24 abril 2008

Diário Político 82


Os cemitérios de ideias


Estava eu muito descansado a tentar escrever um texto sobre algumas ocorrências nacionais, mormente a morte do Francisco Martins Rodrigues quando me cai em cima a descrição jornalística do último (e pelos vistos se não é o último há-de ser dos últimos que aquilo está mais para fechar por desespero do que para continuar a espernear) Conselho Nacional do PSD.
Uma prevenção: a política sem um pouco de fantasia não tem graça nenhuma. Pode até ser uma fantasia ruidosa (do género a que o dr. Alberto Martins costumava chamar “tremendista”, mesmo que, como suspeito, ele não saiba exactamente o que é o “tremendismo” –azares de quem não lê os Nobel espanhóis...) e tonitruante.
Contudo (melhor diria: sem nada) est modus in rebus! Aquele conclave excedeu-se pelo que se lê: parece que houve quem quisesse alçar o carnaval da Madeira a presidente do partido e putativo candidato a primeiro ministro; quem suspirasse pelo regresso da criaturinha guerreira como se não se lhes tivesse bastado a abada das últimas legislativas. Um dr. Mira Amaral veio, com a sua consabida juventude, dizer que a drª Ferreira Leite era velha! Como se o seu apadrinhado, o eterno rapaz Passos Coelho fosse uma vestal virgem e tenra!!! Passos Coelho é jovem há quarenta anos, ou tenta passar por isso muito embora ao ouvi-lo qualquer um fique com vontade de lhe perguntar pelo senhor duque de Ávila e Bolama, seu colega de gamão.
Começo a ter a firme convicção que houve uma OPA secreta sobre o PPD feita pelo senhor Sócrates com o apoio do dr. José Miguel Júdice como já pareceu perceber-se num artigo deste último. Registem a OPA, por amor de Deus! Ou então transformem-na em graçola de mau gosto que o país aguenta tudo. A malta anda a safar-se há oitocentos anos e não é mais um naufrágio que nos atira pela borda fora. Eia avante, portugueses, como se canta na “Maria da Fonte”, outro equívoco da nossa esquerda que confunde o mulherio beato e ignaro do Minho com uma revolução popular. Ai se o Padre Casimiro ouvisse isto!
Evacue-se rapidamente o ataque de malária, dengue, tifo, ou febre amarela que deu naqueles repolhudos conselheiros do PPD/PSD antes que nos atinja e pensemos que se porventura o dr. Luís Filipe Meneses entendia que “apres lui le déluge” estava pela primeira vez da sua pouco excitante vida certo, certíssimo. A criatura bateu com a porta de uma casa que nem paredes tem!
E depois disto força é passar à morte de Francisco Martins Rodrigues.
Eu deveria, tirar o chapéu e dizer reverentemente que FMR era um grande revolucionário, uma pessoa coerente e mais um par de baboseiras. Não digo. E não digo porque não acho que fosse nem uma coisa nem outra. Francisco Martins Rodrigues era teimoso, fanático e não percebeu nunca o mundo em que vivia. Sequer perceber o mundo comunista onde viveu a maior parte da sua vida. Não era um teórico, nunca o foi. Nem quando era um alto quadro do PCP nem depois quando fundou a Frente de Acção Popular (primeiro) e o Comité Marxista-Leninista Português (depois). Até nisto meteu os pés pelas mãos. A peregrina ideia de fundar uma frente ampla de massas antes de um partido contradiz todo o seu apregoado e rigoroso marxismo-leninismo. Vê-se que lera pouco e pensara menos. Nada disto destrói o militante que alguma vez foi ou os sacrifícios duma vida. Mesmo a sua “queda” nos últimos interrogatórios de que foi alvo, a confissão que lhe extorquiram, os autos que assinou, mesmo isso seria de somenos não fosse dar-se o caso de FMR ser muito mais do que um Vichinsky à portuguesa. Ele distribuía as boas e más notas, condenava a torto e a direito, chamou ou permitiu que se chamasse “rachados” a muitos e muitos outros presos, na mesma prisão onde penou.
Pior: ainda não estava seco o pobre papel dos estatutos da FAP e do CMLP e já Rodrigues cometia o irreparável: o assassinato de Mateus, o pide infiltrado que terá levado à prisão de João Pulido Valente. Esta façanha revolucionária além de terrorista foi de um aventureirismo risível e fez “cair” um pequeno edifício sem apelo nem agravo. O maoísmo português foi débil sempre mas, a partir deste momento, foi ainda mais fraco. Depois do 25 A se é verdade que Rodrigues percebeu que os erros passados o impediam de aparecer publicamente à frente do PCP (r) também não deixa de ser verdade que ele tentou controlá-lo da sombra. Com o êxito que se conhece: a história tem destas ironias terríveis.
FMR manteve sempre o tom das suas opiniões parecendo que nada o perturbava. Nem mesmo o fim trágico da Albânia, a deriva sinistra da República Popular da China, a monstruosidade dos Kmeres Vermelhos ou a infâmia do Sendero Luminoso.
Quem estas escreve, com mágoa confessa que durante algum tempo pensou que a FAP e o CMLP poderiam ser um ponto de partida. Durou pouco tal ilusão. Mesmo assim, deu apoio variado, como mero compagnon de route critico e desconfiado, aos rapazes que na universidade enfrentavam a polícia, sendo advogado de muitos deles. À conta disso foi uma vez preso porque os patetas dos seus defendidos ou alguém mais responsável por eles entendeu brindá-lo com a prosa inenarrável de “O Grito do Povo” que lhe enviavam pelo correio!!!
Para quem não saiba este guincho português pretendia citar o admirável jornal de Jules Valés durante a comuna de Paris. Esqueciam-se estes jovens renovadores do pensamento revolucionário que, mais próximo no tempo, outro Grito do Povo se ouvira em França: o odioso jornal de Doriot durante a ocupação alemã da França.
E se é verdade que a organização responsável pelo “grito...” não estava sob a alçada de FMR não menos verdade é que era sua directa filha... ou pelo menos afilhada. Paz á sua alma. E paz também a FMR que conseguiu enganar-se sempre e com admirável constância. Mas não façam dele um herói!

Apesar de tudo o 25 A valeu a pena. Até porque nem FMR nem este PSD puderam estragá-lo.

d'Oliveira

1 comentário:

josé disse...

Belíssimo artigo de blog.

Sobre FMR tentei alinhavar umas letras, mas só por aproximação a uma ideia básica:

o fanatismo dos crentes em quimeras, funda-se em ideias concretamente plausíveis.

Só assim explico enganos de décadas. E por outro lado, os aderentes à quimera, diferem uns dos outros, precisamente pela tolerância. Quem tolera, aceita. Quem aceita, perde poder. Quem perde poder, claudica. Quem claudica, fica para trás.

Foi esse o drama de muitos fanáticos. E é também por isso que o PCP vai sobrevivendo. Jerónimo é um grande fanático. Tal como Cunhal o foi.

É óbvio que para quem aceitou a quimera de pensava na sua essência em modo de dúvida, estava já à espera da desilusão.

Foi o que sucedeu com os "enganados".