07 março 2008

Estes dias que passam 97


A conspiração permanente


Atribui-se, com alguma razão (mas não toda!) ao falecido e nunca suficientemente chorado Lev Davidovitch Bronstein, conhecido no século por Trotsky, a invenção da teoria da “revolução permanente”. Contra ela e a seu tempo, o também nunca assaz chorado Yossip Vissarionovitch Djugatchivilli recorreu ao expeditivo método da picareta ocasional, resolvendo assim com a brutalidade habitual um conflito teórico no seio do movimento comunista internacional.
Em Portugal, pais de brandos costumes e pouca reflexão, usou-se na mesma época uma outra teoria auxiliar de governação, conhecida como a da “conspiração permanente”.
Para o mimoso governo do dr. Oliveira Salazar, a pátria vivia em permanente sobressalto devido à actividade perniciosa e conspirativa de um punhado de energúmenos que tentavam derrubar a harmonia louçã do “torrãozinho de açúcar” recorrendo aos mais diversos expedientes desde o uso de roupa inconveniente e imoral até ao livre pensamento ou, horror dos horrores ao sindicalismo revolucionário e ao bolchevismo.
O Dr. Salazar finou-se há uns bons quarenta anos, a democracia lá apareceu e, por um momento, houve inocentes que pensaram que a conspirata tinha morrido com o seu teorizador.
Erro fatal como já se verá.
Ontem mesmo, na têvê a que temos direito, a senhora Ministra da Educação entendeu dizer entre algumas faltas gramaticais ( até trocou uma terceira pessoa do plural do futuro do verbo progredir (progredirão) por uma mais comezinha mas igualmente terceira e plural, do indicativo (progrediram). A mais não é obrigada e, de facto, a educação com os baldões que vai levando, algum lastro há-de perder quanto mais não seja o da gramática. É o progresso!...) que os professores andam a ser manipulados pela direita (parece que a senhora ministra presume de esquerda!...), que não perceberam que esta avaliação até é melhor do que a do resto da funçanata pública (além de manipulados são uns cretinos catatónicos) além de juntar umas vacuidades sobre o dever de governar e a autoridade do Estado.
Como provavelmente é difícil explicar à resplendente ministra a diferença entre autoridade e autoritarismo, entre democracia e mania, fiquemo-nos pelas acusações de manipulação. A primeira vez que ouvi tal coisa, foi da boca de um tal Saraiva, José Hermano Saraiva, nos idos de 69. A criatura exercia de factotum ministerial-educativo do dr. Salazar e do dr. Caetano. Numa alocução que o tornou célebre entendeu afirmar ex-catedra televisa (os bons hábitos não se perdem) que a estudantada coimbrã era manipulada. E foi o que se viu. Do ministro rapidamente substituído nunca mais se ouviu falar e a malta teve ganho de causa.
Veio a democracia e na pasta da Educação foram-se sucedendo as luminárias que se sabem. Volta e meia a estudantada, secundária ou universitária, saía para a rua e pimba, lá vinha o ferrete: manipulação. E a contra-senha “falta de informação”. Provavelmente esta senhora ministra terá pertencido a uma dessas gerações manipuladas e desinformadas visto ter sido aluna de Manuel Vilaverde Cabral. Ignoro se se lembra dessa época em que nadaria na abjecta ignorância e ao sabor de qualquer maldade internacional (comunismo, liberalismo, conservadorismo, anarquismo, o que se quiser). Provavelmente, não. Ou poderá até dar-se o caso da referida senhora pertencer aquela espécie quimicamente pura, sem gosto, cor ou sabor, como a água destilada e por isso ter passado por esses anos turvos sem dar por nada.
Uma das suas antecessoras, a drª Ferreira Leite disse rigorosamente o mesmo quando confrontada com os descontentes de turno. Os restantes titulares da Educação abundaram no mesmo sentido. A originalidade não é a palavra de ordem do M.E. como se vê. Ou não tiveram essa tentação. Quando não eram os alunos, eram os professores, ou ambos ao mesmo tempo sem falar nos sindicatos sempre comunistas ou sempre de extrema direita. Uma que outra vez eram os funcionários (quase inexistentes) das escolas que davam um arzinho da sua graça. Parece que esses agentes da desordem não gostam de ser maltratados pelos alunos, de ser agredidos, de não ser obedecidos, enfim as habituais balivérnias que lhes servem de pretexto para o protesto e a greve.
A Senhora Ministra disse e eu ouvi com estas duas orelhinhas que a terra há-de comer que desta vez era a direita que andava a manipular. Jesus, Maria, José! Se a direita está assim tão forte, amanhã temos um gauleiter no governo civil do Porto em vez da desconhecida miragem que por lá se deve entreter a fazer renda de bilros ou a jogar snooker. Dou as duas alternativas porque, além de desconhecer o nome da criatura também lhe desconheço o sexo.
Portanto, amanhã por esta hora (são quase oito da noite) a televisão, se não estiver ocupada pelas S.A., dará imagens terríveis dessa “marche aux flambeaux” raivosa e fascista que terá corrido as ruas de Lisboa. Pior que o 28 de Maio, pior do que os comícios convocados pela União Nacional no saudoso tempo em que, como agora, ela condenava professores ao desemprego, à impotência, ao silêncio e ao respeitinho.
Consta que se esgotaram os autocarros, que os restaurantes consultados pelo percurso já não podem assegurar mais refeições (e Deus sabe como comem estas feras docentes...) e que os sindicatos terão recomendado aos manifestantes o porte de um farnel, além, claro, das pistolas, das navalhas, dos tacos de basebol, das bombas que gente desta seguramente transportará.
Não acreditam? Então não sabem que a diligente Polícia de Segurança Pública sempre atenta e serviçal tem andado por escolas, becos, tavernas e mais sítios de má fama a perguntar quem vai e quem não vai? Por mera medida de segurança, claro, dos manifestantes, dos manipulantes, dos tratantes e demais preopinantes. Parece que o dr Pereira, patrão das polícias já declarou que no Ministério ninguém deu ordens (nunca dão) ninguém sabe nada (nunca sabem) e todos condenam veementemente (como sempre). E que já se deram ordens à Inspecção Geral da Administração Interna para levar a cabo o inquérito urgente. Eu adoro estes inquéritos se bem que, se me recordo, nunca vi sair fumo branco. Ou melhor vi sair tanto fumo que não vi nada. Ainda há bem pouco em Castelo Branco ou noutra pitoresca cidade do nosso rectângulo uns cavalheiros da polícia foram a um sindicato por via duma manifestação ou algo do género. Os briosos agentes da ordem também só iam por bem. Queriam apenas assegurar-se que tudo correria bem, e os papeis que recolheram no sindicato dos professores eram apenas para instrução própria ou porque porventura gostavam de ler.
As minhas cansadas leitoras e os meus raros leitores decerto que começam a fartar-se destes relambórios sobre as aventuras do poder. Eu também me vou cansando mas que querem? Não tenho outro meio senão este para ir comentando os tempos que se vivem. E não são tempos interessantes, lá isso não.

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