19 março 2008

Estes dias que passam 99


Trágico Aniversário

Foi há cinco anos que um George Bush ignorante e vaidoso resolveu começar a cruzada libertadora do Iraque. Tudo lhe parecia fácil. Uns tiros, a esmagadora superioridade tecnológica do armamento americano, as “armas de destruição maciça” de que ainda estamos à espera, a democracia, o leite e o mel para a Mesopotâmia.
E hoje?
Hoje não há senão uma miragem de país, não se descortina a democracia, os fanatismos religiosos e étnicos atingiram um grau impressionante, vinte por cento da população está refugiada nos países limítrofes (vinte por cento serão por más contas quase quatro milhões de pessoas) os civis mortos depois da queda de Saddam variam entre oitenta e cem mil, os americanos já perderam quatro mil soldados, a que se deve juntar um número várias vezes superior de feridos, algumas cidades estão em escombros e é duvidoso que a entidade política Iraque dure depois da saída das tropas ocupantes. A latere, estão quase a desaparecer os cristãos caldeus (uma das mais antigas comunidades cristãs do mundo, o laicismo indiscutível dos anos BAAS desapareceu e a charia instala-se com o sinistro rigor dos chiitas e a cegueira dos grupos sunitas mais fanatizados.
Ontem Aznar, hoje Bush (espera-se a palavra evangélica de Blair e dispensa-se a de Durão Barroso) dizem o mesmo: valeu a pena. Saddam caiu. A este preço teme-se que até ao fim dos julgamentos (se assim se pode chamar às fantochadas a que temos assistido) que cada um dos seus cúmplices custe mais umas centenas de vidas indefesas.
Bush acha que valeu a pena. Abu Grahib ou Guantanamo dão-lhe uma sinistra razão. No país que inventou a Declaração de Direitos, uma das mais luminosas páginas da história da civilização, isto soa a escárnio e ofende tudo (e é tanto) o que de bom vem dos Estados Unidos: o trompete de Armstrong, a caneta de Mark Twain, o cinema de Ford ou de Allen, a lâmpada de Edison ou o para-raios de Franklin. E a imensa generosidade americana, e os meus amigos de Berlim, de Lisboa, de Estrasburgo e de inumeráveis conversas sobre tudo e nada, o Big John, os Zingareli, o Bob, a Claire e tantos outros espalhados por esse vasto continente.
Em Veneza, no Palácio Ducal, há uma sala com os retratos de todos doges que governaram a Sereníssima. Todos, não. Um retrato está desde sempre tapado de negro para que o futuro não contemple o rosto de um doge indigno. Às vezes penso que o retrato deste Bush não deveria passar para o futuro: apenas pelo crime de ter declarado uma guerra por desejo de passar por estadista, por incompetência, por ignorância, por desprezo pelos seus concidadãos jovens e militares e pelos árabes daquele perdido país. Daquele país perdido...

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