraços,
Silvia