08 março 2008

Diário Político 79

Perplexo?
Nem por isso...


A Colômbia, debate-se desde há dezenas de anos com uma guerrilha persistente e tenaz que nunca conseguiu sair da selva, o que prova a sua escassa popularidade, mas que nunca foi vencida o que prova a escassa popularidade dos governos democráticos, ou nem isso, que se têm sucedido em Bogotá.
Ocorre que, de há muitos anos a esta parte, essa guerrilha larvar foi sendo progressivamente transformada numa milícia que se alimenta do tráfico da droga, do negócio dos raptos e tem perdido (se alguma vez a teve) a ideologia original de exercito popular de inspiração marxista (entenda-se marxista tendência latino-americana, o que permite uns pós de messianismo cristão, algum indigenismo e o que o che alguma vez chamou depreciativamente “romantismo revolucionário”).
Ocorre igualmente que mesmo depois da derrocada do bloco de leste, da modificação de inflexão da República Popular da China, do enfraquecimento notório do castrismo-guevarismo, subsistiram no continente americano, focos político-militares animados por algum anti-americanismo (ele próprio sustentando-se da sanha que os yankees despertam nos espoliados do sul) e da confusa e mal digerida herança da teologia da libertação.
A nova situação internacional não só isolou as guerrilhas remanescentes no cone sul e na zona centro-americana mas também as transformou. A ausência de perspectivas de êxito a curto prazo, privou-as de aparelhos políticos legais, de apoio de massas e ou as isolou ou as obrigou a abandonar a luta armada. Na Colômbia, como antes no Peru, a guerrilha que persistiu passou sem grande mérito a um bando que apenas lutava para sobreviver. No Peru, a prisão do principal líder do Sendero e a repressão violenta levada a cabo pelo governo Fujimori liquidou praticamente este grupo e se restos dele ainda subsistem já não é nem uma força nem um risco.
Na Colômbia, país que conheceu um século XIX com doze guerras oito das quais civis, uma “violência” que quase o destruiu entre 1948 e finais dos anos 50 e que tem a mais antiga guerrilha do mundo a que se atribuem, por baixo, 30.000 mortos, para já não falar nas contra-milicias de direita que fazem o possível por igualar as malfeitorias das FARC, é difícil falar de ordem ou de democracia. Todavia o último quartel do século passado e os primeiros anos deste permitiram pelo menos circunscrever as zonas de combate, acantonar uns milhares de ex-guerrilheiros e levar a cabo eleições que não foram demasiadamente escandalosas. Isso fez com que se começasse a tentar resolver o problema da luta armada não só porque os apoios externos começaram a falhar mas também porque o governo “democrático” do país conseguiu algum isolamento dos guerrilheiros.
É neste contexto que irrompem em cena dois factores destabilizadores: a Venezuela bolivariana e o Equador igualmente presa da fúria revolucionária. A guerrilha colombiana sempre tivera alguma facilidade em passar as fronteiras destes países e estabelecer aí os seus santuários, os seus campos de transito e de descanso. Claro que se isto era mais ou menos conhecido não é menos verdade que tais refúgios eram precários uma vez que as autoridades locais não davam apoio político aos membros das FARC. Não davam mas com o advento de Chavez e a progressiva radicalização deste e com a vitória dos seus émulos e seguidores no Equador as coisas mudaram.
A prova, tardia, foi dada há dias pela destruição de uma acampamento guerrilheiro chefiado pelo numero dois das FARC no Equador, o elo mais frágil do novo revolucionarismo bolivariano.
A indignação do governo equatoriano por este atentado à sua soberania seria cómica se não fosse um exercício de hipocrisia. O Equador era o hospedeiro, a todos os títulos benévolo, de uma organização considerada “terrorista” pelas organizações internacionais a que pertence e onde tem voz e assento. Pior, veio alegar que estava em negociações (secretas?) para a libertação não se sabe de que reféns. Para qualquer pessoa de bom senso, a cobertura a uma guerrilha que destrói paulatinamente um pais vizinho com que se têm relações diplomáticas normais, parece configurar um acto de guerra ou pelo menos um acto preparatório. Se alguém se devia mostrar indignado é o pais vítma dessa guerrilha recebida em festa pelo vizinho.
Não foi esse o entendimento do Equador e muito menos o do tonitruante Chavez que já mandou avançar tropas para a fronteira. Também isso é, á luz do direito internacional, um acto pelo menos inamistoso, tanto mais que não consta que o Equador tenha solicitado o seu auxílio ou que houvesse entre os dois países algum pacto militar de entre-ajuda.
Os países da zona, e a OEA, tentam pôr água na fervura. A Colômbia adoptou um perfil baixo mas obviamente não pode, neste momento, deixar de explorar o sucesso que a execução do vice-comandante das FARC representou e provavelmente o conjunto de informações que terá obtido no ataque ao quartel guerrilheiro e que parece terem-se traduzido já na eliminação de outros dirigentes guerrilheiros.
O escândalo pela incursão no Equador parece ter escondido o outro igualmente grave que consiste no apoio de países terceiros à guerrilha.
Fiquemo-nos por aqui antes que alguém entenda que estamos a apoiar os interesses dos Estados Unidos que é o que normalmente se assaca a quem tenta perceber em que mundo vive.
Cabe ainda uma referência ao governo francês. Ao que parece Paris entende que a acção colombiana no Equador diminui as hipóteses de libertação de Ingrid Bettencourt, cidadã com a dupla nacionalidade colombiana e francesa. Paris parece esquecer que além de Ingrid há mais dois ou três mil reféns da guerrilha e que o enfraquecimento desta é preferível ao seu fortalecimento. Por outras palavras, conviria saber se Paris entende dever salvar a sua cidadã a troco de deixar em paz os raptores que poderão dedicar-se a raptar mulheres só do terceiro mundo. Os direitos humanos, versão Sarkozy e Kouchner, têm destas bizarrias.

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