28 junho 2008

Au bonheur des Dames 128


A dança das cadeiras
e o rolar das cabeças


O Senhor Ministro da Agricultura (se a estas horas ainda o é) não me aquece nem arrefece. Nunca tive qualquer opinião sequer sobre o seu bigode, que sempre me pareceu ser a coisa mais interessante da criatura.
Dito isto, não me move contra a pessoa em causa, nenhuma animosidade. Não sou agricultor, Deus me livre!, não vendo maquinaria agrícola, adubos, não tenho interesses nas serrações ou nas indústrias papeleiras e apenas distingo uma dúzia de árvores.
Por outro lado, nunca fui entusiasta das associações agrárias desde a CAP à CNA. Aceito a sua existência e julgo que alguma utilidade terão. É preferível que os interesses dos homens do campo estejam defendidos deste modo do que por encobertos lobbies.
Também não me causa espécie que na CAP haja um valente par de reaccionários e na CNA outro tanto de progressistas a outrance. Mal estaríamos nós, e mal estaria a agricultura portuguesa se nela não se reflectissem as fracturas políticas do resto da sociedade.
E nem sequer me importa muito que um ministro, mesmo esta espécie de ministros que Sócrates, à imagem e semelhança de Cavaco, gosta de ter (uns funcionários prestáveis e fungíveis que façam o que se lhes diz, durante o escasso tempo de antena que dispõem) digam coisas como esta última que o Senhor Ministro Silva disse. Para mim, ele limitou-se, muito a La Palisse, a constatar uma evidência.
Todavia, não foi só isso que o Senhor Ministro Silva disse. De facto ele pareceu (ou quis mesmo) querer desqualificar os adversários. Ou seja: com aquelas conotações políticas ele pode ter pretendido assacar aos agricultores ricos e pobres uma acusação que neste pais liofilizado é terrível: que há gente nas confederações agrárias que faz política em vez de ordenhar as vacas ou semear salsa ao reguinho. E com essa gente é inútil e contraproducente discutir. Se foi isto que o (ainda) Ministro quis dizer é muito bem feito que lhe cheguem a roupinha ao pelo. Não pela inverdade da afirmação mas pelo que ela tem de desqualificante e de ataque à política. Um Ministro deveria saber que a política está no posto do comando. Que isto não é mera técnica, mais imposto ou mais subsídio. É política, nom de Dieu! É par isso que há Ministros, senão bastava um capataz.
Ora o Senhor Ministro Silva comportou-se, ou pareceu comportar-se, como um mero capataz se, porventura, quis acusar elementos da CAP e da CNA de política!
Eu sei que no serralho governamental a palavra política cheira a enxofre. Eles não gostam dela. Prefeririam, sei lá!, polka. Olha, aí está: polka. Bela palavra! E musical que se farta. E cultural, muito ao estilo de saudosas personalidades ministeriais entretanto passadas compulsivamente à reforma antecipada. Imaginemos, por um momento, uma reunião do Ministério sob a batuta do inefável Primeiro Ministro. Um minuete a abrir, enquanto Suas Excelências comem canapés. Umas flûtes de champanhe (da Bairrada ou da Murganheira, que a crise aperta) e um absinto para o titular da Cultura. E uma garrafinha de “Magos” para a Senhora da Educação (se ainda por lá anda...). De repente, soa um clarim, ou vários, ou umas trombetas, e o Senhor Presidente do Ministério lê a ordem de serviço enquanto alguns ministros, mais gulosos ou menos rápidos, metem o resto dos canapés no bolso das librés. Segue-se uma azougada valsa que pontuará o discurso de Sª Ex.ª aos discípulos sobre o que dizer, fazer e negar durante a semana que entra. Permitir-se-ão algumas contra-danças, sempre marcadas pelo senhor Ministro do Reino e dos Cultos, perdão, das Finanças, a cargo de alguns responsáveis das pastas de maior relevo que Sª Ex.ª ouvirá com a sua habitual bonomia. Se responder com uma marcha (nunca a de Radetzky por óbvias razões) é sinal de negativa. Se a música escolhida for uma polka, saber-se-á que um Ministro, durante um momento único e irrepetível da sua vida, fez jus aos favores do Chefe. Quando for exonerado a seu pedido haverá certamente uma sinecura interessante em que ocupar os seus ociosos e futuros dias.
Mas isto, este idílico retrato, servirá para povoar o sono de algum crédulo habitante da Lusitânia que ainda pensa em ganhar o Europeu de futebol graças a uma decisão da FIFA, mas não serve seguramente para segurar um Ministro (mesmo com bigode) ao lugar ou para (no caso de ele ainda por lá estar) o levar a sério quando afirma que continua na posse de todas as suas funções. Não continua. Nem ele, aliás, acredita nisso.
Sic transit gloria mundi...

*na gravurinha: uma polka!

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